Lei de
licenciamento reduz consulta a público.
Manifestação em Altamira (PA) pede cumprimento de
condicionantes ambientais da usina de Belo Monte. Foto: Letícia Leite/ISA.
Por Claudio Angelo, do OC –
Projeto do governo extingue obrigatoriedade de
participação pela internet e acena a ruralistas com licença para plantio, mas
mantém geografia como critério de rigor na análise de empreendimento.
Está pronto o rascunho do texto da Lei Geral de
Licenciamento Ambiental, que o governo Temer pretende enviar ao Congresso no
final de setembro. O projeto, costurado entre Presidência, Casa Civil e
Ministério do Meio do Meio Ambiente, mantém os pontos essenciais da proposta
defendida pela área ambiental – entre eles, considerar a localização do
empreendimento como principal critério para avaliar o rigor do licenciamento.
Mas reduz prazos para os órgãos ambientais se manifestarem sobre a licença e
elimina a obrigatoriedade de consultas públicas pela internet.
A proposta da nova lei vem sendo objeto de debates
no governo desde maio, quando Sarney Filho (PV-MA) assumiu interinamente o
Ministério do Meio Ambiente. Uma primeira versão, produzida pelo ministério,
vazou para a imprensa em junho – e tem enfrentado resistências de ruralistas
e da indústria. O novo texto, ao qual o OC teve acesso, saiu do
Palácio do Planalto no dia 28 de agosto e tem circulado pela Esplanada. É a
primeira proposta oficial.
Ela faz alguns acenos aos setores resistentes. Por
exemplo, considera como um único empreendimento atividades realizadas
periodicamente numa mesma área de influência direta, o que dispensa fazendeiros
de ter de tirar uma licença por ano para produzir. Também reduz de quatro para
duas as exigências adicionais que os órgãos ambientais podem fazer aos
empreendedores para gerenciar efeitos de um empreendimento.
Outro ponto que atende aos setores produtivos é a
redução do prazo que os órgãos ambientais têm para emitir ou negar uma licença:
eles caíram de 15 meses para 12 meses no caso da licença prévia de obras que
exijam EIA (estudo de impacto ambiental) e de oito para seis meses no caso da
licença de instalação.
Essas mudanças, porém, não devem acalmar a oposição
ao projeto. Isso porque a proposta do governo não cria de antemão isenções de
licenciamento para ninguém, como desejam a CNA (Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Também foram
mantidos os critérios para definir o grau de impacto de um empreendimento, que
consideram porte, localização e potencial de causar dano ambiental. A CNA acha
que tais critérios são abrangentes demais, e a CNI teme que um número muito grande
de empreendimentos acabe sendo classificado como sujeito a licenciamento mais
rigoroso, em três fases – licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e
licença de operação (LO).
O tom das críticas foi dado no fim de agosto, em um
ofício do secretário de Meio Ambiente da Bahia e presidente da Abema
(Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), Eugênio
Spengler, ao ministro Sarney Filho. A Abema é vista pela CNA como uma aliada na
discussão do licenciamento.
Na comunicação a Sarney, Spengler diz que a
proposta “não atende às preocupações e anseios dos Estados”. Os pontos são
basicamente os mesmos de críticas anteriores expressas publicamente pela CNA e,
reservadamente, pela CNI: o grau de relevância ambiental da área como critério
para determinar o rito de licenciamento – que “leva a um grau de subjetividade
(…) que inviabilizará a concessão de qualquer licença ambiental”, segundo o
secretário – e a matriz de classificação dos empreendimentos baseada no porte e
no potencial de degradação. Segundo Spengler, isso levaria à necessidade de
estudos complexos “para quase 100% das atividades e empreendimentos”.
Dá uma passadinha lá
Do outro lado, a proposta tem pontos espinhosos
também para a sociedade civil. Um dos principais é desobrigar os órgãos
licenciadores de fazerem consultas públicas pela internet. Na prática, isso
limita os debates sobre uma obra a audiências públicas presenciais (a lei só
obriga a fazer uma), que têm limites práticos de representatividade a depender
da localização e do porte do empreendimento.
É o caso, por exemplo, de usinas hidrelétricas na
Amazônia: as audiências feitas nas cidades da região são frequentemente remotas
demais para índios, ribeirinhos e outras populações afetadas; ao mesmo tempo,
também são inacessíveis a habitantes de outras regiões do país que tenham algo
a dizer sobre aquela obra.
Em pelo menos um ponto o projeto também compra
briga com o Ministério Público: na questão da participação dos chamados “órgãos
envolvidos”, como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A proposta do governo amplia para
90 dias o tempo que esses órgãos têm para se manifestar sobre um licenciamento
– a versão anterior do projeto falava em 60 dias. Mas diz que a ausência da
manifestação desses órgãos não obsta a licença.
Em termos práticos, isso poderia significar, por
exemplo, que se a Funai por algum motivo deixasse de se manifestar no prazo
sobre um projeto que afete povos indígenas, como a megausina de São Luiz do
Tapajós (arquivada pelo Ibama por problemas no estudo de impacto ambiental), o
licenciamento seguiria adiante mesmo assim. Esse entendimento deriva de uma
portaria de 2015 do Ibama que já teve parecer contrário do
Ministério Público Federal. Entidades de defesa dos povos indígenas também se
opõem.
“Na nossa visão, o único regime aceito pela
Constituição Federal seria vincular a decisão final do Ibama à manifestação da
Funai, do Iphan e da Fundação Palmares”, disse Maurício Guetta, advogado do
Instituto Socioambiental. “O Ibama não pode simplesmente dizer que não vai ter
impacto numa terra indígena se isso é competência da Funai.” Segundo Guetta, o
que é preciso fazer é fortalecer esses órgãos, que vêm sendo desidratados nos
últimos anos ao mesmo tempo em que o número de processos para eles analisarem
aumentou. “A Funai tem 15 funcionários para 564 processos. A Fundação Palmares
tem três funcionários para 273 processos”, afirmou Guetta.
Outro advogado, o ex-secretário do Meio Ambiente de
São Paulo Fabio Feldmann, diz que é preciso enfrentar outro tipo de
desidratação: a dos órgãos ambientais dos Estados, que dão a maior parte das
licenças no país. “Precisamos enfrentar essa questão, porque você aprova uma
lei dessas e cria uma expectativa enorme sobre os órgãos estaduais”, afirmou
Feldmann ao OC. “Me preocupa achar que tudo se resolve com prazos.”
O ex-secretário elogia um dos pontos centrais do
texto, a instituição da chamada avaliação ambiental estratégica (AAE), que
ganha muito mais peso na proposta oficial do que no rascunho tornado público em
junho. Ela consiste em inverter a lógica do licenciamento como ele é feito no
país: hoje toma-se a decisão de construir o empreendimento e o licenciamento
vira uma etapa burocrática do processo. É algo “a vencer”, não uma parte do
planejamento. A AAE, se for implementada, permitirá planejar políticas públicas
primeiro com base em potencialidades ou fragilidades ambientais antes de chegar
ao desenho do empreendimento – por exemplo, vale mais a pena construir uma
grande hidrelétrica em terra indígena ou gerar a mesma energia com renováveis?
“Acho que deveria haver AAE para o setor
empresarial também, não só para políticas públicas”, disse Feldmann.
Projeto
anterior (junho)
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Novo
texto
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57
artigos
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70
artigos
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Ementa:
Dispõe sobre o licenciamento
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Ementa:
Dispõe sobre Avaliação Ambiental Estratégica
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Critérios
de relevância ambiental de uma área: sete categorias, inclui indígenas e
populações tradicionais e áreas críticas de poluição
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Relevância
ambiental: mantém indígenas, mas exclui menção a populações tradicionais e
áreas críticas de poluição: seis categorias apenas
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Exigências
ao empreendedor no gerenciamento dos efeitos do empreendimento: 4
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Exigências
ao empreendedor no gerenciamento dos efeitos do empreendimento: 2
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Licenciamento
trifásico: menos detalhe
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Licenciamento
trifásico: detalhado (menos espaço para remissão a regulamento)
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Considera
um único empreendimento atividades realizadas periodicamente na mesma ADA (plantio
não precisa de licença todo ano)
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Dispensa
de licenciamento: a ser definida por órgão do Sisnama (Federal) ou pelos
Consemas (estadual ou municipal)
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Dispensa
de licenciamento: tipologias a serem definidas pelo Conama e, de forma
suplementar, pelos Consemas
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Consulta
pública: deverá ser feita antes pela internet
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Consulta
pública: poderá ser feita antes pela internet
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Órgãos
envolvidos (Funai, Iphan): 60 dias para se manifestar sobre EIA na LP, 30
para LI e LO – não-manifestação não obsta licença
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Órgãos
envolvidos: 90 dias para se manifestar sobre EIA na LP, 60 para LI e LO –
não-manifestação não obsta licença
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Prazos:
- LP com EIA: 10 meses + 5 - LP: 8 meses - LI: 8 meses - LO: 6 meses |
Prazos:
- LP com EIA: 12 meses - LP: 6 meses - LI, LO e outras categorias: 6 meses |
Fonte: Observatório do Clima
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