O futuro
da alimentação está em perigo.
Por Correspondentes da IPS –
Roma, Itália, 23/2/2017 – Será difícil acabar com a
fome até 2030, porque está em perigo a capacidade da humanidade para se
alimentar devido às crescentes pressões sobre os recursos naturais, à maior
desigualdade e às consequências da mudança climática. O alerta é do mais
recente informe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), divulgado no dia 22. Nos últimos 30 anos foram alcançados
grandes avanços significativos na redução da fome, embora a “expansão da
produção alimentar e do crescimento econômico tenha vindo com um custo muito
alto para o ambiente”, aponta o documento.
“Quase metade das florestas que antes cobriam o
planeta desapareceram e as águas subterrâneas se esgotam rapidamente”, alerta o
documento O Futuro da Alimentação e da Agricultura: Tendências e Desafios.
“A biodiversidade se vê gravemente corroída”, aponta. Dessa forma, “se
continuarem as tendências atuais, os limites planetários poderão ser
superados”, alerta o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, na
introdução do relatório.
Em 2050, estima-se que o planeta terá dez bilhões
de habitantes. Em um contexto de moderado crescimento econômico, o aumento
populacional elevará a demanda mundial por produtos agrícolas em 50% com
relação à atual, o que aumentará a pressão sobre os recursos naturais já muito
exigidos. Além disso, um número maior de pessoas comerá menos cereais e mais
carne, frutas, verduras e alimentos processados, como resultado da atual
transição pela qual passa a dieta global e que se soma às pressões já
existentes, gerando mais desmatamento, maior degradação do solo e aumento das
emissões de gases-estufa.
Mulheres da aldeia de Rubkuai, no Estado de
Unidade, no Sudão do Sul, em 16 de fevereiro de 2017. Foto: FAO
A isso se somam as dificuldades derivadas da
mudança climática, o que “afetará cada aspecto da produção alimentar”, diz o
documento, como uma maior variabilidade nas precipitações, maior frequência de
secas e inundações. A questão central apresentada pela FAO em seu informe é se
os sistemas alimentares e agrícolas serão capazes de cobrir de forma
sustentável as necessidades futuras da crescente população mundial.
Segundo a agência, será possível fazer frente a
essas necessidades crescentes e de forma sustentável, mas, para conseguir isso
e garantir que os benefícios cheguem a toda a humanidade, serão necessárias
“grandes transformações”. Porém, sem um impulso nos investimentos e um
reequipamento dos sistemas alimentares, muitas pessoas ainda continuarão famintas
em 2030, quando vence o prazo para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o de erradicar a insegurança alimentar
crônica e a má nutrição, adverte o documento.
“Sem um esforço adicional para promover um desenvolvimento
que leve em conta os mais pobres, reduza as desigualdades e proteja os mais
vulneráveis, mais de 600 milhões de pessoas estarão subalimentadas em 2030. Na
verdade, os avanços atuais não serão suficientes para erradicar a fome até
2050”, acrescenta o informe. Devido às poucas possibilidades de expansão das
terras dedicadas à agricultura e da água empregada, o aumento da produção para
atender a maior demanda terá que ser obtido principalmente melhorando a
produtividade e a eficiência no uso dos recursos, recomenda a FAO.
Mas, destaca o informe, é preocupante a tendência à
estabilização do crescimento da produção de cultivos importantes. Desde a
década de 1990, as colheitas de milho, arroz e trigo aumentaram, em média, 1%
ao ano. Para vencer os desafios apontados no documento, entre outros, não é
possível continuar fazendo o mesmo. “Serão necessárias grandes transformações
nos sistemas agrícolas, nas economias rurais e na gestão dos recursos naturais
se quisermos enfrentar os múltiplos desafios que temos pela frente e explorar
todo o potencial da alimentação e da agricultura para garantir um futuro
saudável para todas as pessoas e todo o planeta”, pontua o documento.
A fome golpeia certas regiões do Sudão do Sul. As agências da ONU alertam que
quase cinco bilhões de pessoas necessitam urgentemente de assistência alimentar
e agrícola. Foto: FAO
“Os sistemas agrícolas intensivos que utilizam
muitos insumos, causadores do maciço desmatamento, da escassez de água, do
esgotamento do solo e das grandes emissões de gases-estufa, não podem oferecer
uma produção agrícola e alimentar sustentável”, assegura a FAO. O maior desafio
é produzir mais com menos e, simultaneamente, proteger e melhorar as diferentes
formas de sustento dos pequenos agricultores familiares e garantir a
alimentação das pessoas mais vulneráveis.
“Para isso é preciso um enfoque de mão dupla, que
combine os investimentos em proteção social com investimentos em atividades
favoráveis aos pobres. Dessa forma, se abordará a subalimentação, ao mesmo
tempo em que se aumentarão as oportunidades para a geração de renda das pessoas
pobres”, recomenda a FAO. Segundo essa agência da ONU, o mundo deve mudar para
sistemas de alimentação mais sustentáveis, que consigam um uso mais eficiente
do solo, da água e de outros insumos, e reduzam drasticamente as emissões
contaminantes, além de conseguir maior conservação da biodiversidade e reduzir
o volume dos desperdícios.
Mas é preciso maior investimento nos sistemas
agrícolas e agroalimentares, bem como mais fundos para a pesquisa e o
desenvolvimento, e assim se poderá promover a inovação, impulsionar a produção
sustentável e encontrar melhores formas de fazer frente aos problemas da
escassez de água e da mudança climática, ressalta o estudo. Além de impulsionar
a produção e a resiliência, também é fundamental criar cadeias para o
fornecimento de alimentos que melhorem a relação entre produtores e mercados
nas cidades e nos países de renda baixa e média.
Medidas para melhorar o acesso dos consumidores a
alimentos seguros e nutritivos e a preço acessível, como políticas de preços e
programas de proteção social, são essenciais, enfatiza a FAO. O diretor adjunto
da agência para Economia e Desenvolvimento Social, Kostas Stamoulis, destacou
que o maior desafio para a agricultura e a alimentação no futuro será o
aquecimento global.
“Exige mudanças nas práticas agrícolas e no
desenvolvimento de uma agricultura que se adapte melhor à mudança climática”,
afirmou Stamoulis, um dos autores do informe, junto com Rob Vos, diretor da
Divisão de Desenvolvimento de Economia Agrícola, e Lorenzo Bellu, chefe da
equipe de Estudos de Perspectiva Mundial.
Fonte: ENVOLVERDE
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