Cidades
dos sonhos.
Por Rosa Alegria*
Sonhos coletivos de cidades podem funcionar como
ingredientes inovadores para os planos diretores que, normalmente, são muito
pouco criativos.
Quem já não sonhou com o lugar que mais deseja para
viver? Se você ainda não sonhou, experimente um exercício de imaginação; feche
os olhos e coloque-se no tempo e no espaço com todos os detalhes a que tem
direito.
Pensa que é romantismo bobo? Pois não é. Sonhar com
uma cidade desejada é o primeiro passo de um processo de planejamento urbano
transformador. Isso quem fala é Jaime Lerner, referência mundial em
planejamento urbano.
Lembro de sua energia vibrante no palco de uma
conferência da qual participei em Curitiba anos atrás. O que ele disse com
veemência me marcou muito e me fez pensar de forma diferente no tema urbano.
“Transformar uma cidade é simples, não é difícil;
basta fazer sonhar juntos todos os que nela habitam!”.
Fui convidada a palestrar no TED Rio Metrópole de
2014 e os organizadores me pediram para fazer o público entrar num exercício de
imaginação. Eram mil pessoas. Nunca havia feito isso antes com tanta gente. Mas
embarquei no embalo da música transcendente e conduzi a plateia para uma viagem
mental, de visualização criativa, esticando o tempo para vinte anos no futuro.
Os resultados foram surpreendentes.
Teve os que não conseguiram viajar mas se
divertiram; os que viajaram e não queriam voltar; e ouvi os que acreditaram que
o Rio poderia ser a mais importante cidade do futuro. Vendo o Rio na situação
crítica em que está hoje, claro, além de sonho, faltou governança.
Foto: Shutterstock
Sonhos coletivos de cidades podem funcionar como
ingredientes inovadores para os planos diretores que normalmente são muito
pouco criativos. Como criar cidades inovadoras com planos diretores
convencionais?
Lembrando que todas as grandes inovações da
história começaram pelas cidades. Cidades sonhadas, desejadas, temidas, sempre
foram imaginadas e trouxeram sentido às civilizações que em torno delas se
reuniram, influindo na vida das pessoas e compondo novos mundos.
Atenas inventou a democracia, Bruges inventou o
comércio no século 12, Veneza no século 14 foi o primeiro centro globalizado do
mundo. Antuérpia, Gênova, Amsterdam, grandes centros financeiros no século 16,
Londres nos séculos 17 e 18 instalaram a primeira democracia de mercado e foi
em Londres que a indústria se impôs sobre a agricultura inaugurando uma nova
era mundial.
A complexidade desse novo século e a
hiper-urbanização, principalmente a brasileira, nos colocam diante de desafios
que requerem respostas para tornar possível a vida urbana.
As respostas mais inovadoras não virão do que já
foi visto ou do que já existiu no passado. É preciso reinventar o conceito do
que é urbano através de saltos evolutivos de inovação. Isso só será possível se
conseguirmos alcançar territórios jamais antes visitados que encontramos em
nossa imaginação.
O imaginário é essencial para transformar as
cidades; sempre mobilizou a humanidade em toda a sua história. O sociólogo
holandês Fred Polak no começo dos anos 50 estudou o poder do imaginário em sua
obra “A Imagem do Futuro”.
Esse livro, já esgotado nas livrarias, nos traz um
estudo da história que até hoje não tem semelhança. Polak estudou as imagens de
futuro (ou sonhos coletivos) que as antigas civilizações nutriam; e conclusão
foi a seguinte: aquelas que pereceram foram as que nutriam imagens negativas,
pessimistas do seu próprio futuro.
No entanto, as civilizações que floresceram foram
aquelas que se mobilizaram e caminharam na direção de imagens de futuro
positivas.
Será que no futuro as cidades serão construídas em
subúrbios cada vez mais distantes? Ou serão arranha-céus no centro das cidades,
de onde as crianças sairão para encontrar calçadas estreitas e ruas grandes e
perigosas?
Será possível tornar os subúrbios mais próximos de
ambientes de alta densidade? Centros urbanos poderão ser vilarejos cosmopolitas
com 100% de reaproveitamento de água, hortas comunitárias a serviço dos centros
tecnológicos, ar puro, flores nas calçadas, vitalidade comunitária e espaços
sensoriais? Ou viveremos em arranha-céus ultramodernos cortados por carros e
ônibus voadores?
Como vamos conviver com as comunidades de robôs que executam
tarefas domésticas?
Se a inteligência artificial já está se instalando
na indústria e no comércio, substituindo mão de obra operacional e capital
intelectual, como poderemos usufruir da nossa cidade com tempo mais livre?
Inovação além do Plano Diretor
As inovações urbanas de hoje nasceram da imaginação
fértil de sonhadores de ontem. Para viver melhor, temos que ter cidades que
acolham nossos sonhos e os traduzam em realidades urbanas inteligentes.
Para a criação ser farta, planejadores e técnicos
devem se integrar a cidadãos imaginativos. Além de planos diretores,
essencialmente operacionais, os gestores públicos uma vez rompidos com o
passado, estarão diante de futuros surpreendentes que os farão se encantar com
imagens gravadas na memória popular. Imagens tão fortes a ponto de influenciar
politicas públicas.
As cidades de Albany, Chicago e Austin (EUA),
Totnes (Inglaterra), Manoa (Honolulu, Havaí), Auckland (Nova Zelândia), são
alguns pontos desse planeta com planejamentos inspirados por sonhos coletivos.
A Índia já promoveu em quase todas as cidades do país sonhos que geram ideias
(Programa Dream:In), modelo de desenho urbano que eu pude conhecer de perto
numa viagem a Bangalore em 2012.
Os planos diretores são em sua maioria consistentes
em técnica e pobres em criatividade. Para inovar no planejamento urbano, é
preciso ir além da cartilha meramente técnica e ampliar a visão do que é o
viver urbano.
A futurista-urbanista Marilyn Hamilton traçou o modelo
das cidades integrais, com base na Teoria Integral do filósofo norte-americano
Ken Wilber. O modelo tem quatro dimensões para criarmos a cidade dos sonhos:
individual-psicológica, coletiva-cultural, comportamental e a dimensão de
sistemas (econômicos, tecnológicos, governamentais, sociais e ecológicos).
Dentro desse modelo, o planejamento urbano tem que começar por três princípios
diretores: cuide de si mesmo; cuidem-se uns aos outros; cuide(m) desse lugar.
As cidades e novo mundo
As cidades do futuro terão o potencial de mudar o
mundo. Mais de 80% das cidades que existirão nos próximos cinquenta anos ainda
não foram construídas. O que ainda está por vir pode compor uma revolução
urbana histórica em escala mundial.
Como sociedade em rede, fortalecidos pela
informação e tecnologias convergentes, temos disponíveis os instrumentos que
nenhuma outra civilização teve na história. O primeiro passo na direção desse
novo mundo é aprendermos a sonhar coletivamente. Lembro de ouvir o poeta
cantar: “sonho que se sonha sozinho é só um sonho, sonho que se sonha junto é
realidade”.
* Rosa Alegria, Master of Sciences, há 15
anos pioneira em Estudos do Futuro no Brasil, academicamente certificada pelo
mais reconhecido centro mundial nessa área: University of Houston, Clear Lake,
USA. Fundadora do NEF – Nucleo de Estudos do Futuro, na PUC/SP.
Fonte: Diário do Comércio
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