Tesouro
desconhecido.
Por Sérgio Adeodato, da Página 22 –
Sob pressão do agronegócio, a Serra da
Bodoquena, no Mato Grosso do Sul, prepara-se para receber visitantes como
estratégia de conservação e desenvolvimento.
Rio Perdido. O nome por si só excita a imaginação
de quem se aventura na beleza selvagem e desconhecida da Serra da Bodoquena, em
Mato Grosso do Sul. O manancial banha os vales situados no ponto mais oeste da
Mata Atlântica, bordejada pelo Cerrado e pelo Pantanal. Marcado pelo
isolamento, com montanhas de difícil acesso, o lugar recebeu recente expedição
integrada por ONGs ambientalistas, pesquisadores e lideranças empresariais, com
o objetivo de desbravar atrativos naturais úteis ao desenvolvimento local. Após
quase quatro horas de trilha por entre capinzal e floresta e nove quilômetros
de canoagem em percurso paradisíaco de corredeiras e cachoeiras, uma pergunta:
o que fazer para aquele patrimônio ser visitado, gerar renda e assim se tornar
mais valorizado e protegido contra o desmatamento e demais ameaças do entorno?
A urgência faz sentido: em cinco anos, a área
ocupada pela soja triplicou de 10 mil para 30 mil hectares, em lugar da
pecuária, ao pé do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. O impacto começa a
ser percebido nos rios que sustentam as atividades de ecoturismo de Bonito
(MS), próximo à área protegida. A qualidade dos ativos está em risco. Além dos
efeitos dos agrotóxicos, as águas, antes cristalinas, ficam turvas, pois
fazendeiros fazem drenagem para secar banhados e expandir a agricultura.
“Cresce a pressão sobre a unidade de conservação,
que precisa demostrar não ser empecilho, mas fonte de emprego e oportunidades”,
ressalta Felipe Dias, diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, integrante
da expedição. Para o empresário Roberto Klabin, presidente da ONG, o escudo
contra as ameaças é “fortalecer a gestão do parque e torná-lo conhecido”.
Entre as remadas no Rio Perdido, o grupo viu de
perto a maior barreira: o conflito fundiário. Apenas 18,3% das terras privadas
lá existentes foram desapropriadas e transferidas para a União. O ordenamento
turístico fica prejudicado porque a maioria dos atrativos está em áreas
particulares. Mas uma nova perspectiva surgiu depois que a Justiça extinguiu,
em julho, uma ação movida desde 2006 pela Federação da Agricultura e Pecuária
de Mato Grosso do Sul, que dificultava o parque nacional de funcionar com as
atividades previstas no plano de manejo.
“O objetivo é atrair investimentos para receber o
público”, conta Sandro Pereira, chefe do parque, criado em 2000 com 77 mil
hectares, morada de espécies raras, como a harpia (ou gavião-real).
Marcia
Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, realça: “Trata-se de
uma das regiões mais selvagens e desconhecidas do bioma”. Diante do cenário, a
Bodoquena será beneficiada pelo fundo financeiro mantido pela ONG com a
estratégia de repassar recursos para despesas básicas das unidades de
conservação e, ao mesmo tempo, concentrar esforços para captação de
investimentos de longo prazo. O Rio Perdido, percorrido pela diretora na
aventura da canoagem, precisa de pelo menos R$ 1 milhão para receber visitantes
interessados em conhecer o fenômeno do “sumidouro” e da “ressurgência”, em que
a água “desaparece” nas rochas e ressurge na superfície, quilômetros à frente.
Os desafios da Bodoquena para ser conhecida e
valorizada como ativo ambiental refletem a realidade de muitos parques
nacionais. Dos 72 existentes no País, somente 9 têm maior infraestrutura, com
centro de visitantes e serviços de alimentação ou hospedagem. Outros 13 possuem
trilhas e instalações simples, conforme dados do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio).
Apesar das limitações, a visitação aumentou 45%
entre 2010 e 2015, somando 7,1 milhões de pessoas, dos quais 3 milhões foram
recebidos pelo Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mas os números
estão longe do potencial. Nos Estados Unidos, 305 milhões de pessoas visitaram
os parques nacionais em 2015, com injeção de US$ 16,9 bilhões nas economias
locais. Enquanto o investimento brasileiro nas unidades de conservação é de R$
4,4 por hectare, o americano chega a R$ 156, conforme dados de 2010 levantados
por Carlos Eduardo Young, professor associado do Instituto de Economia da UFRJ.
A recente visita do presidente americano Barack Obama ao parque nacional de
Yosemite, na Califórnia, para falar de mudança climática, simboliza o valor
dado às áreas protegidas por lá. No Brasil, iniciativas do gênero limitam-se ao
terceiro escalão. Mas há soluções em vista. A começar pelo Rio Perdido e seu
potencial de ser um grande “achado”.
Fonte: Página 22
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