Desmatamento na Amazônia aumenta
temperatura da água e prejudica crescimento dos peixes de riachos.
Desmatamento na Amazônia faz peixes de riachos “emagrecerem”
Desmatamento na Amazônia faz peixes de riachos “emagrecerem”
Por Silvana Salles, do Jornal
da USP
O desmatamento na Amazônia aumenta
em até 6°C a temperatura média dos riachos de cabeceira. O que,
por sua vez, leva a uma significativa perda de massa nos peixes que
vivem nestes ambientes. É o que sugere um estudo conduzido por
pesquisadores da USP e publicado
na revista científica PLOS One. No experimento em
laboratório, o grupo descobriu que os peixes “emagrecem” até
16% em uma temperatura mais elevada.
A comunidade científica já
conhecia a relação entre desmatamento e aquecimento de rios e
córregos.
“A copa das árvores intercepta, bloqueia e reflete a
radiação solar incidente. Uma vez que você remove a floresta, o
que ocorre é que a radiação solar incide diretamente sobre o solo
e sobre a superfície da água”, explica o biólogo Luís
Schiesari, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
(EACH) da USP e um dos autores do artigo.
Também já era conhecida a relação
entre águas mais quentes e redução do tamanho corpóreo dos
organismos. Segundo Schiesari, essa relação foi verificada
principalmente no caso de organismos de sangue frio, como peixes,
anfíbios e répteis, e é reconhecida por cientistas do mundo todo
como uma regra universal do aquecimento global.
Pesquisadores utilizaram redes
de puçá, como a desta imagem, para fazer o levantamento dos peixes
que vivem nos riachos amazônicos – Foto: Cedida pelo pesquisador.
A novidade do estudo é o cruzamento
de dados sobre a redução do tamanho dos peixes com dados ambientais
locais. “O que nós hipotetizamos é que talvez outros cenários de
mudança ambiental que levem ao aquecimento também possam levar a
uma diminuição do tamanho corpóreo”, conta Schiesari.
“Curiosamente, ainda não tinha sido testado o efeito desse
aquecimento nos peixes”, completa o biólogo Paulo Ilha, outro
autor do artigo, que desenvolveu o trabalho como parte de seu
doutorado em Ecologia no IB.
A pesquisa contou com duas etapas:
uma em campo, realizada no município de Querência (MT), e outra em
laboratório, em São Paulo.
Sem floresta, temperatura sobe e oscila mais
No trabalho de campo, os
pesquisadores mediram a temperatura das águas de seis riachos de
cabeceira – nascentes de rios que alimentam o Xingu. Três deles
estavam em área de floresta e os outros três, em área que foi
desmatada na década de 1980 para dar lugar a pastagens e,
posteriormente, convertida em plantação de soja entre 2003 e 2008.
As medições mostraram que as águas dos riachos na floresta têm
temperatura média de 25°C, com uma variação que vai dos 24°C aos
26°C durante o dia.
Já os riachos de área agrícola
têm temperatura média de 28°C, com uma oscilação muito maior, de
24°C a 34°C. Nos horários mais quentes do dia, a diferença de
temperatura média chegava a 6°C na comparação entre os riachos de
floresta e os de área agrícola. As temperaturas máximas batiam uma
diferença de 7°C.
Na floresta preservada, as copas das árvores mantêm a
temperatura da água mais
fresca. Foto: Cedida pelo pesquisador |
Na área agrícola, os riachos
estão completamente expostos à radiação do sol. Foto: Cedida pelo
pesquisador.
Os cientistas coletaram os peixes
que fizeram parte da amostra nos mesmos riachos. Das 29 espécies
encontradas, seis delas concentravam 90% dos indivíduos. Eles
pesaram os peixes dessas seis espécies e compararam as medidas dos
que viviam na floresta com as dos que viviam na área desmatada. Em
cinco espécies, os peixes dos riachos de área agrícola eram
menores do que os da floresta.
Na natureza, além da temperatura da
água, outros fatores influenciam o tamanho dos peixes, como a
presença de matéria orgânica na água e a oferta de alimentos.
Para analisar o efeito da temperatura isoladamente, era necessário
um experimento em laboratório.
Peixe minúsculo participou do experimento
Os pesquisadores elegeram a espécie
mais abundante da amostra para o experimento em laboratório.
O
Melanorivulus zygonectes adulto chega a, no máximo, 4
centímetros (cm) de comprimento. Para fugir dos predadores, ele vive
nas margens dos riachos, nas águas mais rasas, e tem a habilidade de
pular de poça em poça d’água.
“A espécie escolhida tem
características que favorecem o experimento em laboratório.
Acontece nos dois lugares (riachos de floresta e de área desmatada),
é abundante, fácil de coletar, tem sobrevivência fácil e alta no
transporte e no cativeiro. É pequeno, o que facilita criar muitos em
um espaço relativamente pequeno de laboratório”, explica Ilha.
O Melanorivulus zygonectes chega
a 4 cm quando adulto. Vive junto às margens mais rasas dos riachos e
tem a habilidade de pular de poça em poça – Foto: Cedida pelo
pesquisador.
Os peixinhos coletados viajaram do
Mato Grosso até o Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia
Evolutiva do IB. Lá, eles foram colocados em aquários individuais.
Vinte peixes foram mantidos em aquários com temperatura da água em
24°C. Outros vinte ficaram em águas a 32°C. Todos receberam a
mesma alimentação.
Depois de dois meses, a temperatura
mais alta afetou negativamente o crescimento dos Melanorivulus,
principalmente daqueles originários dos riachos da floresta.
Em média, os peixes da floresta
mantidos em temperatura de 24°C ganharam 27,5 miligramas (mg),
enquanto os mantidos em 32°C perderam a mesma quantidade de massa.
No caso dos peixes originários da área agrícola, os que ficaram
nos aquários mais frios ganharam 26,4mg, enquanto os mantidos em
aquários mais quentes perderam apenas 9,5mg. Ou seja, nas
temperaturas mais altas, os peixes da floresta perderam, em média,
16% do peso que tinham no início do experimento, enquanto os peixes
de área agrícola perderam, em média, 5%.
Paulo Ilha desenvolveu o estudo
durante o doutorado em Ecologia no IB. Foto: Alan Petrillo/USP
Imagens.
“O que entra de energia no
organismo pela alimentação serve basicamente para três funções
fundamentais. Uma delas é crescer, a outra delas é o metabolismo
básico e a terceira é se reproduzir. Existe um balanço entre esses
três investimentos. Se você tem um desses componentes drenando mais
energia, essa energia vai faltar para os outros. O animal que está
investindo mais energia na regulação, na manutenção da
temperatura em lidar com essas variações, vai acabar tendo menos
energia para a reprodução e o crescimento. É como se uma pessoa
comesse o mesmo tanto que a outra, mas uma estivesse correndo na
esteira e a outra, sentada no sofá confortavelmente”, diz
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico (IO) da USP,
que não participou do estudo.
A temperatura também afetou a
sobrevivência dos peixes da floresta. A 24°C, 93% deles
sobreviveram ao experimento. Mas a 32°C, um terço dos peixes
morreram.
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