Proibição
do amianto: a novela que não tem fim.
O uso do amianto ainda é visível em muitas formas,
como nesse telhado. Foto: Inés Benítez/IPS.
Por Washignton Novaes*
Chama a atenção o fato de a principal empresa de
extração e comercialização de amianto no País continuar na Justiça pleiteando o
direito de seguir em atividade nesse ramo, embora venha sofrendo ali sucessivas
derrotas. Ainda agora chega a notícia de mais uma: a Eternit foi condenada pelo
Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (São Paulo) a pagar indenizações a
muitos trabalhadores no setor, por doenças, mortes e até danos morais.
R$ 100 milhões serão por danos morais coletivos; R$
300 mil a cada trabalhador que já tenha recebido diagnóstico de doença
relacionada com o amianto e para o espólio de ex-empregados na empresa
falecidos após o ajuizamento da ação; R$ 80 mil a cada empregado que tenha
recebido diagnóstico de doença relacionada com o amianto; R$ 50 mil a cada
ex-empregado que ainda não tenha o diagnóstico; R$ 300 mil por danos morais e
R$ 80 mil por danos existenciais a cada família e a cada familiar de
ex-empregado diagnosticado com doenças relacionadas com o amianto; pensão
mensal de cinco salários mínimos a viúvos e companheiras e filhos inválidos;
assistência integral e vitalícia à saúde de todos os ex-empregados. A empresa
diz que vai recorrer. Mas tudo isso ocorre no momento em que muitas empresas
comercializadoras do amianto, assim como as usuárias, já se estão transferindo
para outras áreas de materiais substitutos do amianto, no Brasil e fora.
Na Europa o movimento tem sido acelerado por
decisões duras da Justiça, como uma na Itália que condenou por homicídio a
empresa vendedora do produto. Já são mais de 300 as condenações em algum nível
naquele país. Um relatório divulgado pela televisão espanhola estima que até
2030 esse “agente cancerígeno” terá contribuído para a morte de 40 mil pessoas
(El Periódico, 27/2). Entre 1906 e 2002 (quando foi proibido) a Espanha
importou mais de 2 milhões de toneladas de amianto.
Por aqui, a maior produtora e comercializadora já
está instalando uma empresa de polipropileno para substituir o amianto. Em
agosto último, o Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a recurso da
empresa e a condenou a pagar R$ 1 milhão à viúva de engenheiro vítima de doença
pulmonar decorrente de contato prolongado com o amianto (Migalhas, 14/8/15). O
Ministério do Trabalho instituiu, pela Portaria 1.287 de 2015, uma comissão
especial para debater o uso do produto no Brasil.
Não faltariam razões para termos posturas mais
severas nessa matéria. Já há três anos, contrariando parecer do Ministério do
Meio Ambiente, o País se absteve de votar resolução no âmbito da Convenção de
Genebra para obrigar qualquer país exportador do produto a descrever qualquer
variedade de amianto e informar previamente o importador sobre o conteúdo da
carga perigosa. Tanto o Ministério do Desenvolvimento como o de Minas e Energia
foram contra a proposição, sob o argumento de que poderia prejudicar os
exportadores da variedade de amianto chamada crisotila, que não seria
problemática – contrariando a posição de centenas de pareceres científicos no
mundo, que já diziam ser a crisotila tão prejudicial quanto o amianto;
exatamente por isso, 66 países já haviam banido o uso de qualquer variedade – entre
eles, Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Japão, Itália,
Hungria, Grã-Bretanha, EUA, Argentina, Chile e Uruguai. A Organização Mundial
de Saúde já contabilizava nessa época 100 mil mortes por ano relacionadas ao
amianto. Até 2030 seriam 10 milhões por câncer das vias respiratórias, dos
pulmões, da laringe e outros.
Mas o Brasil é o terceiro maior produtor de
amianto, com mais de 300 mil toneladas anuais, e o segundo na exportação,
segundo as estatísticas de 2013. Praticamente toda a produção nacional está
concentrada na mina de Cana Brava, em Minaçu (GO), que tem vida útil prevista
para mais de 20 anos. Os defensores do amianto alegam sempre que essa é a
principal e quase única atividade econômica no município. E sua proibição afetaria
o emprego, a renda de trabalhadores, o transporte e outras atividades. Mas nada
se fez por ali para mudar o quadro, embora as notícias sobre os problemas do
amianto estejam na mesa há décadas.
A maior parte da produção não exportada é consumida
internamente sob a forma de telhas onduladas, chapas de revestimento, tubos e
caixas d’água. Freios e embalagens comandam o consumo na área de produtos de
fricção. Outros formatos estão em produtos têxteis, filtros, papel e papelão,
isolantes térmicos. Mas os fabricantes dos produtos alternativos asseguram que
podem suprir o consumo de todos os formatos atuais.
Como já foi comentado neste espaço, desde 1984 a
variedade nacional de amianto vem sendo questionada pelo Conselho Nacional do
Meio Ambiente. Na Resolução 384 ele incluiu os resíduos de amianto na classe
dos “perigosos” e passou a exigir uma advertência impressa aos consumidores, em
todos os produtos, quanto aos riscos do consumo – mas na prática nunca se
obedeceu à lei. Também uma portaria do Ministério do Trabalho relacionou os
perigos para os trabalhadores dos materiais que contêm amianto. As advertências
na Organização Internacional do Trabalho estão nas mesas desde 1986.
Um projeto de lei que propõe o banimento interno
tramita há muitos anos no Congresso, sob paralisadora oposição. Também no
Supremo Tribunal Federal há recursos que impedem o cumprimento de leis
aprovadas em vários Estados que proíbem o consumo interno e a exportação.
Agora, tudo depende do julgamento no Supremo dessas
ações contra leis que proibiram a venda interna e a exportação do amianto.
Parece uma novela sem fim – apesar do cansaço do público, da saúde das pessoas,
do que já se julgou em outras instâncias brasileiras e no exterior. Urge uma
decisão final.
* Washington Novaes é jornalista. E-mail:
wlrnovaes@uol.com.br
Fonte: O Estado de S. Paulo
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