A saúde
do planeta.
Para 2050, com projeções indicando uma população
global de 9,5 bilhões de pessoas, serão 50 as cidades mundiais que terão
população superior a 10 milhões de indivíduos. Foto: Rafael Taminato
Hirata/Flickr/(cc).
A saúde precária do planeta, como pode ser
facilmente observada, é causa direta da interferência desordenada do ser humano
no meio ambiente.
Por Marcus Eduardo de Oliveira*
De certa forma, a história da humanidade é marcada
por profundas e constantes transformações – avanços tecnológicos, urbanização,
explosão populacional, disseminação de informações -, para citar apenas esses
poucos exemplos. Inexoravelmente, essas – e quaisquer outras – transformações,
cedo ou tarde, acabam nos acertando em cheio; razão pela qual sempre percebemos
o mundo em frenético movimento.
Dentro desses poucos exemplos citados, vale dar
especial atenção, primeiramente, a taxa de urbanização. Se, em 1800, apenas 3%
dos indivíduos no mundo viviam em cidades, duzentos anos depois – dados de 2010
– metade da população mundial é citadina.
Para o ano de 2060, há uma previsão de que 80 por
cento da população mundial estará habitando os centros urbanos, abandonando
assim os costumes da vida rural.
Em 1900, quando a população mundial contava 1,6
bilhão de habitantes, apenas 12 cidades mundiais possuíam mais de 1 milhão de
moradores. Cinquenta anos depois, esse número de cidades saltou para 83. Hoje,
com 7,2 bilhões de habitantes, existem 23 megacidades com população superior a
10 milhões de habitantes.
Para 2050, com projeções indicando uma população
global de 9,5 bilhões de pessoas, serão 50 as cidades mundiais que terão
população superior a 10 milhões de indivíduos, pressionando por serviços
ecossistêmicos, desequilibrando mais ainda a situação ambiental, agravando um
pouco mais a já combalida saúde do planeta.
Esse inchaço populacional das megacidades,
obviamente, permite então degradar a qualidade de vida dos povos de diferentes
maneiras, quer seja nas inóspitas condições de moradia, no ar que se respira,
no caótico trânsito, no aumento da marginalidade e da insegurança, na explosão
do subemprego com salários aviltados pelo excesso de mão de obra entre outros.
Com isso, nem é preciso ressaltar que
transformações tecnológicas e científicas, independentemente dos setores em que
se manifestam, mudam completamente padrões de comportamento social e humano. Às
vezes, para o bem; outras, nem tanto.
No estágio atual em que as coisas estão cada vez
mais interligadas, afinal, tudo se conecta a tudo, uma vez que nada está separado,
é comum parte considerável da humanidade não dar devida atenção às duas forças
mais poderosas que conferem sentido ao universo: a vida e o amor.
Por conta disso, a maioria – mas não todos – dos
indivíduos se afastam não raras vezes da busca espiritual, deixando de lado
suas crenças religiosas, relegando, pois, a segundo plano a prática de alguns
princípios e valores éticos, preferindo no lugar um mergulho no mundo material
– objeto de cobiça para uma pretensa vida hedonista, recheada de satisfação e prazer,
a partir da acumulação de bens e do usufruto de serviços.
Isso, inequivocamente, leva a civilização a um
completo isolamento dos princípios mais elementares da vida, bem como das mais
importantes relações sociais. Não obstante, opera-se no interior das pessoas a
falsa sensação de se achar pertencente a uma raça superior, verdadeiros
“senhores absolutos do universo”; muitos se julgam, comumente, capazes de
subjugar a tudo e todos, incluindo às leis da natureza, usadas e exploradas ao
próprio bel-prazer dos povos.
Talvez isso explique, em linhas gerais, a ruptura
do ser humano com a natureza, do homem com o meio ambiente, da criatura com as
coisas naturais (a água, o ar, o solo, as plantas, os animais) feitas pelo
Criador. Tal conduta leva à configuração de uma crise maior, por isso
sistêmica, tal qual a vivenciada atualmente.
Desse modo, somos forçados a pensar que, desde que
a modernidade colocou o indivíduo no centro de tudo, o aparecimento e
acirramento de diversas crises – econômica, cultural, ambiental, agrícola, de
ausência de valores morais – foi então facilitada, e cada vez mais se imiscui
em nosso convívio.
Ademais, não é nossa intenção analisar aqui de
forma pormenorizada cada uma dessas crises. Mesmo assim, três delas – ausência
de valores morais, econômica e ambiental – merecem, en passant, algumas breves
notas.
Dessas três crises, a mídia parece sempre dar mais
destaque a econômica. Diante disso, os diferentes governantes, agindo como
espécies de “médicos-salvadores” da enfermidade global, adotam sempre o mesmo
tipo de remédio milagroso: doses excessivas de crescimento industrial injetado
nas veias econômicas, a partir da recuperação e do incentivo ao consumo.
No entanto, esse “corpo médico”, não raras vezes,
faz vistas grossas aos efeitos colaterais do medicamento aplicado, não se dando
conta de que o aumento brutal do consumo verificado nas últimas décadas no
mundo globalizado constitui, essencialmente, uma das causas principais (senão a
principal) da patologia consumista que só faz agravar a já combalida saúde do
planeta, decorrente do esgotamento dos serviços ecossistêmicos e da acintosa
depleção natural imposta pelo modo de produção econômica global.
Tal qual uma infecção generalizada, da crise
econômica resulta então a crise ambiental; por sinal, de proporções e
consequências mais graves que a primeira.
Mapeando a origem da atual crise ambiental, a meu
ver, ela pode ser contada justamente a partir da posição central que o
indivíduo passou a ocupar na civilização, quando decidiu tomar decisões
pautadas numa lógica que, de três séculos para cá, tem ditado o ritmo e o
estilo de vida da humanidade.
Qual seria essa lógica? A que faz do consumismo
espécie de escada de acesso à melhoria de vida pessoal, como se a aquisição (e
o acúmulo) de coisas materiais resultassem automaticamente em mais felicidade e
bem-estar.
Envolvido na busca das coisas materiais, quase que
literalmente “consumido” pela ideologia consumista, adepto da financeirização
da economia e da homogeneização cultural, sequioso de alcançar o progresso
pessoal em curtíssimo prazo, o homem de hoje, erroneamente chamado de moderno,
insiste em quantificar – pela via monetária – a vida em toda sua plenitude.
Lamentavelmente, isso parece conduzir os indivíduos à terceira crise que
mencionamos: a ausência de valores morais.
Essa crise, como não poderia deixar de ser, também
apresenta idiossincrasias próprias: começa a partir do “valor” e da prioridade
conferidas ao mercado de consumo e as mercadorias, aos bens e serviços
consumidos, a partir do momento em que os indivíduos passam a ser conduzidos
pelo mercado publicitário, pela mania consumista, e, não obstante, acabam sendo
“abduzidos” pela obsolescência programada, pela moda e pelo constante apelo de
marketing.
Não por acaso, em pouco tempo a indústria da
publicidade se tornou o segundo maior orçamento mundial, perdendo apenas para a
indústria bélica.
Voltando a atenção para o ser humano, é fato
indiscutível que em nenhum outro momento da história a humanidade se viu assim,
mergulhada numa sociedade de descarte, em que “comprar algo novo” tem mais
importância que consertar o usado; em que o “ter” tem mais “peso e valor” – em
alguns casos até mesmo valor sentimental – do que o “ser”.
A taxa de derrelição material da humanidade nunca
foi tão abusiva e tão sem sentido. Somos hoje transformadores de lixo;
descartamos tudo. Na média, cada indivíduo consegue produzir 1 quilo de lixo
por dia. No mundo, a cada 24 horas, dois milhões de toneladas de esgoto e
outros efluentes são lançados nas águas do mundo, de acordo com estudos
publicados pela UNESCO/WWAP-2003.
Por tudo isso é recorrente a afirmação de que essa
crise de ausência de valores morais passa também pelo tratamento desdenhoso que
a civilização confere à natureza, sempre subordinando-a às condutas econômicas
que respondem, por sua vez, por mais produção, sem a prática mínima de ética
alguma, sem o menor cuidado e parcimônia quanto aos limites existentes na
natureza, especialmente no que concerne ao uso dos recursos naturais e
energéticos.
A prova cabal disso é que a humanidade, desde os
anos 1980, vem usando 20% a mais do que o planeta é capaz de oferecer. Se a
saúde do planeta já estava debilitada, imaginemos um corpo (a Terra) 20% mais
quente, em termos febris.
Colocando essa questão num terreno mais sólido,
explicitamente o elo existente entre produção, consumo, seres humanos e
biodiversidade, mostra uma relação bem conflituosa, resultando em considerável
perda, alteração e fragmentação de habitats, e destruição do patrimônio
natural.
Consoante a isso, as Pegadas Ecológica e
Hidrológica – medidas de demandas da humanidade sobre os recursos naturais
renováveis da terra – evidenciam de forma clara a insuportável pressão exercida
pelos humanos sobre o Planeta.
Em torno disso, os números não mentem: 10% das
terras férteis do mundo já viraram desertos; a cada ano, 13 milhões de
hectares, equivalente ao território da Grécia, são desmatados para dar lugar a
atividades agropastoris.
O mundo já perdeu, apenas nos últimos 50 anos, 35
por cento dos manguezais, 40 por cento das florestas e 50 por cento das áreas
alagadas. O estoque de peixes, em âmbito global, nesse momento em que escrevo,
está 80 por cento menor.
Assim, já adentramos na fase da defaunação, termo
que indica a ação de defaunar, ou seja, remover ou destruir uma população de
animais. A taxa de extermínio de espécies – plantas e animais – ocasionada pela
ação humana, tem sido estimada de 50 a 100 vezes superior à perda por causas
naturais. Por dia, a humanidade elimina quase 150 tipos diferentes de organismos
vivos – componentes bióticos.
A saúde precária do planeta, como pode ser
facilmente observada, é causa direta da interferência desordenada do ser humano
no meio ambiente. Em outras palavras, por conta de nosso consumo excessivo, de
nosso estilo de vida, de nosso jeito agressivo de lidarmos com o mundo natural,
somos agentes causadores da enfermidade ecológica que tem desequilibrado as
condições naturais da Terra.
Não há como esconder o sol diante de uma peneira: a
combalida saúde do planeta tem tudo a ver com a nossa ação sobre o meio
ambiente. Contra fatos, não há argumentos.
* Marcus Eduardo de Oliveira é economista e
ativista ambiental prof.marcuseduardo@bol.com.br.
Fonte: EcoD
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