Agrotóxicos
ameaçam colônias de aves da Antártica.
Estudo identifica contaminantes orgânicos no sangue
de petréis-gigantes. Foto: Colônia de petréis gigantes na ilha Elefante, no
arquipélago das Shetland do Sul, na Península Antártica/Fernanda Imperatrice
Colabuono.
Pesquisadores confirmaram a presença de
contaminantes orgânicos no sangue de petréis-gigantes do sul de diversas
colônias na Península Antártica.
Por Peter Moon | Agência Fapesp –
Estudos de carcaças e outros tecidos já tinham dado
sinais da contaminação, agora confirmados a partir de amostras de sangue em que
foi detectada a presença de diversas substâncias nocivas, entre as quais o DDT,
pesticida banido nos Estados Unidos em 1972, quando se constatou que seu uso
ameaçava a sobrevivência de diversas espécies de aves de rapina.
A pesquisa foi realizada pela bióloga Fernanda
Imperatrice Colabuono, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
(USP). Ela estudou os animais das colônias de petréis-gigantes das ilhas
Elefante e Livingston, no arquipélago das Shetland do Sul, na Península
Antártica, com bolsa de pós-doutorado e bolsa de estágio de pesquisa no
exterior da FAPESP.
A pesquisa teve apoio também da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos e do National Institute of Standards and Technology dos
Estados Unidos, com o apoio logístico do Programa Antártico Brasileiro.
O petrel-gigante-do-sul (Macronectes giganteus) é
um animal magnífico e um importante predador de topo no Atlântico Sul e Oceano
Austral. Com envergadura de asas de cerca de 2 metros, é uma das maiores aves
voadoras do planeta, menor apenas que o albatroz e o condor. São também
longevos. Petréis-gigantes podem viver mais de 50 anos. Passam a vida nos céus
dos mares do Sul do planeta, à procura de comida.
Na época do acasalamento, durante o verão
antártico, os petréis-gigantes retornam à mesma colônia onde nasceram. Para os
biólogos, essa é uma vantagem para o estudo da espécie. Uma vez identificado e
marcado, um indivíduo pode ter sua vida estudada por vários anos.
Nos verões antárticos de 2011/2012 e 2012/2013,
Colabuono coletou amostras de sangue de 113 indivíduos e constatou a presença
de contaminantes orgânicos como bifenilos policlorados (PCBs), hexaclorobenzeno
(HCB), pentaclorobenzeno (PeCB), diclorodifeniltricloroetano (DDTs) e
derivados, o pesticida clordano (banido nos Estados Unidos em 1988) e o
formicida Mirex (banido nos Estados Unidos em 1978 e recentemente no Brasil).
Segundo Colabuono, todos esses poluentes orgânicos
são persistentes no meio ambiente, têm ação cancerígena, causam disfunção
hormonal e problemas reprodutivos. Os resultados foram publicados num artigo em Environmental
Pollution.
Colabuono afirma que, comparado aos níveis de
contaminação nas aves do hemisfério norte, os níveis de contaminação detectados
nas colônias de petreis na Península Antártica ainda são baixos. O objetivo
agora é monitorá-los no longo prazo, para se “ter um indicativo da tendência de
aumento ou decréscimo desses contaminantes ao longo dos anos no ambiente em que
estas aves vivem”, diz a bióloga.
Cadeia de contaminação
O DDT é transportado pelo ar e pela chuva. Uma vez
em rios e lagos, se acumula na cadeia alimentar. Os insetos contaminados são
comidos por peixes e estes por outros predadores. Em cada patamar da cadeia
alimentar o nível de acúmulo de DDT nos tecidos aumenta.
Seus efeitos nocivos se tornam mais visíveis quando
se atinge o ápice da cadeia, nos predadores de topo. O petrel-gigante é um
deles. Ele se alimenta de peixes, lulas e até de carcaças de outras aves. Ou
seja, no trajeto de uma longa vida, ao comer centenas de quilos de peixes
contaminados, a quantidade de contaminantes nos tecidos do petrel sempre
aumenta.
Foi o que aconteceu nos Estados Unidos com os
falcões-peregrinos e os condores da Califórnia. Nos anos 1960, suas populações
começaram a declinar dramaticamente. Os condores chegaram a contar apenas umas
poucas centenas de indivíduos. Estavam a um passo da completa extinção.
Foi quando se descobriu o papel do DDT naquela
tragédia. Ao se acumular no corpo das fêmeas adultas, o DDT era repassado à
casca de seus ovos, que se tornavam finas e frágeis, partindo com grande
frequência. A reprodução da espécie estava ameaçada. Em 1972, a produção,
comercialização e o uso do DDT foram banidos nos Estados Unidos. Com o tempo,
as populações de falcões e condores começaram a se recuperar.
O Brasil é atualmente o maior consumidor mundial de
agrotóxicos. O uso proibido do DDT foi proibido pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas em 2009 – mas, como ele persiste no meio
ambiente, sua presença ainda é detectada nos tecidos de animais como o petrel.
A preocupação de Colabuono em acompanhar a vida de seus petréis-gigantes tem
fundamento.
O artigo de Fernanda I. Colabuono, Stacy S. Vander
Pol, Kevin M. Huncik, Satie Taniguchi, Maria V. Petry, John R. Kucklick,
Rosalinda C. Montone, Persistent organic pollutants in blood samples of
Southern Giant Petrels (Macronectes giganteus) from the South Shetland Islands,
Antarctica, publicado em Environmental Pollution, pode ser acessado aqui.
Fonte: Agência Fapesp
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