sábado, 16 de abril de 2016

Proibição do amianto: a novela que não tem fim.
O uso do amianto ainda é visível em muitas formas, como nesse telhado. Foto: Inés Benítez/IPS.

Por Washignton Novaes*

Chama a atenção o fato de a principal empresa de extração e comercialização de amianto no País continuar na Justiça pleiteando o direito de seguir em atividade nesse ramo, embora venha sofrendo ali sucessivas derrotas. Ainda agora chega a notícia de mais uma: a Eternit foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (São Paulo) a pagar indenizações a muitos trabalhadores no setor, por doenças, mortes e até danos morais.

R$ 100 milhões serão por danos morais coletivos; R$ 300 mil a cada trabalhador que já tenha recebido diagnóstico de doença relacionada com o amianto e para o espólio de ex-empregados na empresa falecidos após o ajuizamento da ação; R$ 80 mil a cada empregado que tenha recebido diagnóstico de doença relacionada com o amianto; R$ 50 mil a cada ex-empregado que ainda não tenha o diagnóstico; R$ 300 mil por danos morais e R$ 80 mil por danos existenciais a cada família e a cada familiar de ex-empregado diagnosticado com doenças relacionadas com o amianto; pensão mensal de cinco salários mínimos a viúvos e companheiras e filhos inválidos; assistência integral e vitalícia à saúde de todos os ex-empregados. A empresa diz que vai recorrer. Mas tudo isso ocorre no momento em que muitas empresas comercializadoras do amianto, assim como as usuárias, já se estão transferindo para outras áreas de materiais substitutos do amianto, no Brasil e fora.

Na Europa o movimento tem sido acelerado por decisões duras da Justiça, como uma na Itália que condenou por homicídio a empresa vendedora do produto. Já são mais de 300 as condenações em algum nível naquele país. Um relatório divulgado pela televisão espanhola estima que até 2030 esse “agente cancerígeno” terá contribuído para a morte de 40 mil pessoas (El Periódico, 27/2). Entre 1906 e 2002 (quando foi proibido) a Espanha importou mais de 2 milhões de toneladas de amianto.

Por aqui, a maior produtora e comercializadora já está instalando uma empresa de polipropileno para substituir o amianto. Em agosto último, o Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a recurso da empresa e a condenou a pagar R$ 1 milhão à viúva de engenheiro vítima de doença pulmonar decorrente de contato prolongado com o amianto (Migalhas, 14/8/15). O Ministério do Trabalho instituiu, pela Portaria 1.287 de 2015, uma comissão especial para debater o uso do produto no Brasil.

Não faltariam razões para termos posturas mais severas nessa matéria. Já há três anos, contrariando parecer do Ministério do Meio Ambiente, o País se absteve de votar resolução no âmbito da Convenção de Genebra para obrigar qualquer país exportador do produto a descrever qualquer variedade de amianto e informar previamente o importador sobre o conteúdo da carga perigosa. Tanto o Ministério do Desenvolvimento como o de Minas e Energia foram contra a proposição, sob o argumento de que poderia prejudicar os exportadores da variedade de amianto chamada crisotila, que não seria problemática – contrariando a posição de centenas de pareceres científicos no mundo, que já diziam ser a crisotila tão prejudicial quanto o amianto; exatamente por isso, 66 países já haviam banido o uso de qualquer variedade – entre eles, Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Japão, Itália, Hungria, Grã-Bretanha, EUA, Argentina, Chile e Uruguai. A Organização Mundial de Saúde já contabilizava nessa época 100 mil mortes por ano relacionadas ao amianto. Até 2030 seriam 10 milhões por câncer das vias respiratórias, dos pulmões, da laringe e outros.

Mas o Brasil é o terceiro maior produtor de amianto, com mais de 300 mil toneladas anuais, e o segundo na exportação, segundo as estatísticas de 2013. Praticamente toda a produção nacional está concentrada na mina de Cana Brava, em Minaçu (GO), que tem vida útil prevista para mais de 20 anos. Os defensores do amianto alegam sempre que essa é a principal e quase única atividade econômica no município. E sua proibição afetaria o emprego, a renda de trabalhadores, o transporte e outras atividades. Mas nada se fez por ali para mudar o quadro, embora as notícias sobre os problemas do amianto estejam na mesa há décadas.

A maior parte da produção não exportada é consumida internamente sob a forma de telhas onduladas, chapas de revestimento, tubos e caixas d’água. Freios e embalagens comandam o consumo na área de produtos de fricção. Outros formatos estão em produtos têxteis, filtros, papel e papelão, isolantes térmicos. Mas os fabricantes dos produtos alternativos asseguram que podem suprir o consumo de todos os formatos atuais.

Como já foi comentado neste espaço, desde 1984 a variedade nacional de amianto vem sendo questionada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente. Na Resolução 384 ele incluiu os resíduos de amianto na classe dos “perigosos” e passou a exigir uma advertência impressa aos consumidores, em todos os produtos, quanto aos riscos do consumo – mas na prática nunca se obedeceu à lei. Também uma portaria do Ministério do Trabalho relacionou os perigos para os trabalhadores dos materiais que contêm amianto. As advertências na Organização Internacional do Trabalho estão nas mesas desde 1986.

Um projeto de lei que propõe o banimento interno tramita há muitos anos no Congresso, sob paralisadora oposição. Também no Supremo Tribunal Federal há recursos que impedem o cumprimento de leis aprovadas em vários Estados que proíbem o consumo interno e a exportação.

Agora, tudo depende do julgamento no Supremo dessas ações contra leis que proibiram a venda interna e a exportação do amianto. Parece uma novela sem fim – apesar do cansaço do público, da saúde das pessoas, do que já se julgou em outras instâncias brasileiras e no exterior. Urge uma decisão final.

* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br


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