Zika abre
oportunidade para saneamento.
Esgoto escorre por uma das ruas centrais de
Altamira, importante cidade da Amazônia brasileira, no norte do país. Os
problemas de saneamento são um paraíso para o mosquito Aedes aegypti, vetor dos
vírus da dengue, chicungunya e zika. Foto: Mario Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 26/2/2016 – Três décadas de
epidemias de dengue não serviram para despertar no Brasil a urgência em
melhorar e ampliar seu saneamento básico, ao contrário do que parece ocorrer
agora, com a proliferação do vírus zika e de recém-nascidos com microcefalia.O
vetor é o mesmo para os dois vírus, o mosquito Aedes ageypti, que já
havia assustado os brasileiros com a febre amarela, sendo considerado
erradicado no país nos anos 1950.
Porém, voltou duas décadas depois, trouxe a dengue,
e ultimamente o vírus da chicungunya e da zika, além da síndrome
Guilhain-Barré, que chega a paralisar a pessoa afetada.Os brasileiros
declararam guerra ao Aedes só quando ficou evidente que o zika pode
provocar microcefalia e outros danos neurológicos nos bebês de mulheres que
sofreram o contágio nos primeiros meses da gravidez.
“Há muitas outras enfermidades, com diarreias,
hepatite e leptospirose, típicas de países em desenvolvimento e associadas à
falta de saneamento, que caíram no esquecimento, com as quais se passou a
conviver sem reações”, lamentou Edison Carlos, presidente executivo do
Instituto Trata Brasil, criado por empresas interessadas no saneamento.
A dengue, que já teve epidemias terríveis,
alcançando 1,6 milhão de casos e 863 mortes notificadas no ano passado, não
comoveu o país como os bebês microcéfalos, que começaram a ser registrados em
outubro do ano passado, e tampouco a consciência de que na raiz de tudo está o
precário sistema de águas e saneamento do país.
Entre 22 de outubro de 2015 e 23 de fevereiro deste
ano, os casos suspeitos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso
central somaram 4.107, segundo o Ministério da Saúde. Desse total, 583 foram
confirmados e, destes, há, até agora, 67 casos associados oficialmente ao zika,
segundo exames clínicos específicos.
“Houve infecção pelo zika na maior parte das mães
que tiveram bebês com diagnóstico final de microcefalia”, afirma o Ministério,
para destacar que os casos associados devem superar em muito os já
comprovados.Enquanto o contágio pelo Aedes se limitava à dengue,
acreditava-se que somente água limpa parada servia de criadouro para o
mosquito, “inclusive especialistas não reconheciam essa função na água suja”,
recordou Carlos.
Agora sabe-se que o mosquito prolifera em todas as
águas, o que coloca em xeque todo o saneamento básico, incluindo o esgoto, o
lixo, todos os objetos que podem armazenar água de chuva, e escavações para
reduzir inundações urbanas.“É um problema da cidade e não do cidadão, porque
falta infraestrutura urbana. Este é o fato novo” que se destacou com a crise do
zika, destacou Carlos, químico industrial com especialização em comunicação
estratégica.
Abel Manto no terreno onde instalou cisternas
fechadas para recolher água da chuva e irrigar sua horta, no Estado brasileiro
da Bahia. O verde da propriedade deste camponês e inventor contrasta com a
aridez da região, enquanto o sistema de fechamento de suas cisternas impede a
entrada de mosquitos infecciosos. Foto: Mario Osava/IPS
“Existe um mundo de problemas” acumulados nessa
área no Brasil, desde a “insegurança no fornecimento de água potável que gerou
a cultura da caixa d’água, que não teria sentido em uma cidade que fornecesse
água encanada 24 horas por dia”, acrescentou o especialista. A crise hídrica
que afetou duramente o Estado de São Paulo no ano passado, e várias outras
regiões do Brasil, disseminou o hábito de armazenar água em latas e panelas
destampadas, que se converteram em focos do mosquito.
Esta foi uma das razões para a maior epidemia de
dengue em São Paulo, com 649 mil casos registrados no ano passado. Suas 454
mortes corresponderam a 52,6% de todos os óbitos atribuídos a essa doença no
país em 2015.“A crise hídrica, mais a microcefalia e a Campanha da Fraternidade
constituem uma feliz, e também infeliz, coincidência que é uma oportunidade
para tratar os graves problemas do saneamento básico”, destacou o presidente da
Trata Brasil.
O saneamento é o tema da Campanha da Fraternidade
Ecumênica, que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil promove anualmente
para difundir e discutir um tema. O deste ano tem o lema Casa Comum, Nossa
Responsabilidade.No Brasil, com 205 milhões de habitantes, 84,5% deles nas
cidades, o saneamento avança, mas muito lentamente, especialmente em
encanamento e tratamento de esgoto. Em 2014, a população urbana com água
encanada representava 56,7% do total, contra 56,3% no ano anterior.
Nesse ritmo de melhoria, não será cumprida a meta
oficial de universalizar esse serviço até 2033, mas a adiará para além de 2050,
segundo estudo da Conferência Nacional da Indústria. Além de investimentos
insuficientes, a burocracia freia iniciativas locais, ao retardar a liberação
de créditos, afirmam empresários do setor.O tratamento de esgoto é pior: só
alcança 39% do total. A maior parte do esgoto continua contaminando rios
urbanos, lagoas e o mar costeiro.
“É necessário redesenhar o setor, enfrentar seus
graves problemas de forma estrutural, buscar acordos políticos, mobilizar a
sociedade para reclamar prioridade parao saneamento”, apontou Dante Ragazzi
Pauli, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
(Abes).“Falta eficiência na comunicação” dos especialistas com a população,
“que continua mal informada sobre a importância do encanamento”, pontuou à IPS,
ao explicar que se deve manter a água e o saneamento como temas permanentes “na
agenda”, não apenas em épocas de crise hídrica ou de epidemias.
A Abes persiste nessa tarefa, promovendo vários encontros
e campanhas, como a atual, Mais Saneamento, Menos Zika, que terá uma
mesa-redonda especial em São Paulo no dia 3 de março. Outra necessidade é ter
em conta a realidade, “a situação caótica” das empresas estaduais e municipais
de saneamento básico, a incapacidade das prefeituras em executar projetos, além
da crise econômica atual, “um desafio adicional”, acrescentou a Associação.
Sem isso – de acordo com a Abes – o governo central
continuará fixando “metas inexequíveis”, como a de erradicar os lixões a céu
aberto e dar destinação adequada a todos os resíduos sólidos até 2014, de
acordo com a lei de 2010.Uma iniciativa que melhora esse quadro, pelo menos no
meio rural do Nordeste do país, é o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC),
promovido pela Articulação do Semiárido (ASA), uma rede de três mil
organizações sociais.
Como as cisternas, que captam até 16 mil litros de
água de chuva para beber e cozinhar, são fechadas, não contribuem para a
proliferação dos mosquitos. O Nordeste é a região brasileira que sofre a mais
severa epidemia de zika e microcefalia.Nessa situação a ASA intensificou os
cursos de capacitação de seus beneficiados, cerca de 580 mil famílias, para
melhorar a gestão da água e os cuidados para evitar o Aedes aegypti.
Como as chuvas voltaram após quatro anos de seca na
zona semiárida, no interior do Nordeste, também aumentou a presença do mosquito
e a incidência da dengue, “principalmente em locais mais povoados”, ressaltouà
IPS Rafael Neves, coordenador da P1MC.Porém, não há dados anteriores e faltam
estudos sobre a saúde rural para comparar e avaliar a eficácia das cisternas na
prevenção do Aedes e das enfermidades que transmite, concluiu.
Fonte: ENVOLVERDE
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