Destruição
do Rio Xingu avança.
Empresa anunciou licença ambiental da maior mina de
ouro do Brasil antes de o governo do Pará formalizar medida. Projeto é uma
bomba-relógio ambiental, ao lado de Belo Monte.
Oswaldo Braga de Souza e Isabel Harari, do ISA
–
A empresa canadense Belo Sun anunciou, no último
dia 2, a concessão da licença de instalação do projeto Volta Grande de
Mineração, vizinho à hidrelétrica de Belo Monte, em Senador José Porfírio (PA),
antes do governo paraense formalizar a medida. A mineradora publicou um release em inglês com a
notícia antes do fim da reunião da equipe da Secretaria de Meio Ambiente
estadual (Semas) que discutiria a autorização. O governo do Pará é chefiado por
Simão Jatene (PSDB).
Conaada Bye Bye Xingu promovida pelo ISA percorreu
Volta Grande do Xingu em 2016. Foto: Lilo Clareto
A reportagem do ISA teve acesso ao release da
empresa. Pouco depois, a assessoria de imprensa da Semas negou a informação. A
licença só foi confirmada no site da secretaria à noite,
horas mais tarde.
“O fato da empresa ter anunciado que tinha
conquistado a licença antes mesmo de sua formalização e publicação pelo órgão
ambiental responsável demonstra como foi tratado o licenciamento do
empreendimento, com total desrespeito pelos procedimentos, sem transparência, e
com displicência e descaso com a vida das pessoas que vivem na Volta Grande do
Xingu”, critica Adriana Ramos, coordenadora da Política e Direito do ISA.
Previsto como a maior mina de ouro a céu aberto do
Brasil, o empreendimento é uma bomba-relógio ambiental, com potencial de causar
uma tragédia das dimensões do rompimento da barragem em Mariana (MG), no final
de 2015. A área prevista para a mina já é seriamente impactada pela
hidrelétrica: a redução de mais de 80% da vazão da água em 100 quilômetros do
Rio Xingu causou mortandade de peixes, piora da qualidade da água e alterações
drásticas no modo de vida de populações indígenas e ribeirinhas.
Conforme o estudo de impacto ambiental entregue à
Semas, o projeto minerário prevê deixar montanhas gigantes de rejeito com
aproximadamente duas vezes o volume do Pão de Açúcar e a construção de um
reservatório também de rejeitos, ainda mais tóxicos do que os liberados no
desastre de Minas Gerais. A mina tem o estudo de viabilidade ambiental assinado
pelo mesmo engenheiro indiciado por homicídio pelo rompimento da barragem de
Mariana.
A licença atropela parecer da Fundação Nacional do
Índio (Funai) que exige a revisão dos estudos sobre o componente indígena, pois
entende que a versão apresentada pela Belo Sun é insuficiente para avaliar os
impactos do empreendimento sobre os povos que ali vivem.
“Contrariando a manifestação das instituições
públicas responsáveis pelas populações indígenas, novamente esses povos que são
vulneráveis são deixados em uma situação de fragilidade sobre os impactos de
uma obra como essa, a exemplo do que aconteceu com Belo Monte”, aponta André
Villas-Bôas, secretário executivo do ISA.
A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria
Pública do Pará ingressaram com duas ações para impedir a licença. O Ministério
Público Federal (MPF) enviou à Secretaria de Meio Ambiente do Pará uma
recomendação contra a medida. Já havia duas outras ações anteriores movidas
pelo MPF contra o empreendimento.
Consulta aos povos indígenas
Ben Hur Daniel da Cunha, defensor público federal,
explica que a licença pode ser suspensa até que sejam feitos os estudos do
componente indígena. “Não foi obedecido o procedimento que exige que sejam
feitos os estudos prévios de impacto ambiental, no caso o impacto sobre a
população indígena. Essa decisão impede que essas comunidades exerçam um
direito básico, que é participar das decisões sobre suas vidas”, alerta. O
pedido da DPU deve ser analisado até a próxima quarta (8/2) e requer a
manifestação do governo paraense e da Belo Sun.
As comunidades indígenas diretamente afetadas não
foram consultadas sobre o projeto, como determina a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. Apesar disso,
o comunicado da empresa publicado nesta quinta diz expressar “gratidão aos
governos estadual e municipal, bem como às comunidades locais pelo seu apoio a
esse projeto”.
Em abril de 2016, a Semas chegou a marcar uma
cerimônia para anunciar a licença, mas voltou atrás depois da repercussão
negativa. Alguns meses depois, um relatório da ONU sobre Povos Indígenas no
Brasil denunciou a situação. “Uma licença foi emitida pelo governo do Pará para
o projeto de mineração Belo Sun, que está bem próximo da hidrelétrica de Belo
Monte e que afeta diretamente a comunidade dos Juruna. Isso aconteceu na
ausência de consulta para obter o consentimento livre, prévio e informado dos
povos indígenas envolvidos e sem a condução do necessário e urgente estudo dos
impactos ambientais, sociais e de direitos humanos acumulados. Os potenciais
são assim um assunto de grave preocupação”, escreveu a relatora Victoria
Tauli-Corpuz.
Uma das condições para a concessão da licença
ambiental de Belo Monte foi o monitoramento do trecho de vazão reduzida do Rio
Xingu por seis anos, já que os estudos indicaram que não havia certeza sobre os
impactos socioambientais da obra na área. Um novo megaempreendimento não
poderia, portanto, ser implantado na região antes desse período.
Em maio do ano passado, o secretário de Meio
Ambiente do Pará, Luís Fernandes Rocha, prometeu realizar os estudos sobre os
impactos socioambientais acumulados e sinérgicos dos dois megaempreendimentos
antes de tomar qualquer decisão quanto à licença. Procuradores, defensores
públicos, ambientalistas e organizações indígenas e de ribeirinhos exigem que,
além da avaliação desses impactos, um plano socioambiental que garanta as
condições de vida das populações locais seja apresentado pela administração
estadual.
O projeto “Volta Grande”
A mineradora tem a pretensão de se instalar a 9,5
km de distância da Terra Indígena (TI) Paquiçamba, a 13,7 km da TI Arara da
Volta Grande do Xingu e também próxima à TI Ituna/Itatá, habitada por indígenas
isolados.
A mina encontra-se próxima da Vila da Ressaca,
comunidade de 300 famílias que depende da roça, pesca e do garimpo artesanal
para sobreviver. Se o projeto “Volta Grande” sair do papel, elas terão que ser
reassentadas.
Em 12 anos, a estimativa é que serão extraídas 600
toneladas de ouro. Ao final da exploração, as duas pilhas gigantes de rejeito
de material estéril quimicamente ativo terão, somadas, área de 346 hectares e
504 milhões de toneladas de rochas, sem previsão para sua remoção.
Fonte: ISA
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