Elas não
cabem na “democracia” brasileira.
Por Carmela Zigoni*
Levantamento inédito revela: mulheres negras
compõem cerca de 1/4 da população e têm influência crescente na sociedade
civil, mas são apenas 1,3 em cada mil candidatos a prefeito. Negros e índios
também estão extremamente sub-representados.
A análise do perfil das candidaturas para as
Eleições 2016 revela, mais uma vez, o sexismo e o racismo das estruturas de
poder no Brasil. Das 493.534 candidaturas em todo o Brasil, sendo 156.317
candidaturas do sexo feminino, apenas 14,2% (70.265) são mulheres negras
concorrendo ao cargo de vereadora e 0,13% (652) ao cargo de prefeita –
considerando-se “negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se
considerarmos somente as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é
ainda menor: 0,01% (60) para prefeitura, 0,03% vice prefeitura (135), 2,64%
(13.035) se candidataram ao cargo de vereadora.
Com relação aos homens negros (‘pretos’ +
‘pardos’), eles representam 28,8% das candidaturas para prefeitura, 30,1% para
vice prefeitura e 33,4% para vereador. Os partidos que mais têm candidaturas de
mulheres negras (pretas + pardas) são o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU): 23,6% e 20,4%
respectivamente. Entre os grandes partidos, a proporção de candidaturas de
mulheres negras (pretas + pardas) é a seguinte: 16,4% no PT, 13,8% no PSB, 13%
no PDT, 12,3% no PSDB e 12,1% no PMDB. Considerando apenas as candidatas que se
auto-declaram ‘pretas’, os números são ainda menores: 4,5% no PT, 2,4% no PSB,
2,3% no PDT, 2,2% no PSDB e 2% no PMDB.
O estado que tem mais candidatas negras (pretas +
pardas) é o Amapá (25,2%), seguido do Acre (25%) e Pará (24,9%).
De acordo com o IBGE, São Paulo, Bahia e Minas
Gerais são os estados que mais têm mulheres negras em sua população: nestes, a
proporção de mulheres negras candidatas, para todos os cargos em disputa nas
Eleições 2016, é de 7,8% em São Paulo (6.678), 24,0% na Bahia (8.759) e 15% em
Minas Gerais (11.724).
Os dados também demonstram a tendência à
sub-representação de mulheres em geral (brancas, pretas, pardas, amarelas e
indígenas): em todo o país, temos 12,6% para candidaturas ao cargo de
‘prefeita’, 17,4% para ‘vice-prefeita’ e 32,9% para ‘vereadora’ – ou seja,
87,4% das candidaturas a prefeituras de todo o país é composta por homens. É
importante ressaltar que as mulheres representam 51,04% da população brasileira
e que cota mínima obrigatória para os partidos para candidaturas femininas é de
30%. Quase todos os partidos cumpriram a cota legal – embora nenhum tenha
atingido 50% –, exceto pelo PCO, que possui 29,4% de suas candidatas mulheres.
Mas quando observada a distribuição entre os cargos, esse comportamento se
mantém somente para o cargo de vereador. Para prefeitura, somente os partidos
PMB, PSTU e NOVO têm 30% ou mais de candidatas mulheres, e para a
vice-prefeitura, apenas o PMB atingiu essa cota.
No que se refere aos indígenas, foram 1.702
candidatos em todo o Brasil (0,3% do total de candidatos), dos quais 29 para o
cargo de prefeito e 1.613 para os cargos de vereador. Candidatos que se
declararam indígenas às prefeituras estão no Acre, Amazonas, Bahia, Ceará,
Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul.
Contexto
As mulheres negras (pretas + pardas) experimentam
os piores indicadores sociais hoje no Brasil, apesar de grandes avanços
recentes como a diminuição da pobreza extrema por meio de políticas de
segurança alimentar e nutricional, de transferência de renda, de elevação real
do salário mínimo e de aumento da formalização da mão de obra, entre outras.
Neste grupo, as pretas ainda são as mais vulnerabilizadas pela desigualdade
social brasileira. O Mapa
da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil, produzido pela
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU
Mulheres, demonstrou que as negras também são as maiores vítimas da violência
doméstica e violência letal: o índice de homicídios cresceu 54,2% entre 2003 e
2013, ao passo que o das mulheres brancas caiu 9,2%. A população carcerária de
mulheres no Brasil também tem crescido aceleradamente (567% entre 2000 e 2014),
e as mulheres negras representam 68% das mulheres encarceradas hoje no Brasil
(Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2015). Outro dado dramático de contexto
das relações raciais no país é o fato de que convivemos com uma média de 25 mil
jovens negros homens mortos ao ano por arma de fogo (fonte:
Mapa da Violência, 2014) – a morte do jovem negro impacta diretamente a
vida de suas mães, filhas, esposas. A boa notícia neste cenário é que as jovens
negras também conquistaram espaços sociais positivos. A partir de políticas
públicas afirmativas e de inclusão social, a presença das jovens negras
aumentou nas universidades nos últimos anos.
O mundo do trabalho é uma das dimensões mais
importantes da vida social, especialmente do ponto de vista da autonomia
econômica e de realização individual. O racismo e o sexismo também operam nessa
dimensão da vida social: estudo recente do IPEA revela que as mulheres negras
ganham, em média, 40% da remuneração dos homens brancos.
Em 2015, as mulheres negras demonstraram para o
país que seguirão com suas demandas nas arenas de participação na vida
política: a Marcha de Mulheres Negras, que contou com mais de 30 mil
mulheres, trouxe a Brasília a agenda anti-racista, contra a violência e
pelo bem viver. Na ocasião, marcharam em direção a um Congresso Nacional que
tem apenas 56 mulheres, sendo 12 mulheres negras (11 eleitas para a Câmara e 1
para o Senado). Atualmente, convivemos com um Ministério sem nenhuma mulher, em
um governo que cortou o orçamento da Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR) e para direitos humanos, tornando o Ministério da
Justiça um órgão voltado somente para a ação policial. Os dados das
candidaturas às Eleições 2016 demonstram, mais uma vez, que os espaços de poder
institucionalizados continuam fechados para as mulheres negras no Brasil.
Das 16.354 candidaturas para o cargo de prefeito em
todo o Brasil, sendo 2.057 (12,6%) candidaturas do sexo feminino, apenas 4,0%
(652) são mulheres negras concorrendo ao cargo de prefeita, considerando-se
“negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se considerarmos somente
as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é ainda menor: 0,4%
(60). Com relação aos homens negros (‘pretos’ + ‘pardos’), eles representam
28,8% das candidaturas para prefeitura.
Para o cargo de vereador,
foram 460.651 candidaturas em todo o Brasil. Dessas, 151.390 (32,9%) são de
mulheres, mas somente 15,3% (70.265) de mulheres negras. Considerando somente
as mulheres que se auto-declararam 'pretas', essa proporção é de 2,8% do total
de candidatos a vereador em todo o Brasil. Entre os 67,1% dos candidatos homens
a esse cargo, 33,4% foram homens negros ('pretos' + 'pardos'), mas somente 6,2%
se auto-declararam 'pretos'.
ratamento da base de dados do TSE: Luciana
Guedes
* Carmela Zigoni
é assessora Política Inesc.
Fonte: Outras
Palavras
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