“Querem
oficializar grilagem”, diz Izabella.
Por Claudio Angelo, do OC –
Para ex-ministra, que criou áreas protegidas que o
governo agora cogita desfazer no Amazonas, medida expõe Brasil a “vexame internacional”
em nome de interesses “que precisam ser explicitados”.
Izabella Teixeira fala durante solenidade de posse
de Marilene Ramos no Ibama. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
O movimento de parlamentares do Amazonas de reduzir
unidades de conservação no sul do Estado é uma tentativa de “oficializar a
grilagem” de terras da União e expõe o Brasil à “vergonha internacional”. Quem
diz é Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, em cuja gestão foram
criadas as cinco áreas protegidas que ora são alvo da bancada.
“Eu acho um vexame que o Brasil, que é referência
no mundo, passe por um retrocesso de anular a criação de áreas tão importantes
para a conservação da biodiversidade em nosso país”, afirmou a ex-ministra ao
OC. “Querem oficializar a grilagem. Isso abre um precedente seriíssimo para as
outras regiões. Não tem explicação, não tem cabimento.”
A demanda de cortar quatro áreas protegidas criadas
pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu último dia de mandato e extinguir uma
quinta foi apresentada na última terça-feira por sete parlamentares do Amazonas
ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS). Segundo informou o
Instituto Socioambiental, o governo abraçou a proposta e a encaminhará ao
Congresso como projeto de lei ou Medida Provisória. Reportagem do jornal O Estado de
S.Paulo afirma que o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho
(PV-MA), não foi consultado a respeito.
Pois deveria, já que as terras que os parlamentares
amazonenses querem liberar para os produtores rurais do sul do Estado são dele.
“O Ministério do Meio Ambiente é o dono das
terras”, diz a ex-ministra. Elas foram tituladas para o Instituto
Chico Mendes, órgão do MMA, em agosto de 2014, após um processo que
durou quase dois anos no Programa Terra Legal, do extinto Ministério do
Desenvolvimento Agrário. O programa visa regularizar a posse de terras na
Amazônia, destinando terras devolutas a usos diversos – de assentamentos a
terras indígenas, de expansão urbana a parques nacionais.
Na ocasião, 3 milhões de hectares de terras
federais foram oferecidos para conservação – com anuência do governo do Estado,
do Incra e da Funai.
Em 2016, após mais dois anos de estudos e
consultas, foram criadas cinco unidades: a Reserva Biológica Manicoré, o Parque
Nacional de Acari, a Floresta Nacional de Aripuanã, a Floresta Nacional de
Urupadi e a Área de Proteção Ambiental Campos de Manicoré. Juntas elas somam
2,69 milhões de hectares – área menor do que a destinada ao MMA, já que,
segundo Izabella, foi preciso fazer uma série de ajustes no desenho das
unidades para acomodar interesses locais diversos.
“Criamos uma área menor
porque foi onde havia convergência, para minimizar o conflito”, diz. “São as
primeiras unidades criadas já com regularização fundiária.”
A proposta dos parlamentares, ora em avaliação no
governo Temer, visa extinguir a APA Campos de Manicoré e reduzir as outras
unidades. No total, a área sob proteção cairia 40%, para 1,6 milhão de
hectares.
O problema é que, como toda a área das unidades já
está regularizada e titulada para o ICMBio, o eventual projeto de lei para
reduzi-las estaria, na prática, dando 1 milhão de hectares de terras da União
para o setor produtivo, o que é ilegal – daí a ex-ministra falar em
“oficializar a grilagem”.
“O Congresso vai descumprir a lei que ele mesmo
criou, a lei do Terra Legal. Todo mundo sabe que um dos principais problemas do
desmatamento na Amazônia é a questão da regularização fundiária.
O governo fez
um programa de regularização. E [os parlamentares] querem fazer uma lei para
desfazer o que a lei vigente manda fazer. Isso é um vexame”, dispara Izabella.
Mico Interancional
Segundo a ex-ministra, o movimento também põe em
xeque a credibilidade internacional do Brasil, já que o país hoje capta
recursos de doadores no exterior para financiar a conservação – por meio do
programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia). O Estado do Amazonas é um dos
beneficiários do programa.
Em seu discurso de posse como
ministro das Relações Exteriores de Michel Temer, o senador José Serra
(PSDB-SP) disse que uma das prioridades de sua política externa seria assumir a
“especial responsabilidade” que cabe ao Brasil em matéria ambiental. “Se
fizermos bem a lição de casa, poderemos receber recursos caudalosos de
entidades internacionais interessadas em nos ajudar a preservar as florestas”,
discursou Serra.
Com a taxa de desmatamento
subindo por dois anos consecutivos e unidades de conservação sendo reduzidas com
o aval do Palácio do Planalto, a tendência é que os doadores comecem a rarear –
e as pressões internacionais sobre o Brasil voltem a crescer como durante o
governo FHC, quando a criação de um mosaico de áreas protegidas no sul do
Amazonas foi proposta pela primeira vez.
“Mentira completa”
Ao apresentarem a proposta de redução das áreas a
Padilha, os parlamentares amazonenses, liderados por Átila Lins (PSD), alegaram
que as unidades estão causando “prejuízos” e paralisação de investimentos no
agronegócio na região, e estariam colocando o setor produtivo “em pânico”.
O manifesto entregue a Padilha, segundo o jornal A Crítica, aponta “vícios
de legalidade” no decreto de criação das áreas e “ausência de estudos técnicos
e consultas públicas”.
Izabella Teixeira contesta: “Dizer que não houve
consulta é de uma mentira completa, porque houve consulta em dois momentos: na
regularização fundiária e na criação das unidades”. Segundo ela, as unidades
deveriam ter sido criadas em 2015 o foram somente no ano seguinte por conta da
burocracia.
“Querem argumentar que vão desfazer isso porque não
foram ouvidos? No mínimo eles deveriam explicitar os interesses que estão por
trás disso. Está na hora. Já que o Brasil é um país que se renova com sua
transparência, explicitem os interesses. Sejam objetivos. Digam que de fato
está por trás disso.”
Questionada sobre que interesses ela acha que
seriam esses, a ex-ministra não quis responder.
O sul do Amazonas é uma região ainda rica em
florestas virgens, que protege o coração do Estado, a maior área de mata
tropical preservada contínua do planeta. Está na confluência de três frentes de
grilagem – de Rondônia, do Pará e de Mato Grosso – e é a principal zona de
expansão madeireira do Estado. Grileiros, madeireiros ilegais e pecuaristas têm
interesse nos estoques de terra e floresta do local.
A região também é o principal foco de desmatamento
do Estado. Segundo levantamento do Ibama a partir da dados do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento nos cinco municípios onde
estão as áreas protegidas contestadas aumentou entre 2011 e 2015 – de 27% para
36% do desmatamento total do Amazonas.
“Peço à Casa Civil, rogo ao ministro Padilha, que
foi meu colega ne Esplanada, que analise politicamente antes de qualquer
posição do governo. Vamos para um debate de quais são os reais interesses por
trás disso”, concluiu Izabella.
Fonte: Observatório do Clima
Nenhum comentário:
Postar um comentário