Em artigo na Nature Climate Change, professores da Coppe revelam o custo do retrocesso na política ambiental do governo brasileiro.
Seis professores e pesquisadores da
Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e
Pesquisa de Engenharia da UFRJ) assinam artigo que será publicado na
próxima edição da Nature Climate Change, no qual avaliam
os impactos do retrocesso na política ambiental brasileira para o
cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs),
assumidas pelo Brasil para o atingimento do objetivo acordado pela
comunidade por mais de 190 países em Paris em 2015 para limitar o
aquecimento global.
Entre 2005 e 2012, o Brasil reduziu
suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 54%, sobretudo pela
redução do desmatamento em 78%. De acordo com os autores, a
aprovação do novo Código Florestal, em 2012, provocou um
retrocesso gradual na governança ambiental, agravada a partir de
2016 com a barganha política promovida pela chamada bancada
ruralista para a aprovação de projetos de interesse do governo
federal.
Em troca de apoio político, o
presidente Michel Temer assinou medidas provisórias e decretos que
diminuíram as exigências para o licenciamento ambiental, suspendeu
a demarcação de terras indígenas, facilitando que grileiros se
beneficiem dos recursos de áreas desmatadas ilegalmente. Isso pode
comprometer a bem sucedida política de redução das emissões de
CO2 pelo controle de desmatamento, promovida na última década.
O artigo “The threat of
political bargaining to climate mitigation in Brazil (A ameaça
da barganha política para a mitigação climática no Brasil)” é
assinado pelos professores da Coppe/UFRJ Roberto Schaeffer, Alexandre
Szklo e André Lucena, os pesquisadores Pedro Rochedo, Alexandre
Koberle e Regis Rathmann, também da Coppe/UFRJ; o professor Eduardo
Viola, de Ciência Política, da UnB, e pelos professores Britaldo
Soares-Filho, Raoni Rajão e a pesquisadora Juliana Leroy Davis, da
UFMG.
Brasil: esforços serão
necessários para cumprir metas do Acordo de Paris
Usando Modelos de Avaliação
Integrada (IAMs na sigla em inglês), desenvolvidos no Brasil, dois
deles criados na Coppe (Coffee e Blues) e o outro na UFMG
(Otimizagro), os autores traçam cenários para estimar o esforço
necessário para cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o
aquecimento global em 2ºC e compensar o enfraquecimento da
governança ambiental, a qual potencialmente resulta em emissões por
mudanças no uso do solo.
Os três modelos são
complementares. Com o Coffee (Computable Framework For Energy and
the Environment), os pesquisadores traçaram o cenário macro, de
emissões globais de CO², e com o Blues (Brazilian Land Use
and Energy Systems model), o modelo de otimização para energia
e uso do solo. Ambos foram criados por pesquisadores do Cenergia,
laboratório da Coppe coordenado pelos professores Roberto Schaeffer,
Alexandre Szklo e André Lucena. A UFMG, por sua vez, conta com o
modelo de uso da terra, espacialmente explícito, chamado Otimizagro.
Segundo os autores, a governança
ambiental brasileira se divide em três períodos: pré-2005, de
governança fraca e altas taxas de desmatamento; 2005 a 2011, período
de aprimoramentos na governança e resultados efetivos na redução
do desmatamento; e 2012 a 2017, quando a governança foi gradualmente
erodida pela anistia concedida ao desmatamento ilegal, no bojo da
revisão do novo Código Florestal.
Autores definem cenários de
governança: fraco, intermediário e forte
Baseando-se neste histórico, os
autores definiram três cenários de governança ambiental: fraco,
intermediário e forte. O cenário de governança fraca implicaria o
abandono do controle do desmatamento e o incentivo à agropecuária
predatória. Neste cenário, todos os ganhos obtidos desde 2005
seriam anulados.
O cenário intermediário implicaria
numa contradição: a manutenção das políticas de controle do
desmatamento concomitantemente ao apoio às práticas predatórias.
Seria a manutenção do cenário atual, cujo ritmo de desmatamento
implicaria que a taxa de desmatamento anual alcançaria 15 mil km²
no Cerrado e 17 mil km² na Amazônia, até 2030. Isso resultaria na
emissão de 16,3 Gt de CO2 para o período 2010-2030.
Segundo Pedro Rochedo, as políticas ambientais, embora vigentes, se
degradariam por influência política. “Manda-se um sinal para os
setores produtivos de que vale a pena desmatar, pois as regras seriam
descumpridas sem a fiscalização e punição adequadas. Um incentivo
velado ao desmatamento”, explica o pesquisador.
O cenário de forte governança
ambiental pressupõe a expansão das políticas de preservação
ambiental e apoio político total à agenda ambiental assumida pelo
país. Este prognóstico levaria à redução anual do desmatamento
no Cerrado e na Amazônia de cerca de 8 mil e 9,5 mil km²
respectivamente, para menos de 4 mil km² em cada um dos dois biomas.
O cenário “fraco” acarretaria
ao país um impacto financeiro de 5 trilhões de dólares até 2050,
comparado ao cenário “forte”. Segundo Rochedo, o cálculo leva
em conta o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”.
Segundo este orçamento, o Brasil teria direito a emitir cerca de 24
Gt de CO2 de 2010 a 2050. “A gente chegou a este custo
pelo preço de carbono médio da literatura (atualmente, cada
tonelada de CO2 é precificada entre 10 a 20 dólares, e a
projeção é que o preço da tonelada chegue a 370 dólares em
2050). Uma espécie de multa ou compra de certificados para compensar
o excesso de emissões. Quando se excede esse orçamento de carbono,
o país paga para que outra nação faça o que ele não fez. Seja
uma troca de certificados ou outro mecanismo. É o mercado de
carbono”, explica o pesquisador.
A conclusão dos autores é que as
NDC´s assumidas pelo país estão em risco devido à crise política
atual, na medida em que o governo desfaz políticas ambientais
exitosas levando ao aumento do desmatamento. Paradoxalmente, para
lidar com o aumento das emissões de CO2, o Brasil teria que investir
pesadamente em tecnologias avançadas, que não estão maduras o
suficiente e têm elevado custo de capital. “Em função de uma
política do século XIX, o governo obriga setores da economia a
usarem tecnologia do século XXI para neutralizar os efeitos da
política do baixo clero no Congresso”, critica o professor Roberto
Schaeffer.
Segundo Schaeffer, a adoção deste
conjunto de tecnologias de vanguarda implicaria em um custo econômico
muito elevado, o que tornaria improvável que o país honre os
compromissos assumidos para ajudar o mundo a cumprir o Acordo de
Paris. “A conclusão do artigo é que reduzir o desmatamento seria,
de longe, a opção mais barata para o Brasil alcançar suas metas
nacionais e os objetivos de Paris”, esclarece.
Blues, Coffee e Tea: modelos
desenvolvidos pela Coppe
O Brasil é o único país em
desenvolvimento a ter um modelo de análise integrada global (IAM), o
que lhe permite traçar cenários integrados, em escala global, de
ações de mitigação no combate ao aquecimento global. Batizado de
Computable Framework For Energy and the Environment (sob a
espirituosa sigla Coffee), o modelo criado na Coppe traz como
diferencial que o papel do país pode ser analisado em um contexto
mundial, de acordo com metas estabelecidas para conter o aquecimento
do planeta.
O modelo é fruto da tese de
doutorado “Desenvolvimento de um modelo energético integrado
global para avaliar o papel brasileiro nos cenários de mitigação
de mudanças climáticas”, defendida em 2016 pelo então aluno de
doutorado do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, o
pesquisador Pedro Rochedo, sob a orientação dos professores
Alexandre Szklo e Roberto Schaeffer.
A Coppe já contribuía, há mais de
uma década com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), por meio de cenários de
mitigação de mudanças climáticas elaborados no modelo Message
Brasil, um modelo nacional. Trata-se de um dos mais detalhados
sistemas de modelagem energética integrada de um país no mundo,
feito com base em um modelo pioneiro, denominado Message,
originalmente desenvolvido pelo Instituto Internacional de Análise
de Sistemas Aplicados (IIASA), na Áustria.
A última versão do Message Brasil
é o Blues (Brazil Land Use and Energy Systems Model), modelo
utilizado na elaboração dos três cenários incorpora à modelagem
de energia a modelagem do uso do solo desenvolvida para o Coffee,
tornando a ferramenta ainda mais completa, capaz, por exemplo, de
identificar as relações entre o uso do solo e a produção e
demanda de biocombustíveis. O “pai” do Blues é o aluno de
doutorado Alexandre Koberle.
Além disso, a equipe do Cenergia
está trabalhando com o professor Angelo Gurgel, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV-SP), na elaboração de um modelo de equilíbrio
econômico global compatível com o modelo Coffee. O nome escolhido
explicita, de forma bem humorada, essa correlação: Total
Economic Assessment (Tea) Model. “Um mundo de baixo carbono
pode levar ao aumento dos preços dos derivados de petróleo. Isso
tem impacto no emprego setorial, nos gastos das famílias, no PIB. Há
um impacto sistêmico e complexo, que só um modelo econômico pode
abordar”, explica Rochedo.
Fonte: COPPE
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