Comida
contaminada adoece milhões por ano.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 15/2/2017 – Pareceria uma versão
moderna e sem fim das sete pragas do Egito: vaca louca, gripe aviária, pescado
contaminado com chumbo, gripe suína e gafanhoto do deserto, a mais perigosa das
pragas migratórias, sem citar a ferrugem agressiva, que coloca em risco os
cultivos de trigo em três continentes. E tem mais. A contaminação de alimentos,
que pode acontecer em qualquer momento da produção ou comercialização, adoece
uma em cada dez pessoas no mundo, cerca de 700 milhões por ano, além de 420 mil
mortes.
As enfermidades e pestes que afetam plantas e
animais comprometem a disponibilidade e a higiene dos alimentos diariamente,
além de outras várias substâncias contaminantes, afirma a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Isso acontece em fazendas,
fábricas, em casa, em água salgada ou doce, ao ar livre e em meio a florestas
densas”, detalha.
Seja em forma de patógenos, insetos ou substâncias
tóxicas, os riscos agora se propagam mais rápido e para mais longe, o que
dificulta a implementação de respostas efetivas e oportunas e coloca em risco o
fornecimento de alimentos para a população, bem como a saúde e os modos de
subsistência, quando não diretamente a vida, destaca a agência da ONU. Mais de
70% das novas enfermidades dos humanos são de origem animal, e correm o risco
de se converterem em grandes problemas de saúde pública, aponta.
Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
diz que a grande maioria das pessoas sofrerá uma enfermidade derivada dos
alimentos consumidos em sua vida, o que destaca a importância de garantir que
estes não estejam contaminados com bactérias, parasitas, vírus, toxinas ou
químicos que possam ser perigosos. “Os alimentos podem ser contaminados em
qualquer ponto dos processos de produção, distribuição e preparação. Todos na
cadeia produtiva, do produtor ao consumidor, são responsáveis por garantir que
o que comemos não cause doenças”, explica a OMS.
A FAO também recorda que, com o maior número de
pessoas, plantas e animais que viajam, os patógenos também são trasladados. A
agência alerta que, “com as pragas que ameaçam plantas e árvores, as doenças
que passam de animais para humanos, os contaminantes que afetam a água e o
solo, e as drásticas mudanças na variabilidade climática, não há limites para
os riscos sobre a cadeia alimentar”. Além disso, ressalta que um terço da
produção global de cultivos se perde a cada ano por causa de insetos ou
enfermidades de plantas que podem se propagar por vários países ou de um
continente a outro.
Agricultores inspecionam sementes de arroz em Serra
Leoa. Foto: FAO
Vários fatores incidem nos perigos que pairam sobre
a cadeia alimentar, como a agricultura intensiva, o desmatamento, o
superpastoreio e a mudança climática. Também os conflitos e distúrbios e o
comércio globalizado aumentam a probabilidade de que apareçam mais ameaças, que
se propaguem de um país a outro e se tornem devastadoras nos novos países,
adverte a FAO, e acrescenta que “os alimentos podem ser contaminados durante o
processamento e a comercialização, e como é comum isso ocorrer em diferentes
países, fica cada vez mais difícil identificar o ponto de contaminação”.
Para enfrentar o crescente número de doenças e
pragas fronteiriças que afetam plantas e animais, a FAO publicou o documento Evitar
os Riscos Para a Cadeia Alimentar, com uma série de ferramentas e métodos
de prevenção para emergências. Nele mostra como a prevenção, os alertas, a
preparação, a boa gestão da cadeia alimentar e as boas práticas podem melhorar
a segurança e a proteção da mesma e, dessa forma, salvar vidas e modos de
sustento.
“Proteger a cadeia alimentar ficou cada vez mais
difícil em um mundo cada vez mais interconectado e complexo”, afirmou o
diretor-geral adjunto da FAO, Ren Wang. “Por isso, acreditamos ser importante
que os setores que participam da produção de alimentos, do processamento e da
comercialização analisem as atuais e as possíveis ameaças e ofereçam respostas
concertadas”, acrescentou.
O documento da FAO diz que o enfoque
multidisciplinar permite oferecer respostas de forma oportuna, o que inclui o
uso de novas tecnologias da comunicação para evitar e controlar as ameaças
fronteiriças, facilitando o intercâmbio de informação.
Por exemplo, em Mali, Uganda e Tanzânia, os
pecuaristas usam o EMA, um aplicativo para baixar em seus telefones celulares
informação sobre doenças animais registradas no campo. Os dados são enviados em
tempo real ao sistema Mundial de Informação sobre Enfermidades Animais
(Empres-i), na FAO, de onde é compartilhado em escalas nacional, regional e
global, o que facilita a análise oportuna para oferecer uma resposta rápida às
enfermidades desde seu início.
Em Uganda, nos últimos anos, o sistema de
vigilância mais que dobrou o número de enfermidades denunciadas no Centro
Nacional de Epidemiologia e Diagnóstico de Enfermidades Animais, o que
representa o alerta que necessitam os produtores de animais e agricultores para
responderem melhor aos focos de doenças. As ferramentas móveis também foram desenvolvidas
para supervisionar a ferrugem do trigo, uma doença causada por fungo que
destrói os cultivos saudáveis, o que permitiu aos funcionários de extensão e às
instituições de pesquisa trocarem informação de forma regular sobre sua
ocorrência.
“O gafanhoto do deserto, a praga migratória mais
perigosa, costuma colocar em risco o fornecimento de alimentos na África e na
Ásia, pois um enxame de 40 milhões de gafanhotos é capaz de comer a mesma
quantidade de alimentos que 35 mil pessoas”, adverte a FAO. Graças ao sistema
eLocust3, foi melhorada a vigilância do gafanhoto, e agora é usado nos 19
países mais vulneráveis a essa praga.
O Marco de Gestão de Crises da Cadeia Alimentar, da
FAO, publica uma vez por mês um novo informativo para ajudar os países membros
e diversas instituições a enfrentarem as ameaças transfronteiriças, além de um
boletim trimestral de alertas. A informação e a interconexão estão aí.
Resta
saber se os governos e as grandes corporações do setor da alimentação e
agricultura reagem às pragas e a outros males, e quando.
Fonte: ENVOLVERDE
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