Por que
lutam os ribeirinhos atingidos por Belo Monte?
Por Isabel Harari, do ISA –
Moradores das Reservas Extrativistas da Terra do
Meio (PA) exigem ter voz nas tomadas de decisão sobre os investimentos dos
recursos de projetos de mitigação dos danos causados pela hidrelétrica na
pesca.
Após serem reconhecidas como populações impactadas
pelas obras de Belo Monte, as comunidades extrativistas da Terra do Meio, no
Pará, exigem participar da formulação dos projetos de mitigação dos efeitos da
obra e elaboraram uma proposta inicial. Nesta semana, representantes das
Reservas Extrativistas (Resex) Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu,
entregaram uma carta à Norte Energia, Ibama, ICMBio e Ministério Público
Federal, com uma proposta concreta para orientar a implementação dos recursos
que serão destinados para a recuperação da pesca, fortemente atingida pela
usina hidrelétrica.
Sr. Francisco Castro, o Chico Caroço, pesca no
Riozinho do Anfrísio
Ainda que não sejam totalmente mensuráveis, os
impactos na pesca já são sentidos pelas comunidades que utilizam o peixe como
uma das principais fontes de alimentação e de renda. O reconhecimento da
existência de impactos nas Resexs, que culminou com a inserção de uma
condicionante a Licença de Operação em novembro do ano passado, obrigando a
Norte Energia a compensar os danos que a instalação de Belo Monte provocou na
atividade pesqueira da região. Essa condicionante, motivada por denúncias
sistemáticas dos ribeirinhos e organizações parceiras, entra no bojo da
condicionante geral de assistência técnica de pesca, uma série de ações para
compensar os pescadores da região. A medida prevê, como forma de compensação
para os ribeirinhos, a execução de assistência técnica de pesca nas Resex da
Terra do Meio. “O peixe é considerado uma das maiores fontes de alimento, além
de ser uma fonte de renda. Estamos vendo que tá diminuindo, então precisamos
nos mobilizar”, alerta Edileno de Oliveira, presidente da Associação dos
Moradores do Riozinho do Anfrísio (Amora).
Ribeirinhos entregam a carta aos representantes da
Norte Energia
As comunidades, por meio das associações,
escreveram uma carta com propostas para a aplicação do recurso da
condicionante, e esperam iniciar um diálogo com a Norte Energia para que a
empresa leve em consideração as especificidades das comunidades da região e que
as ações definidas dialoguem de fato com o modo de vida dos beiradeiros. “Nós
nos antecipamos, antes que chegue a Norte Energia com um projeto pronto,
batendo na nossa porta, e apresentamos uma proposta. Somos nós que temos que
levar as nossas demandas pra eles, não eles pra nós”, aponta Herculano de
Oliveira, da Resex Riozinho do Anfrísio. “Os moradores se organizaram para
discutir as ações ligadas diretamente à atividade da pesca e que vão ajudar a
compensar os impactos que acontecem no território. Isso vai no sentido de
evitar que a empresa, unilateralmente, decida o que é ou não é assistência
técnica de pesca para os extrativistas e que as ações sejam efetivas para
mitigar o dano causado”, atenta Carolina Reis, advogada do ISA.
“Isso mostra o amadurecimento das instituições.
Queremos que a gestão seja cada vez mais comunitária e participativa”, analisa
Bruna De Vita, coordenadora geral de populações tradicionais do ICMBio. O órgão
se comprometeu a analisar o conteúdo da carta para que as propostas resultem no
cumprimento da condicionante prevista na Licença de Operação e para “trazer um
resultado prático e efetivo para aquelas áreas, para a manutenção da vida
dessas pessoas e para a conservação das unidades”, de acordo com Bruna.
As demandas, amplamente discutidas em espaços
participativos, têm como prerrogativa o respeito ao modo de vida dos
beiradeiros e o diálogo com iniciativas já em curso nas Resexs, como as
miniusinas e cantinas (saiba mais sobre essas iniciativas). “Tendo em
vista a nossa forma de organização, prioridades, infraestrutura e atividades
que vêm acontecendo na Terra do Meio, gostaríamos de solicitar que o processo
de definição sobre a implementação da condicionante seja feito de forma
totalmente participativa com as associações e nossas comunidades, desde o princípio,
que é a fase de definição das ações que deverão ser executadas”, diz um trecho
da carta. Leia a carta na íntegra.
Representantes das associações das Resex se reúnem
na casa de apoio para falar sobre a carta
A diminuição do pescado é uma preocupação das
comunidades da Terra do Meio. Os ribeirinhos têm denunciado sistematicamente a
entrada de pescadores de outras regiões em suas áreas tradicionais de pesca.
Com a construção da usina, a população da cidade de Altamira – e o consumo de
pescado – aumentou exponencialmente, fazendo com que um grande número de
pescadores busque áreas mais distantes, como as do Rio Iriri, para suprir essa
nova demanda.
Muitos desses pescadores utilizam técnicas de pesca
que impactam de forma violenta o pescado – descartam peixes menores ou que não
tem valor comercial expressivo, gerando poluição e desequilibrando o
ecossistema da região. Além disso, a escassez do peixe faz com que os
pescadores tenham que permanecer mais tempo por pescaria, reduzindo o tempo
empregado em outras atividades importantes para a subsistência, como a roça,
produção de farinha e a coleta de produtos da floresta – como a castanha, o
babaçu e a copaíba. Saiba mais sobre os impactos de Belo
Monte na pesca.
As medidas propostas na carta visam conservar o
pescado para melhorar a segurança alimentar e fortalecer a agregação de valor
da pesca e das demais cadeias produtivas dentro das Resexs, como o manejo da
castanha e do babaçu, para evitar a pesca excessiva.
Um ponto importante da proposta é a constituição de
um fundo para a manutenção da estrutura básica das associações e para o
monitoramento independente da pesca no território, somando esforços com os
órgãos governamentais em coibir crimes e melhorar o ordenamento da atividade
pesqueira na região.
A Norte Energia já sinalizou que vai analisar as
propostas e participará de uma reunião no próximo mês para discutir com mais
detalhes seu conteúdo e seguir com encaminhamentos para implantação da
condicionante. “Não sabemos o que vai acontecer, não temos nenhuma garantia,
mas pra comunidade já é uma resolução boa, porque a gente já viu que foi considerado.
Pra quem está há dez anos brigando por isso, saber que está sendo considerado,
mesmo sem saber de que forma vai ser, já é uma esperança”, diz Edileno.
O corredor de diversidade do Xingu
A Terra do Meio é um mosaico de áreas protegidas
localizada entre os rios Xingu e Iriri que abriga uma enorme diversidade
socioambiental. A região faz parte do Corredor de Diversidade Socioambiental do
Xingu, com 28 milhões de hectares de extensão, incluindo 21 Terras Indígenas e
dez Unidades de Conservação contíguas, ocupados por centenas de famílias
ribeirinhas e 26 povos indígenas.
Fonte: ISA.
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