A empatia
transforma o mundo.
Por Maria Helena Masquetti*
Sobre a notícia que circulou há poucos dias,
denunciando pessoas que estariam se deitando numa via movimentada a fim de
praticar assaltos, sabe-se, por ora, que nenhuma vítima se apresentou. De
qualquer forma, é natural que uma situação assim gere medo e nos mantenha alertas
à emboscada. No entanto, mais assustador do que esta notícia, foi o número de
comentários sobre ela na internet, dizendo quase em uníssono coisas do tipo:
“Agora sim ficou mais fácil passar por cima. E ainda dar marcha a ré”, enquanto
outros até questionavam se haveria “jurisprudência” para o caso de darem a ré,
repetindo o atropelamento.
Que crianças negligenciadas, brutalizadas e
privadas de afeto venham a se tornar criminosas, chega a fazer algum sentido,
mesmo que mórbido. O que não se explica, no entanto, é que pessoas que tiveram
a sorte de nascer em realidades melhores, reajam ao fato com tantos requintes
de crueldade:
“Um rolo compressor resolveria o problema”, o que leva a pensar
em como seriam então tais pessoas se tivessem sido criadas nas mesmas condições
que os delinquentes que ora execram. Embora o conceito de se combater o horror
com o horror não seja exclusivo das pessoas menos instruídas, somente a empatia
pode gerar respostas mais promissoras sobre a questão da violência.
Quando nos interessamos em entender a origem da
criminalidade, nos damos conta de que nenhum bebê chega ao mundo decidido a se
tornar uma ameaça para a sociedade, fato confirmado pelos direitos das
crianças, de todas elas, assegurados em nossa Constituição: “É dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art.
227). Enquanto crianças estiverem sendo privadas destes direitos, significa que
nós também, enquanto sociedade, estamos descumprindo nosso dever legal de
protegê-las.
Um conflito, uma perda ou uma injustiça em casa
ou no trabalho costumam ser suficientes para deprimir e abalar pessoas nascidas
até em berços privilegiados. Por que, então, quando se trata daqueles que não
tiveram, muitas vezes, acesso a cuidados mínimos e afetos que os humanizariam,
o julgamento costuma ser tão implacável? Quantos executivos de formação
acadêmica louvável e currículos atraentes já não caíram em desespero por passar
meses na busca infrutífera de um emprego sem, no entanto, serem rotulados como
vagabundos tal como acontece impensadamente em relação à qualquer pessoa em
situação de vulnerabilidade? Refletir sobre tudo isso nada tem a ver com
“passar a mão na cabeça de bandido”, como se tornou evasivo e conveniente
dizer, mas sim na própria consciência.
Seja de forma individual ou coletiva, ser
empático é não generalizar e rotular sumariamente. É não concordar que a
fome e a miséria sejam um componente natural da história humana. Ser empático é
defender e apoiar a implantação de políticas públicas eficazes e dizer não
àquelas criadas apenas para maquiar problemas. Ser empático é olhar para as
desigualdades com a coragem de perguntar: “Até onde eu também contribuo para
isso?”. Carl Rogers, psicólogo pioneiro por focar sua atenção na tendência para
a saúde em lugar da doença, concluiu, há mais de meio século, o que, para
muitos, ainda hoje, falta compreender: “Ser empático é ver o mundo com os olhos
do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”.
* Maria Helena
Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social,
possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em
consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12
anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
Fonte: ENVOLVERDE
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