Human Rights Watch: Relatório documenta intoxicações por agrotóxicos em Zonas Rurais.
Human Rights Watch
Moradores de zonas rurais
no Brasil estão
sofrendo intoxicações decorrentes da pulverização de agrotóxicos
nas proximidades de suas casas, escolas e locais de trabalho, disse a
Human Rights Watch em um relatório publicado hoje. Muitos membros de
comunidades rurais temem sofrer represálias de grandes proprietários
de terra com poder político e econômico caso denunciem as
intoxicações ou defendam leis e regulamentações mais protetivas
ao uso de agrotóxicos.
O relatório de 52 páginas, “Você
não quer mais respirar veneno,” documenta casos de intoxicação
aguda causada pela deriva de agrotóxicos em sete localidades em
zonas rurais no Brasil, incluindo comunidades rurais,
indígenas, quilombolas e escolas rurais. A exposição das pessoas
aos agrotóxicos acontece quando estes são pulverizados em
plantações e se dispersam durante a aplicação ou quando evaporam
e seguem para áreas adjacentes nos dias após a pulverização.
“Agrotóxicos pulverizados em
grandes plantações intoxicam crianças em salas de aula e outras
pessoas em seus quintais em zonas rurais espalhadas por todo Brasil,”
afirmou Richard Pearshouse, diretor-adjunto da divisão
de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch e autor do
relatório. “As autoridades brasileiras devem acabar com a
exposição tóxica aos agrotóxicos e garantir a segurança daqueles
que denunciam ou se opõem aos danos causados pelos agrotóxicos às
famílias e comunidades.”
A Human Rights Watch constatou que
muitas pessoas em comunidades rurais expostas aos agrotóxicos temem
sofrer represálias de grandes proprietários de terra. Em cinco dos
sete locais visitados pela Human Rights Watch, membros das
comunidades rurais afetadas afirmaram que receberam ameaças ou que
temiam sofrer retaliações caso denunciassem a deriva de agrotóxicos
que acreditavam ter causado suas intoxicações. Em 2010, um
agricultor rural e ativista contra o uso de agrotóxicos foi morto a
tiros após pressionar o governo local a proibir a pulverização
aérea naquele ano.
Proprietários de grandes plantações
frequentemente desrespeitam um regulamento nacional que estabelece
uma “zona de segurança”, proibindo a pulverização aérea de
agrotóxicos próxima a áreas habitadas. Não existe uma
regulamentação nacional similar que estabeleça “zonas de
segurança” para a pulverização terrestre. Dados oficiais sobre
intoxicações causadas por agrotóxicos subestimam a gravidade do
problema. O sistema governamental de monitoramento de resíduos de
agrotóxicos em alimentos e água potável também é frágil.
20 julho 2018Report
“Você não quer mais respirar veneno”
As falhas do Brasil na proteção de
comunidades rurais expostas à dispersão de agrotóxicos
Em casos de intoxicação aguda
causada por agrotóxicos, os sintomas apresentados geralmente incluem
vômitos, náusea, dor de cabeça e tontura durante ou imediatamente
após a pulverização nas proximidades. A exposição crônica a
agrotóxicos, mesmo em doses baixas, é associada à infertilidade, a
impactos negativos no desenvolvimento fetal, ao câncer e a outras
consequências graves à saúde. Mulheres grávidas, crianças e
outras pessoas vulneráveis aos agrotóxicos podem enfrentar riscos
maiores.
“Tive uma dor de cabeça forte,
dor de barriga e a sensação de que ia vomitar,” disse uma garota
de 10 anos que frequenta uma escola no município de Cascavel, no
estado do Paraná. “[A professora] falou, ‘Vamos sair da sala
porque o cheiro está muito ruim.’ Fomos para casa mais cedo.
Cheguei em casa com enjoo, me sentindo mal, com uma forte dor de
cabeça. Eu vomitei em casa duas vezes.”
O Brasil não deveria permitir a
pulverização de agrotóxicos feita por aviões sobre as residências
das pessoas ou por tratores próxima a janelas de salas de aula,
disse a Human Rights Watch. Como medida de urgência, o Brasil
deveria impor uma suspensão à pulverização aérea e criar zonas
de segurança para a pulverização terrestre nas proximidades de
locais sensíveis.
Nos próximos meses, o Congresso
Nacional deve considerar um projeto de lei que enfraqueceria ainda
mais a estrutura regulatória do país sobre agrotóxicos. Uma
comissão parlamentar especial aprovou o projeto de lei em junho de
2018, e este precisa ser votado na Câmara dos Deputados antes de
seguir para o Senado.
Entre suas muitas propostas, o
projeto de lei propõe reduzir substancialmente o papel dos
Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que são justamente os
órgãos especializados nos impactos causados pelo uso de
agrotóxicos. O projeto de lei também propõe a substituição do
termo legal agrotóxicos por produtos
fitossanitários, mascararando os perigos dos agrotóxicos à
saúde e ao meio ambiente.
O Brasil é um dos maiores
consumidores de agrotóxicos do mundo: as vendas anuais no país
giram em torno de 10 bilhões de dólares. A imensa quantidade de
agrotóxicos no Brasil é resultado da expansão da agricultura de
monocultura em grande escala. Cerca de 80 por cento dos agrotóxicos
são usados em plantações de soja, milho, algodão e
cana-de-açúcar. Muitos dos agrotóxicos utilizados no Brasil são
altamente perigosos à saúde humana. Dentre os 10 agrotóxicos mais
usados no Brasil no ano de 2016, quatro não são autorizados para
uso na Europa, o que evidencia quão perigosos eles são para outros
governos.
“Em vez de enfraquecer ainda mais
as leis existentes, o Brasil precisa de regulamentações mais
rígidas e de um plano de ação nacional para diminuir o uso de
agrotóxicos,” disse Pearshouse. “O Congresso deveria rejeitar o
PL 6.299/2002e pressionar os ministérios competentes para que
elaborem um estudo detalhado e imediato sobre os impactos à saúde e
ao meio ambiente do atual tratamento dispensado aos agrotóxicos.”
Depoimentos selecionados:
“Eu me senti mal, com enjoo e dor
de cabeça. Eu vomitei muito, depois que comecei eu não conseguia
parar. Eu tive que ligar para o meu marido pedindo ajuda. Estou
grávida e minha principal preocupação era com meu filho, eu estava
preocupada que isso pudesse afetar sua saúde.” – Eduarda,
uma mulher grávida de 20 e poucos anos, moradora de uma comunidade
rural a algumas horas de carro da cidade de Santarém, no estado do
Pará.
“O avião estava jogando do lado
da escola e o vento trazia para a escola. Não dava para sentir o
cheiro, mas dava para sentir a nebline, o vapor [de agrotóxicos]
entrando pela janela. As crianças, entre 4 e 7 anos reclamavam que
suas gengivas e olhos estavam ardendo.” – Marelaine, uma
mulher de 20 e poucos anos, professora em uma comunidade rural no sul
da Bahia.
“Eu comecei a me sentir mal,
enjoada. Eu tentei beber água para melhorar, mas não ajudou. Eu
comecei a vomitar várias vezes, até que vomitei tudo que tinha no
estômago”. – Carina, uma estudante adulta de uma escola
rural no município de Primavera do Leste, no estado do Mato Grosso.
“Dava pra ver o líquido branco
[no ar]. Mesmo cheirando, vai para o seu cérebro. Você sente uma
amargura na garganta. Você não quer mais respirar veneno – você
quer respirar outro tipo de ar – mas não tem nenhum.” – Jakaira,
um homem Guarani-Kaiowá de 40 e poucos anos, que vive em uma
comunidade indígena a algumas horas de carro de Campo grande, no
estado do Mato Grosso do Sul.
“Esta semana, um avião passou por
cima da casa [de um vizinho] com o motor [de pulverização] ligado.
A gente sente [os agrotóxicos] caindo na pele. Toda vez que bate,
tem isso. Nós temos problemas com aviões há uns 10 anos. Fizemos
várias ocorrências no quartel, delegacia [de polícia civil]. Não
resolve – não existe justiça.” – Bernardo, um homem
de 30 e poucos anos de uma comunidade quilombola a algumas horas de
carro de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais.
“[A pulverização de agrotóxicos]
incomoda e causa náuseas; me dá dor de cabeça. Eu tento me sentar
do outro lado da sala de aula [do outro lado de onde eles
pulverizam]. Nós temos um ventilador [na sala de aula], ele ajuda um
pouco, mas o cheiro continua. Eu senti náusea, tontura. É ruim
porque você quer vomitar, mas fica preso na garganta.” – Danilo,
um garoto de 13 anos, estudante em uma escola rural a algumas horas
de carro de Goiânia, capital do estado de Goiás.
***Todos os nomes foram
alterados a fim de proteger a identidade dos entrevistados
Fonte: Human
Rights Watch
Nenhum comentário:
Postar um comentário