Estudo
prevê 9 °C de aquecimento.
Foto: Shutterstock
Pesquisadora diz que temperatura terrestre nos
próximos milênios subiria cerca de 5 graus mesmo se emissões de carbono
parassem hoje; outros cientistas contestam dado.
Por Redação do OC –
Uma afirmação extraordinária foi feita por uma
cientista americana nesta segunda-feira (26): mesmo se as emissões de carbono
parassem hoje, a Terra estaria comprometida, no longo prazo, com um aquecimento
global de 5 °C. Mantidas as emissões atuais, chegaríamos a 9oC. Os resultados
derivam de uma reconstrução inédita das temperaturas globais nos últimos 2
milhões de anos, publicada na edição on-line da revista Nature, um dos principais
periódicos científicos do mundo.
Afirmações extraordinárias, porém, requerem
evidências extraordinárias. E alguns cientistas dizem que estas faltaram ao
trabalho.
Mal foi colocado no ar, o artigo de Carolyn Snyder,
da Universidade Stanford, teve sua conclusão principal criticada pelo
climatologista Gavin Schmidt, diretor do Centro Goddard de Estudos Espaciais da
Nasa. Embora elogie a série de dados compilada pela pesquisadora, Shmidt diz
que a projeção de aquecimento futuro está “simplesmente errada”.
Outros especialistas vão na mesma linha.
“A dificuldade é que a autora usou uma abordagem
muito simplista para estimar o aquecimento pelo CO2”, disse ao OC o
climatologista Richard Alley, da Universidade da Pensilvânia, também nos EUA.
Alley é especialista em reconstruir o clima antigo da Terra com base em análise
do gelo da Groenlândia e da Antártida. Ele não diz que os números do novo
estudo estão errados, porém. “Ele dá um limite superior, não a melhor
estimativa”, afirmou.
No centro da controvérsia está um indicador
conhecido como “sensibilidade climática”. Grosso modo, ele é definido como
quanto o planeta aquece quando a concentração de gás carbônico na atmosfera
dobra. Esse parâmetro foi calculado pela primeira vez em 1896 pelo químico
sueco Svante Arrhenius (o mesmo da teoria de ácidos e bases que inferniza
estudantes do ensino médio) em cerca de 5oC. E não mudou tanto assim nos
últimos 120 anos: em 2013, o IPCC, o comitê de climatologistas da ONU, estimou
a sensibilidade climática em um mínimo de 1,5oC e um máximo de 4,5oC. Ou seja,
algo em torno de 3oC.
Os cientistas têm dificuldade em estimar com muita
precisão a sensibilidade climática porque a Terra tem várias maneiras
diferentes de responder ao CO2 adicional no longo prazo. Algumas causam ainda
mais aquecimento, outras atuam no sentido contrário. São os chamados mecanismos
de feedback climático. Entre eles está a reação de oceanos, florestas e mantos
de gelo.
No passado, durante as eras glaciais, esses
mecanismos agiram em ambos os sentidos, ajudando a tirar e pôr o mundo em eras
do gelo. Por exemplo, quando variações periódicas (naturais) na órbita
terrestre favoreceram o acúmulo de gelo nas regiões polares, há centenas de
milhares de anos, a luz solar refletida pelo gelo ajudou a esfriar ainda mais a
Terra – e a fazer mais gelo. Quando, milênios depois, essas mesmas variações
orbitais esquentaram um pouquinho a Terra, a enorme quantidade de CO2
dissolvida nos oceanos escapou para a atmosfera (pense numa garrafa de
refrigerante quente sendo aberta), produzindo períodos quentes, como o atual.
Em seu estudo, Snyder apresenta um parâmetro
chamado “sensibilidade do sistema terrestre”, ou seja, quanto a Terra
esquentaria no horizonte de milênios caso a quantidade de CO2 no ar dobrasse.
Para chegar a esse número, primeiro ela fez um
trabalho de presidiário: montou uma série contínua de temperatura da superfície
terrestre com base em 20 mil dados contidos em 59 amostras de subsolo oceânico
(a composição química dos microrganismos mortos e depositados no fundo do mar
permite inferir as temperaturas ao longo do tempo), de 2 milhões de anos atrás
até o presente. Depois, ela comparou as temperaturas de sua série com aquelas
obtidas no registro do gelo da Antártida, que são mais precisas do que as dos
sedimentos oceânicos, mas só recuam até 800 mil anos atrás.
De posse de uma correlação entre temperaturas
médias globais e temperaturas na Antártida, Snyder percebeu que aquelas
variavam também numa forte correlação com as flutuações na concentração de
gases de efeito estufa, que é medida com grande precisão no gelo polar. O passo
lógico seguinte foi estimar a variação de temperatura causada ao longo dos
milênios para cada mudança no equilíbrio de radiação da Terra causado pelos
gases de efeito estufa. Daí veio a medida de sensibilidade do sistema climático
de 7oC a 13oC causada pela duplicação do CO2 em relação à era pré-industrial –
o que, mantida a concentração atual (42% maior do que a pré-industrial), nos
daria 5oC de aquecimento no longo prazo mesmo se de hoje em diante ninguém
emitisse mais um grama de carbono.
“A autora pegou a história da temperatura e do CO2
(e outros gases-estufa) ao longo dos ciclos glaciais e estimou o efeito de
aquecimento do CO2 assumindo que toda a mudança de temperatura fosse causada
pelo CO2”, disse Alley. Segundo ele, isso superestima o papel do carbono.
“Um grande conjunto de evidências independentes
indica que o aquecimento que vamos sofrer pelo aumento do CO2 será grande e
importante para nós, mas não tão grande quanto o indicado pelo novo estudo”,
afirmou o americano.
Procurada pelo OC, Carolyn Snyder evitou polemizar
com Schmidt. Mas disse que seu estudo não traz “uma previsão ou predição do
aquecimento no futuro”. A pesquisa, segundo a autora, segue trabalhos
publicados anteriormente que definiram a sensibilidade do sistema climático
como a correlação entre temperaturas globais e gases de efeito estufa, como
maneira de resumir padrões climáticos da Terra no passado. “Mas isso é uma
correlação observada no passado, não um teste de causalidade”, explica.
Segundo ela, essa sensibilidade do sistema
terrestre contrasta com a sensibilidade climática por incluir respostas de
outras partes do planeta, como vegetação, poeira e mantos de gelo. Ela afirma
ter estimado também a sensibilidade climática nesses mesmos 800 mil anos, num
estudo ainda em revisão para publicação – e encontrado um número menor,
“consistente com os modelos climáticos do IPCC”.
Fonte: Observatório do Clima
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