Exploração
petrolífera na foz do Amazonas ameaça comunidades locais.
Por Carolina Santos*
Da pesca ao açaí, as pequenas comunidades na costa
do Amapá que dependem diretamente dos recursos naturais da região já se
organizam para defender seus direitos e produzir de forma cada vez mais
sustentável.
Antes da expedição que fez as primeiras imagens dos
Corais da Amazônia, o navio Esperanza recebeu a bordo, ainda no porto de
Santana, em Macapá, cerca de 40 representantes da sociedade civil, entre
comunidades, organizações socioambientais e lideranças do Amapá. Em comum, o
grupo compartilha o esforço de proteger a Floresta Amazônica.
A intenção de nosso encontro foi iniciar com eles
as discussões sobre atividades que geram grandes impactos socioambientais na
região, entre elas a exploração petrolífera planejada, a partir do ponto de
vista de quem está na floresta e faz parte dela. Em breve, o Greenpeace
realizará um seminário na região, com parceiros, para discutir temas como o uso
da terra, a barragem do Rio Araguari, os impactos da mineração, além da própria
exploração de petróleo.
Em tempos de ataques aos direitos das comunidades
tradicionais por parte do Governo e do Congresso Federal, as iniciativas que
estimulam o empoderamento e a autogestão dessas populações se tornam cada vez
mais importantes. Nesse sentido, foi muito interessante conhecer a brilhante
experiência de organização local do Bailique, por meio dos protocolos
comunitários.
Qualidade e sustentabilidade na Foz do Amazonas
O Bailique é um arquipélago de oito ilhas a leste
do estado do Amapá, onde vivem cerca de 11 mil habitantes distribuídos em 52
comunidades, e cujo acesso é exclusivamente fluvial. A principal atividade
econômica é a pesca artesanal e o açaí.
Há cerca de três anos, a rede Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA), em parceria com diversos colaboradores, como a Regional GTA do
Amapá; o Conselho Comunitário do Bailique (CCB); a Colônia Z-5 de Pescadores; o
Instituto Estadual de Florestas (IEF) do Amapá; e o DPG / CGEN) / MMA),
iniciaram um projeto para desenvolver um “Protocolo Comunitário” no Bailique, a
partir da aprovação da maioria das comunidades que habitam o arquipélago.
Segundo a Rede GTA, protocolos comunitários “são
regras internas criadas pela própria comunidade que definem os procedimentos,
critérios e instrumentos de gestão territorial e de manejo e uso de recursos
naturais na região”. Os protocolos norteiam as atividades econômicas que serão
desenvolvidas, mas o ponto mais importante é que eles devem refletir as
características tradicionais, o modo como a comunidade se relaciona interna e
externamente, o conhecimento local popular.
Assim, como explica a cartilha produzida pelo GTA,
a construção de protocolos comunitários visa empoderar os povos e comunidades
tradicionais para dialogar com qualquer agente externo de modo igualitário,
especialmente na hora de fazer negócios com terceiros, fortalecendo o
entendimento da comunidade sobre seus direitos e deveres e estabelecendo a
importância da conservação da biodiversidade e de seu uso sustentável. Além
disso é uma importante ferramenta de gestão de territórios, assim como do
controle e da forma de uso de recursos naturais.
Comércio de Açaí no Mercado da Rampa de Santa Inês
(Rampa do Açaí), em Macapá (Amapá). O açaí e a pesca artesanal são as
principais atividades econômicas da região do Bailique. Foto: © Rogério Reis /
Greenpeace
Depois de três anos do início desta articulação,
muitas iniciativas caminham em direção à consolidação do Protocolo Comunitário,
como a criação da Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique (ACTB).
Ela é a instância comunitária responsável pela participação social e a execução
das ações estabelecidas no território.
Uma dessas iniciativas é a capacitação técnica para
o bom manejo florestal na produção do açaí.
Com o apoio da Associação, do GTA, e da Oficina-Escola de Lutheria da Amazônia,
79 produtores de açaí da região receberam, em novembro do ano passado, a certificação FSC, após
serem auditados pela equipe do Instituto de Manejo e Certificação Florestal
(IMAFLORA). Isso atesta que o seu produto não está vinculado a degradação
florestal.
Em janeiro deste ano, o Greenpeace foi convidado a
participar do 9° Encontrão do Protocolo Comunitário. Foi um momento muito
importante para os produtores, pois foi quando receberam em mãos o certificado
emitido pela FSC.
Para o presidente da Associação das Comunidades
Tradicionais do Bailique, Geová de Oliveira Alves, isso é importante pois o
processo como um todo faz com que os produtores de açaí adotem uma postura
diferente na forma de tratar seus recursos, sua cultura e meios de vida. “Eles
passam a valorizar mais ainda o que cada um tem de melhor nas suas terras. E
tendem a se capacitar mais para manter isso. É um processo de aprendizagem
contínuo e com resultados excelentes, tanto para o homem quanto para a
floresta”, avalia Alves.
Para ele, outra vantagem da certificação é que o
processo produtivo como um todo ganha outro status: há maior agregação de
valor. “O mundo passa a reconhecer que você tem um produto de altíssima
qualidade, que respeita os valores comunitários, a natureza e os direitos de
todos”.
Neste encontro, outras questões importantes foram
discutidas, como a criação de uma cooperativa para garantir a melhor inserção
do produto no mercado. Com a certificação em mãos, alguns desafios ainda
preocupam os produtores, como o escoamento da produção, à procura de um mercado
diferenciado para a aquisição do seu açaí certificado.
Benefícios para quem?
No modelo de desenvolvimento seguido em nosso país,
a comunidade do Bailique pouco conhece seus bônus. Já os ônus são diariamente
vivenciados pelos habitantes. O abastecimento de energia, por exemplo, é
inadequado e deficiente, apesar de a população estar ao lado da barragem do Rio
Araguari. Desta grande obra para a geração hidroelétrica, construída há três
anos, o efeito mais marcante sentido pelos moradores locais do Bailique é a
aceleração do processo de erosão na região.
A deficiência no abastecimento de energia,
inclusive, afeta as duas principais atividades econômicas da região, a pesca e
a produção de açaí, afetando a segurança alimentar dos habitantes.
O desenvolvimento a todo custo que é perseguido
pelo país, traz agora uma nova ameaça socioambiental para a região: a
possibilidade da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. No caso de um
acidente com vazamento, ele poderia ter graves consequências para o Bailique,
que depende totalmente dos recursos naturais.
Porém, apesar dos desafios e da deficiência do
Estado em garantir os direitos fundamentais dessa população, a comunidade do
Bailique é um excelente exemplo de como uma população tradicional pode usar
ferramentas e mecanismos para fazer a gestão de seu território. Ao mesmo tempo
em que assegura a reprodução física e cultural do seu modo de vida e transmite
seus saberes tradicionais, também conserva o seu meio, que é a Floresta
Amazônica. São comunidades que estão buscando uma inserção diferenciada no
mercado, mostrando que é possível, sim, produzir e se desenvolver
economicamente em sintonia com o meio ambiente. Um sopro de esperança em tempos
tão difíceis.
* Carolina Santos faz parte da campanha de
Florestas do Greenpeace Brasil.
Fonte: Greenpeace Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário