A
explosão da economia compartilhada.
A comunicação on-line transformou em negócios
promissores o velho hábito humano de dividir e trocar bens. Além de sistemas
gigantes como o Uber, um mundo de ofertas surgem, como o de aluguel de bolsas
de luxo de Isabel Teixeira (foto). Confira na entrevista de Ladislau Dowbor à
jornalista Rita Lisauskas.
Por Rita Lisauskas*
De São Paulo — Compartilhar, segundo o dicionário
Houaiss, é “partilhar, compartir, arcar conjuntamente”. E desde que o mundo é
mundo fazemos isso: nada mais comum do que deixar que sua irmã passe um tempo
com seu casaco novo, pedir o carro do sogro emprestado por uns dias enquanto o
seu está na oficina ou uma xícara de açúcar para o vizinho quando o da despensa
de casa acabou.
Mas com a chegada da internet e a criação de sites
e aplicativos, essas pequenas camaradagens do dia a dia ganharam força:
vizinhos que até então não sabiam que tinham interesses e necessidades em comum
passaram a se ajudar e até pessoas que vivem a continentes de distância
começaram a compartilhar conhecimento, interesses e até mesmo bens.
Hoje você negocia com um completo desconhecido para
passar uma parte das suas férias na casa dele numa cidade distante em qualquer
parte do mundo, encontra quem vai viajar para o mesmo destino que você e topa
dividir o carro e as despesas, descobre que existe uma criança procurando por
aquele carrinho que seu filho já deixou de lado – e oferece, em troca,
justamente aquele boneco de super-herói que ele tanto quer.
E, quando achou que as possibilidades de conexão,
compartilhamento e negócios estavam esgotadas, se vê alugando por uma pechincha
uma bolsa de grife que até então estava parada no guarda-roupa de uma executiva
– bolsa, aliás, que combina perfeitamente com aquele vestido que você vai usar
no casamento da sua prima semana que vem.
Giardelli, da ESPM: tecnologia da internet mobiliza
negócios entre as pessoas. Foto: divugação ESPM
“Quanto a tecnologia, os aplicativos, a matemática
e os algoritmos se encontram, dá-se o salto para algo que chamamos de economia
do compartilhamento”, afirma Gil Giardelli, professor de MBA da ESPM, a Escola
Superior de Propaganda e Marketing, estudioso da Cultura Digital e autor do
livro “Você é o que que você compartilha”. “A era digital foi o gatilho para
voltarmos a fazer comércio como nas praças do Iluminismo de Veneza em seu
esplendor”, completa.
Brinquedos
Em vez de ir ao shopping às vésperas do dia das
crianças, como a maioria dos pais com filhos que conhecia, a empreendedora Ana
Carolina Guedes, 33 anos, decidiu levar a filha, Maria, então com 2 anos, a um
lugar diferente: uma feira de troca de brinquedos. “Peguei um brinquedo que ela
não gostava mais e fui. Encontrei mais de cem crianças brincando, negociando,
trocando, se divertindo.
Pensei, ‘olha, existem outras formas de consumir !’ Eu
queria que minha filha tivesse uma nova experiência, com um novo brinquedo, mas
ele não precisaria necessariamente vir na caixa, ser comprado com dinheiro”,
conta.
Encantada com o que viu, Carolina decidiu criar o
Quintal de Trocas, um site gratuito que promove a troca de brinquedos, jogos,
livros e fantasias entre crianças. Assim que a plataforma começou a operar, em
2014, Carolina encontrou uma dificuldade ‘adulta’ pela frente: os pais, ao
contrário das crianças, sabem quanto cada brinquedo custou na loja e não conseguiam
fazer a troca apenas por critérios emocionais, como os pequenos.
Foi então que ela decidiu estabelecer que, no site,
todos os brinquedos têm o mesmo valor. “Cada um deles vale um ponto. Não
importa se na loja custou 10 ou 500 reais”, explica. “Hoje a criança está
brincando com a pipa, amanhã com a casinha, depois de amanhã com a bicicleta ou
com o melhor vídeo-game da última geração, que pode ser trocado pela peteca. A
ideia é que todos brinquem com tudo e que tudo seja de todo mundo”.
No ‘Quintal’, os usuários podem encontrar quais os
brinquedos estão mais perto de sua casa, para que essa troca seja facilitada.
“A gente espera que as crianças ajudem os adultos a mudar a forma como se
relacionam com as coisas”, diz Ana Carolina.
“Quanto mais você compartilha, menos você fica
sem”, afirma Gil Giardelli. “Estamos em uma transição de eras. Sai a ‘era do
ter’, em que você é respeitado pelo que tem, e entramos na ‘era do ser’, onde
você faz parte de uma sociedade em rede e o que conta é a sua contribuição”,
ensina.
Bolsas
E esse conceito estava muito claro desde sempre na
mente da empresária Isabel Braga Teixeira. “Eu imaginava um mundo onde as
mulheres compartilhariam seus guarda-roupas”, conta. “Eu viajava muito,
frequentava brechós, comprava coisas usadas, sabia que esse era um caminho para
o qual o Brasil uma hora ia se abrir”, conta.
Isabel criou um blog onde postava fotos das suas
bolsas de grife e as alugava para aquelas mulheres que, assim como ela, achavam
que existem coisas que podem ser compartilhadas, em vez de compradas. O mercado
de compartilhamento ainda não era uma realidade no Brasil, mas já existia nos
Estados Unidos e foi para lá que Isabel embarcou – mais especificamente para o
Vale do Silício, onde o Airbnb e o Uber estavam sediados e agitavam a economia
americana.
Um ano e meio depois e já de volta ao Brasil,
Isabel transformou o blog em uma plataforma profissional, a ‘BoBags’, na qual é
possível alugar bolsas de grife por preços baixíssimos em relação ao valor da
peça à venda na loja. Uma bolsa de mão da Louis Vuitton, por exemplo, pode ser
sua durante quatro dias por 88 reais. Já uma bolsa de festa Marc Jacobs sai por
irrisórios 24 reais pelo mesmo período, que pode ser estendido pelo tempo que a
cliente quiser, mediante pagamento.
“A gente está começando a promover uma mudança de
pensamento bem forte. Será que as mulheres precisam mesmo ter 12 bolsas no
armário? Será que não faz mais sentido você ter apenas duas bolsas e, quando
precisar de algo novo, alugar, em vez de comprar? ”.
Professor Ladislau Dowbor, da PUC: uma nova forma
de organização econômica. Foto: álbum pessoal
Atualmente a BoBags tem 80 peças em seu acervo e os
negócios no site cresceram, de janeiro a novembro, 206%. Em agosto a plataforma
recebeu aporte de três pequenos investidores e espera triplicar, nos próximos
seis meses, o número de bolsas disponíveis para compartilhamento. O momento
econômico ruim tem ajudado os negócios, afirma Isabel. “As mulheres olham para
seus armários e veem quantos mil reais estão ali, parados. Elas podem
transformar isso em dinheiro”, aconselha.
O economista da PUC-SP, Ladislau Dowbor, afirma que
a tecnologia está mudando o mundo dos negócios. “Estamos assistindo a uma nova
forma de organização econômica, baseada em uma mudança do paradigma
tecnológico”, garante. “Antes, a economia dependia do produtor, do
intermediário e do consumidor. Esse paradigma agora se descola completamente. A
conectividade possibilita a intersecção dos vários agentes econômicos”,
completa.
Veículos
Essa nova dinâmica ajuda a explicar o sucesso do
Uber. No Brasil, a plataforma encontrou uma demanda reprimida por transporte
mais confortável e mais barato que o serviço de táxi tradicional.
Por outro
lado, a recessão econômica disponibilizou uma oferta formidável de mão de obra.
Quem já puxou assunto com alguns dos 50 mil motoristas da Uber que circulam
pelo país, já percebeu: muitos deles estavam desempregados e viram no carro
parado na garagem a oportunidade de ganhar dinheiro, sem muita burocracia e sem
depender de um empregador.
Mas se você avançou na conversa e perguntou a eles
se a experiência tem valido a pena, as opiniões se dividem. Muitos reclamam da
baixa remuneração, já que o aplicativo cobra 25% de cada corrida feita pelos
motoristas. Outros respiram aliviados, porque o carro rodando permitiu que se
ganhasse o suficiente para pagar as contas do mês. “Eu acho que hoje em dia o
retorno para quem está compartilhando seu automóvel está baixo demais”, avalia
o professor do curso de mestrado em Administração Pública da FGV, Ciro
Biderman. “Acredito que, com o tempo, muita gente vai fazer as contas e
perceber que o valor ganho não compensa e a única maneira de manter a oferta
será aumentando o preço do serviço”, diz.
Carona
Já o aplicativo de caronas BlaBla Car, presente em
22 países, inclusive no Brasil, não cobra nada (ainda) de quem usa a plataforma
no país. O objetivo é bem diferente do Uber: o BlaBla Car conecta motoristas
que vão viajar para determinado destino e querem encontrar passageiros que, ao
pagarem uma tarifa calculada pelo aplicativo, ajudarão a baratear os custos da
jornada.
Victor de Almeida, que utiliza o BlaBla: serviço de
carona compartilhada que reduz custos da viagem entre Campinas e São Paulo.
Foto: arquivo pessoal
O administrador de empresas Victor Ribeiro de
Almeida, 31 anos, faz todos os dias o trajeto entre Campinas, onde mora, e São
Paulo, onde trabalha. O carro ia e voltava sempre vazio e os custos desse
deslocamento diário eram altos: cerca de 100 reais. Quando soube da existência
do BlaBla Car, não pensou duas vezes. Fez seu perfil no aplicativo e começou a
dar caronas para quem mora na cidade e também trabalha na capital. O resultado?
Carro sempre cheio e custos com gasolina e pedágio reduzidos ao máximo –
despesas que só não foram zeradas porque o automóvel, vez ou outra, vai para a
manutenção.
E se engana quem pensa que o bolso foi o principal
motivo para Victor compartilhar sua viagem diária entre as duas cidades. “Eu
sempre achei legal dar carona, porque assim ajudo a reduzir o trânsito e a
poluição. Também gosto muito de conhecer pessoas novas”, conta o administrador,
que afirma ter feito todo um novo círculo de amizades com as viagens diárias
compartilhadas.
O diretor do BlaBla car no Brasil, Ricardo Leite,
comemora os mais de um milhão de assentos oferecidos pela plataforma em seu
primeiro ano de atividade – a cada minuto, dois assentos de um carro que iria
pegar a estrada apenas com o motorista foram preenchidos com a ajuda do
aplicativo.
Segundo ele, a melhora nos algoritmos vai deixar essa conexão entre
condutores e passageiros ainda mais eficiente. “Esperamos quadruplicar o número
de caronas em 2017”, aposta. Sobre uma futura cobrança pelo serviço, Leite
desconversa. O BlaBla Car já cobra, em alguns dos países onde opera, cerca de
20% do valor que o passageiro paga ao motorista.
Mas esses aplicativos não seriam apenas novos
“intermediários” da velha economia? “Sem dúvida”, afirma o professor Ladislau
Dowbor, da PUC-SP. “E como toda a nossa legislação está baseada no sistema antigo
de bens físicos, vira e mexe vêm à tona a discussão sobre regular ou não essas
plataformas”, completa. O assunto é polêmico e cada país se confronta com esse
desafio, mas, segundo Dowbor, a economia do compartilhamento é um caminho sem
volta.
Para ilustrar seu pensamento, ele dá como exemplo
os livros de sua própria autoria, que decidiu disponibilizar gratuitamente pela
internet, para desespero das editoras, que decidiram não publicar mais sua
obra*. “Os departamentos jurídicos estão na era analógica, no século passado e
não entenderam que estamos em outra fase, outro tipo de economia”, afirma.
Mas como um estudioso paga suas contas ao
disponibilizar sua produção intelectual de graça?, pergunto. “A lógica da
remuneração do trabalho muda. No meu caso, além da satisfação de poder ver meu
trabalho ser lido lá no Timor Leste, onde também se fala português, quando
coloco minhas publicações disponíveis na internet fico mais conhecido, sou
chamado para dar mais palestras e assim, ganho mais do que ganharia se vendesse
livros”, explica. Bem-vindo à nova era.
Fonte: Dowbor.org
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