China
pode já ter passado pico de emissão.
Siderúrgicas em Benxi, China: velha economia está
ficando para trás. Foto: Andreas Habich.
Crescimento a “taxas chinesas” ficou no passado e
foco agora é qualidade, dizem pesquisadores britânicos; emissão anual de gases
de efeito estufa pode não subir mais acima dos níveis de 2014
Por Redação do Observatório do Clima –
A locomotiva do planeta está mudando de rumo, com
consequências profundas para a economia e o clima global. A China parece ter
entrado numa nova fase de seu desenvolvimento, e pode ter passado já em 2014 o
pico de emissões de gases de efeito estufa que seu governo se comprometeu a
atingir até 2030.
A aposta é de uma análise publicada nesta
segunda-feira (7/3) pelo Instituto Grantham, vinculado à London School of
Economics e dirigido por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do governo
britânico. Nela, Stern e seu colega Fergus Green argumentam que dificilmente a
China verá novamente o tal crescimento “a taxas chinesas” como o do período
2000-2013. Naquela fase, o consumo de carvão mineral triplicou graças ao
investimento em indústrias pesadas e altamente intensivas em energia, como
siderurgia e cimento, à explosão da construção civil e à industrialização
maciça com foco em exportações.
Segundo Green e Stern, o gigante asiático entrou em
um “novo normal”, ora voltado a crescer com qualidade – e não mais em
quantidade. A nova política, refletida no Plano Quinquenal publicado pelo
governo chinês neste fim de semana, está orientada em torno de quatro eixos:
serviços, inovação, redução das desigualdades e sustentabilidade ambiental.
Todos os quatro são boas notícias para o clima.
Em pouco mais de uma década, o modelo econômico
anterior transformou a China no maior emissor global de carbono, no maior
usuário de petróleo e no consumidor de metade do carvão produzido no planeta. O
crescimento do PIB foi vertiginoso, na casa dos dois dígitos ao ano. O consumo
primário de energia para bancar essa decolagem foi igualmente brutal: cresceu
8% ao ano no período, o que deu origem à contabilidade quase mitológica de uma usina
a carvão inaugurada por semana.
Isso levou a China a ultrapassar os EUA em 2006
como maior poluidor do planeta (embora as emissões per capita da China ainda
sejam muito inferiores às americanas) e jogou as emissões chinesas de CO2 para
10,5 bilhões de toneladas em 2014, segundo a Agência Holandesa de Avaliação
Ambiental.
Poluição
A conta dessa farra foi passada em parte para os 7
bilhões de terráqueos, que nos próximos anos pagarão a externalidade do
crescimento chinês na forma de impactos do aquecimento global. Mas a primeira
parcela desse débito coube à própria China: aumento da desigualdade, divisões
internas numa sociedade que sempre tentou se mostrar monolítica ao mundo e uma
dívida na economia que quadruplicou apenas entre 2007 e 2014, de US$ 7 trilhões
para US$ 28 trilhões (sim, você leu certo: trilhões).
Mas, o pior de tudo, o novo modelo legou aos
chineses uma tragédia de saúde pública causada pela poluição do ar. Segundo
Green e Stern, somente as emissões de material particulado fino causam 1,6
milhão de mortes precoces por ano – 4.000 por dia – no país. O prejuízo total
decorrente disso equivale a 10% do PIB chinês. Ou seja, a insustentabilidade
ambiental também é econômica.
Analisando dados econômicos e energéticos da China,
os britânicos teorizam que o novo modelo já está em curso. Ele começa com a
desaceleração do crescimento, de 10,5% ao ano para os atuais 6% ao ano, e
prossegue no setor de energia. O crescimento das energias não-fósseis entre
2010 e 2014 foi de 73% – somente em 2014 foram instalados 21 gigawatts em
energia eólica e 11 em solar (algo como três vezes a capacidade nominal da
usina de Belo Monte). As mudanças na matriz energética respondem a três
imperativos: controlar a poluição, reduzir a dependência do petróleo importado
e produzir tecnologias de zero carbono e de alto valor agregado.
O resultado disso é que o consumo primário de
energia despencou de 8% ao ano na média do período anterior para 2,2% em 2014 e
menos de 1% em 2015. Daí a decisão do governo, anunciada na semana passada,
de fechar usinas termelétricas a carvão e siderúrgicas, demitir 1,8 milhão de
trabalhadores e bancá-los para não trabalhar.
O impacto do “novo normal” sobre as emissões do
planeta foi direto: em 2014, segundo o Global Carbon Project, as
emissões globais ficaram quase estagnadas, com crescimento de 0,6%. E a
previsão para 2015 é de nova estagnação ou mesmo um ligeiro declínio.
“Nós provavelmente vamos continuar a ver a
continuação da experiência de 2014-2015 no declínio da intensidade energética
[da China]”, afirmam Green e Stern.
Dados os sinais da economia política do gigante
asiático, os economistas britânicos preveem que a China provavelmente nunca
mais voltará a crescer no ritmo anterior. A aposta da dupla é num aumento do
PIB de 6% a 7% ao ano nesta década e de 3% a 6% a partir de 2020.
Nesse contexto, países que dependem da compra de
produtos primários como aço, minérios e petróleo pela China (como por exemplo
aquele que fica entre o Uruguai e a Venezuela) podem esperar sentados por um
outro boom de commodities.
Se por um lado a desaceleração da China deverá
quebrar o Brasil, por outro ela também poderá salvar a implementação do Acordo
de Paris. “É bem possível que as emissões caiam modestamente, implicando que
2014 foi o pico”, escrevem os britânicos, afirmando que a meta anunciada pela
China antes do Acordo de Paris – atingir pico de emissões até 2030 – foi
provavelmente muito conservadora.
Melhor ainda: aparentemente, prosseguem, a China
está num curso quase irremediável de declínio de emissões: para crescer 6% ao
ano na próxima década, o país precisará fazer reformas que implicam em mais
inovação e mais energia limpa; se crescer 3%, as emissões naturalmente cairão
em relação à taxa surreal do começo deste século.
Menos carvão
O novo Plano Quinquenal da China, cuja primeira
versão foi apresentada ao parlamento chinês no sábado (5/3), aparentemente
corrobora a análise dos britânicos.
A China propõe limitar o consumo de energia em 5
bilhões de toneladas de carvão em 2020, além de reduzir o uso de energia em 15%
e a intensidade de carbono em 18%, de acordo com a agência de notícias Reuters.
O governo chinês considera uma taxa de crescimento de 6,5% a 7% ao ano no
período.
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, afirmou
que, em 2020, 60% do crescimento econômico da China virá de melhorias em
ciência e tecnologia. “Precisamos nos mover mais rápido para transformar a
China em um fabricante de produtos avançados e de qualidade”, disse. Em 2015,
já houve uma queda de 3,7% no uso de carvão na comparação com o ano anterior,
com ascensão das renováveis.
O plano para os próximos cinco anos cita uma
“revolução energética”, por meio de um sistema de energia “moderno, limpo, de
baixo carbono e eficiente”, segundo a imprensa estatal chinesa. Também há
destaque para o mercado de veículos elétricos. As medidas dependem de aprovação
do Parlamento.
As metas incluem ainda “aplicar o mais estrito
sistema de proteção ambiental”, com esforços do governo, das empresas e do
público, honrar os compromissos climáticos e participar profundamente na gestão
global do clima. A China apresentou às Nações Unidas o compromisso de reduzir
em até 65% suas emissões de gases de efeito estufa por unidade do PIB até 2030
em relação a 2005.
Fonte: Observatório do Clima
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