Por que
falar de cidades educadoras?
Entre os dias 1 e 4 de junho deste ano, a cidade de
Rosário na Argentina, receberá o XIV Congresso Internacional de Cidades
Educadoras. Será o primeiro do gênero nas Américas, que têm
atualmente 12 países e 60 cidades cadastradas na Associação Internacional de
Cidades Educadoras (AICE).
Por Pedro Ribeiro Nogueira –
Em 1990, durante o primeiro congresso da AICE, em
Barcelona, uma carta de princípios foi
redigida, esboçando algumas das características que fazem de uma cidade um
ambiente educador. Baseada na Declaração Internacional dos Direitos Humanos, a
carta entende que as cidades são espaços plenos de oportunidades educativas,
que podem ser potencializadas ou esquecidas. E reafirma: aprender é um processo
para todas as idades e para toda a vida.
Entre tantos países e cidades, não faltaram
diferentes aplicações destes princípios. Cada prefeito, gestor, diretor de
escola, professor, coletivo ou organização da sociedade civil que se aproxima
da ideia realiza um aporte único, alicerçado em sua realidade e em sua prática
no território. Além dos vinte pontos do texto do I Congresso, muitos outros vão
sendo criados diariamente por todos aqueles e aquelas que olham para a educação
como algo que ocorre também fora dos muros das escolas.
Para debater estes diferentes aspectos, o Portal
Aprendiz dá início a uma série de reportagens sobre experiências, conceitos e
princípios que sublinham a atuação das Cidades Educadoras em suas diferentes
formas. Nesta edição, perguntamos às pessoas que atuam na cultura, na educação,
no urbanismo, na preservação e acesso ao patrimônio, na inclusão e na infância
por que faz sentido falar em Cidades Educadoras no Brasil.
Foto: imfernandes
# Infância,
Por Ana Cláudia Leite, diretora de educação do
Instituto Alana.
Garantir às crianças o direito à vida, saúde,
educação, alimentação, enfim, os direitos fundamentais, deve ser prioridade
absoluta. Honrar a criança, garantindo seu pleno desenvolvimento, é um caminho
para garantir uma sociedade mais justa, plural e igualitária. O quanto a cidade
é capaz de absorver essas demandas e acolher a infância, sendo um espaço de
convivência, justiça e igualdade, terá um impacto fundamental nisso. Não há
como desvincular a discussão de uma Cidade Educadora, do impacto do território
na formação das novas gerações, da discussão da garantia de direitos.
Nós aprendemos ao longo de toda a vida, mas na
infância, isso é muito mais intenso. Então, quando garantimos uma cidade que
educa, na qual os bairros têm saberes que devem ser valorizados, que ela é um
espaço formativo, você amplia as possibilidades dela ser um lugar
significativo. A cidade que cresce com vistas a ser educadora olha não só para
habitação e saneamento, que são fundamentais, mas para lazer, áreas verdes,
espaços públicos. A criança convida a se pensar políticas de uma maneira mais
universal, na perspectiva dela, é possível acolher mais gente, imaginar outras
possibilidades de se fazer cidade. Ter uma responsabilidade com a infância e
com a educação é se humanizar, é fortalecer formas significativas de conviver.
Foto: Governo do Estado
# Inclusão,
Com Maria Antônia Goulart, Especialista em
políticas públicas da educação integral e uma das idealizadoras do Movimento
Down.
No congresso passado, em Barcelona, o mote era
“Cidade Educadora é aquela que inclui”. Acho que essa é uma dimensão
fundamental: uma cidade não pode ser educadora se ela não pensa em todos
setores que a compõe. E isso rebate em várias áreas, não é só nas escolas
inclusivas e preparadas, mas na cidade como um todo, em como ela se produz e em
como ela produz a comunicação, a acessibilidade dos espaços públicos e
culturais, na possibilidade de troca de experiências por pessoas com e sem
deficiência, das mais diversas línguas e nacionalidades.
Nas práticas mais arrojadas que vemos hoje de
Cidades Educadoras, a questão da inclusão vem com bastante força. No Brasil,
precisamos olhar a inclusão como um componente da vida das pessoas. Não é só
escola especial ou adaptação. Trata-se de construir as condições necessárias
para demolir as barreiras que criamos, para desfazer os obstáculos que fazem
com que cada vez menos pessoas tenham acesso aos serviços e oportunidades.
Neste ano teremos Paraolímpiadas e o que você viu sobre acessibilidade e
inclusão até agora? O Brasil tem muito que avançar.
Foto: Jan Ribeiro/ Olinda
# Patrimônio e acesso aos bens culturais,
Com Márcio Carvalhal, membro da Rede Juntos pela
Educação Integral e Ecomuseu de Maranguape (CE).
A questão do acesso aos bens culturais no Brasil
esbarra na falta de políticas públicas que facilitem que a população possa
conhecer e usufruir de tais bens, e de uma cultura de preservação e valorização
do patrimônio, seja ele material ou imaterial na educação. É preciso que haja
um comprometimento político dos gestores públicos com este tema, que esta
consciência possa permear e influenciar as decisões de gestão em um sentido
pedagógico. Este histórico de desvalorização dos bens culturais formou uma
população que não reconhece seu patrimônio, e que não possui uma relação com o
espaço que o circunda e tampouco poderá valorizar este contexto.
A importância de explorar e disseminar a concepção
de Cidade Educadora para o Brasil reside no fato de que esse tipo de iniciativa
faz com que gestores públicos, educadores e cidadãos comuns pensem em políticas
públicas que facilitem a integração e a qualificação de seus potenciais espaços
de aprendizagem, com objetivo de convidar crianças, jovens e adultos a
conhecer, valorizar e vivenciar a cidade. A construção de uma Cidade Educadora
propõe que exploremos a cidade como um currículo vivo e dinâmico: a rua ensina
e precisamos aprender a ler seu potencial educativo, construindo um profundo
significado na relação homem/território e seu papel cidadão. Outra contribuição
da Cidade Educadora é colaborar com a requalificação dos conteúdos da educação
no Brasil, ajudando a formatar currículos mais dinâmicos e integrados à cidade
ou comunidade local, levando em consideração suas particularidades.
Pedro Ribeiro Nogueira/Portal Aprendiz
# Educação,
Com Helena Singer, socióloga, pesquisadora e
educadora, coordenou o edital sobre Inovação e Criatividade na Educação Básica,
do Ministério da Educação, que identificou centenas de práticas educadoras na
educação brasileira.
É curioso que a gente precise explicar porque falar
de Cidade Educadora é importante para a educação. Isso se dá porque a visão
geral da educação é sua redução à escolarização e o processo de escolarização
tende a se reduzir ao ensino de habilidades básicas que credenciem a
certificados específicos. Mas, claro que educação é muito mais do que isso.
Trata-se de processo permanente em nossas vidas, que nos possibilita conhecer,
refletir e reconstruir os valores e códigos de nossa sociedade. Neste sentido,
a cidade também é um agente de nossa educação. A Cidade Educadora reconhece e
assume este papel, desenvolvendo um planejamento que se volta integralmente
para o bem-estar de seus habitantes. E de seus múltiplos territórios.
Para tanto, os diversos setores urbanos precisam
trabalhar de forma integrada, compartilhando suas bases de dados, perspectivas
e estratégias para construir juntos ações que efetivamente impactem o bem-estar
de todos. O setor da educação dita formal, das escolas e universidades, claro
que deve ter papel protagonista em todo este processo. Na Cidade Educadora, os
projetos pedagógicos destas instituições reconhecem os territórios em que estão
localizadas, os modos de vida de seus públicos, sua cultura, o acesso que têm
ou não a bens e serviços urbanos. Com base neste reconhecimento, as escolas e
universidades das Cidades Educadoras constroem seus currículos e firmam
alianças com agentes dos outros setores no mesmo território, além da própria
comunidade. Dessa forma, tornam-se centros locais de produção de conhecimento
capazes de se espalhar e catalizar os processos de desenvolvimento urbano.
Foto: Lu
# Urbanismo,
Com Beatriz Goulart, arquiteta, urbanista e
educadora.
A concepção de Cidades Educadoras está fundamentada
na ideia de educação permanente e integral – que se dá o tempo todo, por toda
parte, em todos os lugares, inclusive nas escolas. Nesse sentido, considera-se
a potencialidade educativa do território, formado por espaços construídos e
espaços livres. Ou seja, por arquiteturas e urbanismos que, neste contexto, não
devem ser mais tratadas isoladamente mas, sim, articuladamente. Falar de
Cidades Educadoras, portanto, requalifica o campo de reflexão e atuação da
arquitetura-urbanismo na perspectiva do território-rede. Além disso, considerar
o potencial educativo dos lugares – lugares-casa, lugares-escola, lugares-praça,
lugares-rua, lugares-floresta, etc – tem exigido uma revisão das teorias e
metodologias de projeto (de arquitetura e de urbanismo), no âmbito do
ensino/formação, da pesquisa e da atuação dos arquitetos-urbanistas na
sociedade, de modo que nossas práticas sejam mais integradas e integradoras do
que têm sido. A meu ver, este movimento todo levará à necessária revisão dos
instrumentos legais que regem este campo – planos diretores, lei de uso do
solo, código de obras e programa de necessidades dos edifícios públicos e
privados – que foram desenvolvidos desconsiderando a integralidade e o
potencial educativo do território. Não há mais sentido, por exemplo, em
projetar e construir escolas estruturadas a partir de uma sequência de salas de
aula idênticas, cercadas de altos muros, sem qualquer integração com seu
entorno. A lógica da arquitetura e do urbanismo ainda responde a concepções do
século passado, quiçá retrasado.
A temática das Cidades Educadoras exige que as
cidades e as escolas se transformem e, para isso, nós arquitetos-urbanistas
somos obrigados a também nos reinventar, a sairmos do nosso quadrado, somos
obrigados a entrar na roda enquanto mediadores-educadores ambientais,
trabalhando com metodologias colaborativas, participativas. A Cidade Educadora
requer a reinvenção do sentido e do significado de nossa profissão, de nossa
produção.
Foto: Cidade do Saber Camaçari.
# Cultura,
Com Juana Nunes, coordenadora da Secretaria de
Educação e Formação Artística e Cultural (Sefac) do Ministério da Cultura
(MinC).
A Cultura tem um papel fundamental no conceito de
uma Cidade Educadora e é premissa básica para a construção de um novo caminho
de formação cidadã. Essa perspectiva visa o diálogo com os diversos setores que
atuam na cidade, potencializando as ações conjuntas dos diversos sujeitos, seus
saberes e fazeres, dentro e fora dos espaços formais de educação, e aponta para
um modelo sustentável de vida. A Cidade Educadora necessita da participação
social, pois tem como base o planejamento estratégico intersetorial,
intergeracional e interterritorial. Seu caráter participativo requer processo
criativo constante. Ela é lugar do diálogo para quem se colocar como autor/ator
de um projeto de futuro.
E é, também, aquela que resulta da poesia urbana,
da vida partilhada em praças públicas, praias, campos, avenidas, museus,
centros culturais, pontos de cultura, moradias, edificações históricas,
escolas, hospitais, enfim, por todos os espaços e territórios da vida humana –
considerando o campo e a cidade como extensão um do outro na produção da
diversidade cultural. O respeito aos modos de ser, saber e fazer das
comunidades em diversos territórios gera enraizamento e apropriação dos
sujeitos aos espaços de vida, que se manifesta (espontânea, técnica e/ou
artisticamente) em distintos modos de produzir cultura. Sendo assim, o processo
formativo requer métodos múltiplos e complexos do ponto de vista político,
ético e estético, principalmente quando se trata de um plano para a Cidade
Educadora. Ela é, por fim, uma utopia do educar na direção da arte do viver
junto.
Fonte: Portal Aprendiz
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