Crianças
vivem sitiadas na Síria.
Meninas e meninos da cidade síria de Alepo são
obrigados a frequentar escolas subterrâneas, em outubro de 2014. Foto:
ShellyKittleson/IPS.
Por Valentina Ieri, da IPS –
Nações Unidas, 14/3/2016 – Trabalhadores
humanitários são testemunhas de como morrem crianças por falta de médicos e
medicamentos e de como crescem sem alimentos, escola e livros, fato cotidiano
na Síria, onde vivem mais de 250 mil menores em áreas assediadas.As áreas
sitiadas nesse país do Oriente Médiose tornaram prisões a céu aberto, onde
famílias, meninos e meninas, ficam presos, rodeados por combatentes de grupos
contrários, que se enfrentam e impedem que cheguem alimentos, combustível e
outros suprimentos vitais, e também que as pessoas saiam.
O contexto da crise é detalhado no último informe Infância
Assediada, divulgado pela organização Save The Children, apresentado em uma
entrevista coletiva patrocinada pela Associação de Correspondentes da
Organização das Nações Unidas (ONU).O conflito sírio, que já dura cinco anos,
deixou 250 mil mortos, 4,6 milhões de refugiados e 6,6 milhões de deslocados
internos, além de mais de 13,5 milhões de pessoas que necessitam de assistência
humanitária.
“Em muitas dessas áreas é bastante difícil
encontrar cloro para potabilizar a água. Porém, os grupos que se enfrentam
teriam usado gás de cloro para atacar e matar civis”, diz o documento. “O
centro de saúde daqui é apenas uma mesa, um esterilizador e uma gaze”, contou
uma mãe de Ghouta, um bairro de Damasco.
A diretora regional da SaveThe Childrren, Sonia
Khush, relatou que o único médico que há em Madaya é um combatente veterano,
enquanto em Moadamiyeh três em cada oito são dentistas. Quando as pessoas
precisam de analgésicos, tomam um comprimido a cada três dias. Não há vacinas
nem medicamentos para as doenças crônicas, como diabetes ou problemas do
coração.As consequências da precária situação de escassez não são apenas
físicas, mas também psicológicas para as mulheres e crianças, que são criadas
em um ambiente longe de ser seguro e em estreito contato com uma cultura de
guerra”, ressaltou.
“As crianças vivem com o temor permanente dos
bombardeios, que ocorrem mais em zonas sitiadas do que em qualquer outra parte
da Síria”, acrescentouKhush.Os dados com os quais foi preparado o informe
surgiram de 22 grupos de referência e de entrevistas com mais de 125 pais, mães
e filhos residentes em oito diferentes áreas assediadas da Síria. Os resultados
mostram que os sírios tiveram que reduzir o número de refeições diárias pela metade,
ou mais.
Em sete dos grupos, 32% do total, algumas pessoas
disseram que às vezes passavam um dia sem colocar alimento na boca. Quatro dos
grupos de adultos, 24%, disseram que há crianças que morrem por falta de
alimentos.Além disso, os pais de 14 grupos, 84%, relataram que seus filhos se
tornam mais agressivos, retraídos ou deprimidos. Uma assistente humanitária,
que pediu para não ser identificada e que fundou,em 2012,uma organização local
para coordenar as atividades de ajuda nas zonas sitiadas, se referiu à “arte de
sobreviver” praticada por milhares de famílias.
Ela contou que “há mães obrigadas a cozinhar mato e
dar de comer aos filhos alimentos de animais. Vários recém-nascidos morrem nos
postos de controle porque não se consegue o medicamento adequado. Para mim isso
que é viver em uma área sitiada”.Apesar de o Conselho de Segurança da ONU ter
emitido seis resoluções desde 2014, nas quais cobra o livre acesso para o
pessoal humanitário na Síria, o número de pessoas que residem em lugares
isolados pela guerra aumentou mais do que o dobro no ano passado, como também o
de bombardeios.
“A situação piorou”, enfatizou Khush. “Em 2015,
apenas 1% das pessoas residentes em zonas sitiadas receberam assistência
gratuita da ONU. Mas as comunidades se tornam mais resilientes e determinadas
em atuar para resolver seus próprios problemas”,acrescentou, destacando que
“toda a sociedade civil da Síria, que não existia antes do conflito, tenta
reconstruir uma sociedade quebrada, graças à contribuição de mulheres e homens
que, apesar dos riscos diários, estão decididos a ser parte da solução”.
Segundo Khush, “é importante para nós que tenha
começado o processo de reconstrução do país, para devolver às pessoas sua
dignidade e o sentido de apropriação. Instalados em Damasco, trabalhamos
principalmente em áreas onde operam grupos insurgentes. Por meio de uma sólida
rede de voluntários e de conselhos locais, controlamos diariamente quais zonas
foram bombardeadas, quais escolas foram atacadas e a segurança das crianças à
saída. Falamos diretamente com as pessoas”.
Em áreas como Ghouta oriental, um território
principalmente agrícola, as pessoas já não querem esmolas. Quando chegam os
suprimentos, preferem sementes, ferramentas e implementos, contou a diretora
regional da SaveThe Children.“É dada muita atenção aos comboios e à assistência
alimentar, que é muito importante. Mas não se atende outra infinidade de
questões relacionadas com o que realmente as pessoas necessitam. Não se
concentra em como ajudar as comunidades a gerar renda por sua conta e de forma
sustentável, que é o que faz SaveThe Children”, ressaltou.
Fonte: ENVOLVERDE
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