Defensor público fala sobre o desafio do combate ao uso de agrotóxicos em São Paulo e em todo o Brasil.
Por Sucena Shkrada Resk*,
especial para a Envolverde –
O advogado Marcelo Carneiro Novaes,
defensor
público do Estado de São Paulo, que integra a coordenação do
Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e
Transgênicos, que começou a se reunir em novembro 2016, é o
entrevistado desta semana do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista
Sucena Shkrada Resk. Neste bate-papo, ele trata da questão da
pulverização aérea, que é um tema emergente no estado, como
aspectos polêmicos da desoneração fiscal no setor de agrotóxicos
(pesticidas). Ao mesmo tempo, analisa agendas de âmbito nacional,
como o Projeto
de Lei (PL) 6.299/2002 (PL dos Agrotóxicos), de autoria do então
senador Blairo Maggi, que facilita o processo de aprovação e
utilização dos produtos no país, cujo parecer do relator Luiz
Nishimori foi aprovado recentemente em Comissão especial da Câmara
dos Deputados. A proposta antagoniza com a Política
Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) – PL 6670/2016,
que está em processo de tramitação em outra Comissão Especial na
Casa, da qual Novaes participou de audiência pública.
Blog Cidadãos do Mundo –
Quais são as prioridades hoje de pauta do Fórum Paulista de
Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos?
Marcelo Novaes –
O fórum está em fase de estruturação e entre as principais
prioridades, está a de agregar instituições e autoridades do setor
preocupadas com o assunto. Desde a sua criação, foram formadas
comissões temáticas, como na área de saúde. Atualmente
também temos acompanhado o PL dos Agrotóxicos versus da PNaRA, que
é uma política que promove uma reflexão sobre o uso dos
agrotóxicos no país, com a proposta de medidas para mitigar
impactos negativos, mantendo a transparência e governança para
promover a agroecologia.
No campo estadual, discutimos
projetos de lei relacionados à pulverização e neonicotinoides, que
são inseticidas com restrições na Europa, e extremamente nocivos
aos agentes polinizadores. Temos dados coletados de 2015, pela
Defensoria Pública, sobre a pulverização, cuja área total
pulverizada (desconsiderando eventual sobreposição de áreas)
totaliza 11,82% do território do estado. Mais de 80% direcionados à
cultura de cana-de-açúcar e há o indicativo de que 60% eram
inseticidas. Nossas bases de dados foram levantamentos de documentos
junto ao Ministério da Agricultura. Entre as localidades, estão
principalmente regiões de geração de commodities. Desafios são
encontrados no Vale do Ribeira, na Serra da Mantiqueira, em
municípios como Ribeirão Preto, e de entrada de grãos (Ourinhos,
Itapetininga), entre outros. Mais uma pauta nestas áreas são os
transgênicos.
O Fórum pesquisa a relação de
doenças crônicas e de casos de câncer com a utilização de
agrotóxicos e possível agravamento com o aumento da produção de
grãos no estado. O Observatório de Saúde Ambiental constatou uma
correlação significativa, por meio de dados epidemiológicos. Estas
informações podem ser encontradas na página da
Ouvidoria, na seção de audiência pública. Outra fonte
importante recente é o livro Geografia
do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com União Europeia,
publicado pela pesquisadora Larissa Bombardi.
Blog Cidadãos do Mundo –
O que o senhor tem a dizer sobre a desoneração de produtos
agrotóxicos e o que de fato pode ser feito juridicamente quanto a
esta questão?
Marcelo Novaes –
O mercado de agrotóxicos obteve no país US$ 10 bilhões em 2015, e
contribuiu com pouco mais de R$ 500 milhões de arrecadação. Menos
de um e meio por cento de arrecadação é algo diminuto. No Tribunal
de Contas da União (TCU), em acórdão de abril, se verificou que a
desoneração de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
Programa de Integração Social (PIS) e imposto de importação
(tributos federais), fez com que cerca de R$ 1 bilhão deixasse de
entrar nos cofres da União. No estado de SP, a desoneração também
chega a R$ 1 bilhão quanto ao ICMS. Neste caso, alcança tanto os
agrotóxicos extremamente perigosos como o de menor potencial, de uso
terrestre e aéreo, que podem provocar enorme prejuízo. O problema é
não haver a seletividade.
Alguns países utilizam o imposto verde.
Podemos reger isso de forma mais inteligente. Atualmente existem
algumas tentativas de impugnar parte da desoneração do ICMS e dos
tributos federais, com apoio da Procuradoria Geral da União (PGR).
Além dessa desoneração, existe
perda de receita significativa, porque o produtor rural abate o gasto
com agrotóxicos nos tributos sobre a renda, considerados insumos
agrícolas. O desenho do sistema tributário incentiva a produção
de commodities para exportação. Se alterar o modelo, muda o consumo
dos agrotóxicos. O Brasil exportou US$ 86 bi em 2016 e arrecadou em
imposto de exportação R$ 44 mil. Ao mesmo tempo, importamos US$ 12
bilhões de produtos agrícolas – arroz, feijão, trigo e frutos,
entre outros. Como também importamos os insumos na ordem de
US$ 7 bilhões em agrotóxicos por ano.
Mais um aspecto que ilustro é sobre
a necessidade de se rever a Lei Kandir, pela qual há R$ 25 bilhões
de desoneração fiscal anual decorrente de exportações no estado
de SP de diferentes eixos econômicos (São Paulo). No setor da
agricultura, este modelo não consegue sobreviver sem o uso de
agrotóxico.
Blog Cidadãos do Mundo –
Como o Fórum pretende envolver mais a sociedade civil neste
debate? E como é possível ter mais participação e acesso aos
informes do Fórum?
Marcelo Novaes –
Envolver por meio da fomentação do debate, e coletando informações.
Reunindo estas instituições que estavam espalhadas pelo Estado.
Estamos em processo de formatação. Tirar o manto de invisibilidade
do custo humano e ambiental que envolve o modelo de utilização do
agrotóxico e tentar criar soluções para mitigar. Agora houve uma
ampliação da discussão do PL.
Podem participar tanto instituições
jurídicas, como pessoas físicas pesquisadores. Para obter mais
informações o meio de contato é o e-mail
forumpaulistaciat@gmail.com .
Integramos o Fórum Nacional, que está sob a coordenação do
Ministério Público do Trabalho.
Blog Cidadãos do Mundo –
Comparativamente a outros estados brasileiros, como São
Paulo se encontra quanto ao uso de agrotóxicos? Quais os desafios
num universo de praticamente 700 municípios?
Marcelo Novaes –
O estado é o segundo mercado consumidor, só perde atualmente para o
Mato Grosso. Representa 20% do consumo do agrotóxico do país, que
consome 4% de todo no mundo.
Aqui a tendência é aumentar a produção
de soja transgênica e entrada de diferentes grãos no estado.
O
desafio é buscar um meio de produção menos lesivo ao meio
ambiente, como a agricultura orgânica, além de enfrentar a questão
da pulverização aérea e buscar os banimentos dos já banidos.
Blog Cidadãos do Mundo –
Quais são os pontos nevrálgicos desta agenda no país,
segundo sua avaliação?
Marcelo Novaes –
Hoje existe uma discussão política sobre qual país queremos. A
opinião pública tem de ser alertada sobre um modelo que produz
riqueza que não está sendo distribuída para a população e que
produz externalidades negativas. O agronegócio é vendido como
salvação, mas só nos mostram a sala de visita.
Outro ponto é que as próprias
entidades representativas das empresas de pesticidas, em audiência
pública, também afirmaram que 30% dos agrotóxicos consumidos no
país entram de contrabando, porque não são permitidos no país,
sendo que muitos nem são para uso agrícola. É importante definir a
responsabilidade sobre esta questão. O proprietário rural não pode
usar estes produtos.
Um segundo eixo é que muitas
pessoas excedem na quantidade de uso dos agrotóxicos. Existe um
trabalho do Ministério Público, na região de Paranapanema, por
exemplo, que cruzou dados com os das estações metereológicas, e
chegou à conclusão de que mais de 80% das pulverizações aéreas
foram feitas desrespeitando as bulas dos fabricantes dos agrotóxicos.
O proprietário e a empresa que financiou a aquisição do produto
são responsáveis.
Mais um ponto é que um terço do
agrotóxico consumido no país é aplicado por via aérea. Imagine se
os números de Presidente Prudente se repetirem no país, significa
mais de 80% acima das normas apontadas pelo fabricante.
E um complicador a mais nesta agenda
é a utilização dos banidos nos outros países serem utilizados
aqui. O problema é que foram banidos por conta de efeitos nocivos à
saúde e ao meio ambiente. Não há justificativa plausível,
racional a não ser o desejo de se esgotar os estoques daquela
substância.
Como pano de fundo, se trata do
poder de um complexo econômico – agroindústria, mineração,
hídrico e financeiro – voltado para exportação. Só o setor de
agronegócio representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB). É
preciso uma atuação permanente dos órgãos de fiscalização. A
governança é a função de executar a política. Do debate surge a
luz.
Quanto ao PL dos Agrotóxicos, eu me
detive na questão da possibilidade de se obter o registro do
agrotóxico no período de dois anos. O problema é possibilitar a
utilização de moléculas não testadas em outros países e não se
ter capacidade científica apta para fazer estes testes. A História
mostra que o inventor do DDT recebeu o prêmio Nobel na década de 40
e depois se descobriu seus malefícios.
Há que se ter cautela quanto
à utilização de novos produtos, pois existe o prejuízo à
proteção da saúde pública e ambiental. É importante que o
governo se mobilize e fique menos permeável ao poder econômico.
* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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