Lei de
licenciamento já sofre resistências.
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG),
atingido pelo rompimento de barragem da Samarco. Foto: Antonio Cruz/Agência
Brasil.
Por Claudio Angelo, do OC –
Setores agrícola e industrial tentam mudar pontos
em projeto do governo que visa agilizar licenças e estabelecer localização do
empreendimento como critério de rigor na concessão.
O governo espera enviar ao Congresso no começo do
mês que vem um projeto de lei geral do licenciamento ambiental. Antes mesmo de
vir à luz, porém, a proposta já enfrenta resistências do agronegócio e do setor
industrial. Ambos se opõem àquilo que o Ministério do Meio Ambiente considera
ser uma das principais inovações da lei: a definição dos critérios para o maior
ou menor rigor na análise do empreendimento a ser licenciado.
Hoje, qualquer empreendimento, da usina de Belo
Monte ao posto de gasolina da sua quadra, precisa de licença ambiental em três
fases: licença prévia, licença de instalação e licença de operação, com estudo
de impacto ambiental (EIA).
A nova lei quer mudar isso: seu texto traz uma
matriz que classifica os empreendimentos conforme porte e potencial de impacto,
simplificando o licenciamento dos menos impactantes e dispensando o EIA em
alguns casos. Em outros, a própria exigência de licença poderá cair.
“A ideia é eliminar burocracias que forem
tecnicamente dispensáveis e ganhar eficácia e efetividade”, disse ao OC a
presidente do Ibama, Suely Araújo. As energias dos órgãos ambientais, que têm
carência crônica de pessoal, poderiam se concentrar na análise dos processos
que realmente têm potencial de dano. Hoje, por exemplo, se exige estudo de
fauna silvestre até mesmo em áreas altamente urbanizadas. Isso deve acabar.
O potencial de degradação varia, claro, conforme a
localização do empreendimento: uma indústria no Pantanal terá impacto diferente
da mesma indústria em São João de Meriti. É essa diferenciação que o governo
pretende estabelecer na lei. Só que os critérios para julgar a vulnerabilidade
de um local não agradam à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil).
“Eu entendo que é subjetivo”, disse ao OC o
coordenador da Comissão de Meio Ambiente da CNA, Rodrigo Justus, para quem “o
texto vai trazer mais problemas do que resolver.”
Ele cita como exemplo o critério de que
empreendimentos em áreas prioritárias para conservação da biodiversidade
estarão sujeitos a licenciamento mais rigoroso. “As áreas prioritárias, segundo
o único mapa que existe, cobrem 700 milhões de hectares. O Brasil tem 850
milhões”, comparou Justus. “Isso não existe no mundo jurídico.”
Segundo o OC apurou, a CNI (Confederação Nacional
da Indústria) também tem restrições à matriz de classificação – que seria
restritiva demais, colocando muitos empreendimentos na cesta do licenciamento completo,
algo de que os empreendedores tentam se livrar.
Procurada, a associação da indústria não quis
comentar pontos específicos. Segundo a assessoria de imprensa da entidade, a
CNI defende “que o projeto esteja alinhado aos interesses do país e tenha como
princípios a clareza e a transparência, a redução da burocracia e a conservação
do meio ambiente”.
Tanto a indústria quanto o agronegócio também
querem aumentar a quantidade de empreendimentos isentos de licenciamento
ambiental. A CNA, por exemplo, quer dispensar de licença o plantio, a criação
extensiva de animais e qualquer forma de “uso alternativo do solo”. Trocando em
miúdos, da porteira para dentro, o que o agricultor decidir fazer com a terra
não deveria estar sujeito a licença, segundo a confederação. “O produtor já é
obrigado a cumprir toda a legislação ambiental.
Defendemos que tenha de ter
conformidade com as normas, mas não licença”, afirmou Justus. Segundo ele, há
exceções: a criação intensiva de animais, que gera efluentes, e projetos agroindustriais.
“Qualquer isenção de licenciamento a uma atividade
potencialmente poluidora vai contra a Constituição”, argumenta Maurício Guetta,
advogado do Instituto Socioambiental. O que é possível pensar, continua Guetta,
é numa regra de proporcionalidade, pela qual grandes fazendas, que usem muito
agrotóxico, por exemplo, tenham um licenciamento mais rigoroso, enquanto
pequenas propriedades tenham um rito simplificado.
O governo não tem inclinação a dar isenções
setoriais: insiste na definição de critérios para o que se enquadraria como
passível de isenção. O entendimento no Ministério do Meio Ambiente e na Casa
Civil é que abrir isenções demais geraria uma bola de neve de demandas que
seria impossível atender.
Ataque preventivo
A proposta de uma lei que simplifique a barafunda
legal brasileira sobre licenciamento é uma tentativa da área ambiental do
governo de barrar uma série de iniciativas no Legislativo que visam enfraquecer
ou desmontar o licenciamento ambiental no país.
Entre elas está a famosa PEC 65, uma proposta de
emenda à Constituição relatada no Senado pelo atual ministro da Agricultura,
Blairo Maggi, segundo a qual a mera apresentação de um estudo de impacto
ambiental já constitui licença para a obra. Outra proposição na mesma linha é o
PL 654, de autoria do senador e ministro demitido do Planejamento, Romero Jucá
(PMDB-RR), que cria a figura do licenciamento “a jato” para projetos de
interesse do governo – geralmente as grandes obras de infraestrutura, que
envolvem grandes empreiteiras e grandes somas em dinheiro.
A lógica do ministro Sarney Filho (Meio Ambiente) é
oferecer um texto que possibilite agilizar e simplificar o licenciamento
ambiental, uma demanda antiga, e ao mesmo tempo proteger o ambiente onde existe
ambiente a proteger.
Os únicos consensos que existem sobre a questão são
que o licenciamento é moroso e regido por uma estrutura legal arcana: ele é
previsto em linhas gerais numa lei de 1981, a da Política Nacional de Meio
Ambiente; regulamentado por um decreto de 1990, que estabelece a licença em
três fases; há literalmente dezenas de resoluções do Conama (Conselho Nacional
do Meio Ambiente) que versam sobre o assunto, além de portarias editadas pelo
Ministério do Meio Ambiente em 2011 e de mais uma lei, aprovada também em 2011,
que regula a competência de licenciamento entre União e Estados.
Os empreendedores argumentam que o excesso de
regras e de exigências torna o licenciamento lento demais – de fato, há cerca
de 2.000 processos em análise no Ibama, e outros milhares nos órgãos estaduais.
Hoje, o licenciamento ambiental de um loteamento urbano no desmatado Estado de
São Paulo chega a demorar quatro anos.
Os ambientalistas retrucam que, mesmo com a
legislação atual, o licenciamento é atropelado e frequentemente feito apenas
para cumprir tabela. Foi o caso de Belo Monte, cujas condicionantes da licença
prévia não foram todas cumpridas e a licença de operação foi dada mesmo assim.
No caso da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana, cujo rompimento causou
uma catástrofe social e ambiental, o Ministério Público apontou também falhas
de licenciamento e descumprimento de condicionantes.
Com a proposta e lei geral, o governo quer atacar
ambas as queixas. A questão da morosidade, por meio do licenciamento
simplificado e do estabelecimento de prazos para o órgão licenciador: 10 meses
prorrogáveis por cinco meses para a licença prévia, oito meses para a licença
de instalação, seis para a de operação e oito para os demais casos (como as
licenças simplificadas). O descumprimento do prazo poderá implicar em sanções
administrativas para os funcionários responsáveis.
A questão do licenciamento “pro forma” seria
abordada pela instituição da chamada AAI (avaliação ambiental estratégica) de
políticas públicas. Hoje, por exemplo, toma-se a decisão de construir uma
hidrelétrica e depois parte-se para o licenciamento. Com a avaliação
estratégica, seria possível decidir, por exemplo, entre uma usina do Tapajós ou
a geração da energia equivalente em solar, eólica e biomassa.
“O licenciamento deixa de ser uma etapa da
burocracia e passa a ser uma etapa do planejamento”, diz a presidente do Ibama.
Fonte: Observatório do Clima
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