quarta-feira, 6 de abril de 2016

Mulheres são essenciais para a ciência.
LakshmiPuri. Foto: IPS

Por Lakshmi Puri*

Nações Unidas, 25/2/2016 – Imagine-se um dia inteiro sem acesso ao seu telefone celular, seu computador portátil, ou mesmo à internet. Em nosso mundo de constantes mudanças, você poderia funcionar sem a tecnologia ao seu alcance? Em todo o planeta, especialmente no Sul em desenvolvimento, o uso da tecnologia e o acesso a ela nem sempre são fáceis. Isso é particularmente certo para as mulheres e as meninas.

Nos países de rendas baixa e média, uma mulher tem 21% menos probabilidade de ter um telefone celular do que um homem, e o mesmo ocorre com relação ao acesso à internet.Embora as possibilidades de progresso científico e tecnológico sejam praticamente ilimitadas, as mulheres e as meninas estão ausentes nesses campos, especialmente no que se refere à criação e tomada de decisões nos setores que transformam nosso mundo cotidiano.

Em setembro de 2015, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 11 de fevereiro Dia Internacional da Mulher e da Menina na Ciência. Coincidindo com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou a Agenda 2030, e a convocação para a igualdade de gênero em geral – que o Objetivo 5 inclui especificamente–, este dia tem o potencial de repercutir em todo o mundo.

A ciência e a tecnologia têm a ver com o cotidiano. Têm o poder de alterar e mudar as trajetórias, já que influem cada vez mais em todos os aspectos da vida, como as oportunidades econômicas e a aplicação de soluções em outros setores produtivos.A ciência e a tecnologia poderiam ajudar as mulheres a criar empresas, melhorar os resultados sanitários (entre eles a saúde sexual e reprodutiva), a energia, o ambiente e a gestão dos recursos naturais, bem como o desenvolvimento da infraestrutura.

Vemos oportunidades, especialmente mediante a tecnologia da informação e da comunicação (TIC), para melhorar a educação, as oportunidades de aprendizagem e o desenvolvimento de aptidões, para o diálogo com a juventude, a participação política e para que mulheres e meninas defendam seus interesses, seus direitos e a transformação social.

As oportunidades econômicas são inúmeras. Calcula-se que o valor dos setores da mudança climática e das tecnologias limpas chegará,na próxima década, a US$ 6,4 bilhões, e que o valor da economia digital, somente no Grupo dos 20 países industrializados, é de US$ 4,2 bilhões.

Existe uma grande disparidade de oportunidades com relação aos trabalhadores qualificados digitalmente, de 200 milhões de pessoas. Calcula-se que até 90% dos empregos do setor formal exigirão formação em TIC. Na energia e na agricultura serão necessários, somente na África subsaariana, 2,5 milhões de engenheiros e técnicos para melhorar o acesso à água limpa e ao saneamento.

A ciência e a tecnologia são intrínsecas ao desenvolvimento sustentável, à cidadania e à capacitação pessoal. Os ODS reconhecem essa realidade mediante a inclusão de um indicador de meio de aplicação que oriente a comunidade mundial no sentido de “melhorar o uso da tecnologia instrumental, em particular a tecnologia da informação e das comunicações, para promover o empoderamento da mulher” (Objetivo 5b).

A capacidade das mulheres para terem acesso e se beneficiarem desses setores, bem como de influir neles, terá um impacto direto na possibilidade de conseguirmos nossos objetivos para um planeta 50:50 até 2030. Se as mulheres são excluídas dessas revoluções do século 21, não conseguiremos a igualdade entre os gêneros.

O contexto do Financiamento para o Desenvolvimento estabelece os vínculos adicionais entre a igualdade de gênero, o empoderamento das mulheres, e a ciência e tecnologia. Com o estabelecimento do Mecanismo da Tecnologia (que será guiado por um painel de alto nível, integrado em 50% por mulheres), teremos a oportunidade de colocar em prática e promover o aprendizado e o investimento em torno dessas conjunturas fundamentais.

A Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher (em 2011 e 2014) e a revisão 20 anos depois da Plataforma de Ação de Pequim (2015) abordaram esse complexo tema das meninas e das mulheres na ciência e na tecnologia, e apresentaram várias recomendações.Foram identificadas boas práticas novas e estabelecidas, mas temos a necessidade urgente de ampliar os êxitos de todos os interessados e vincular os bons enfoques entre si, para construir caminhos e soluções mais completos.

A revisão dos dez anos da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) também reforçou os compromissos em torno da igualdade de gênero e do papel da ONU Mulheres. Um plano de ação que sintetiza os compromissos de gênero e as TIC,por meio de inúmeros marcos normativos, incluída a CMSI, também foi apresentado para fomentar a participação dos interessados. Não se pode subestimar a urgente necessidade de se acelerar a aplicação de todos esses compromissos e recomendações.

A evidência mostra que os avanços não são automáticos. O número de mulheres em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTIM) diminui progressivamente da escola secundária para a universidade, nos laboratórios, no ensino, na formulação de políticas e na tomada de decisões.Há grandes disparidades no acesso das mulheres à participação e à liderança dentro dos setores de ciência e tecnologia, embora ocupem os primeiros lugares no uso de energia, na adaptação à mudança climática, na produção econômica e possuam extensos conhecimentos tradicionais.

No setor formal da ciência e tecnologia, as mulheres em todo o mundo constituem menos de 10% do pessoal nos centros de inovação, dos quais recebem fundos de investidores, e apenas 5% das integrantes das academias nacionais em disciplinas científicas e tecnológicas.

É bem acentuadaa falta de conexão entre a interação prática e habitual das mulheres com a ciência e tecnologia, e sua capacidade formal para aproveitar esses setores e conseguir que seus conhecimentos, suas perspectivas e sua liderança sejam valorizados. As razões dessa ausência de conexão são muitas, e incluem falta de acesso a tecnologia, educação e investimento, ambientes de trabalho com escasso apoio, crenças culturais e estereótipos.

Em nível mundial, as meninas começam a se afastar dos cursos de CTIM na escola secundária. As atitudes sociais e os preconceitos são obstáculos à sua participação, já que ciência e tecnologia costumam ser consideradas um domínio masculino.

A ONU Mulheres trabalha para que as mulheres e as meninas participem desses setores, com muitos programas dedicados a aproveitar o poder das TIC. Realizamos iniciativas de educação digital e desenvolvimento de aptidões em TIC no Afeganistão, Guatemala e Jordânia, entre outros países, e apoiamos sistemas de pagamento e de informação por celulares para os agricultores e as mulheres de pequenas empresas em Papua-Nova Guiné e na África oriental.

A ONU Mulheres também apoia o desenvolvimento de aplicativos e jogos por celulares para sensibilizar sobre a violência de gênero e apoiar as sobreviventes no Brasil e na África do Sul. Nos associamos com a União Internacional de Telecomunicações para lançar um novo prêmio de tecnologia internacional, que reconheça as contribuições de destaque de mulheres e homens no aproveitamento das TIC para promover a igualdade de gênero.No âmbito das políticas, nos dedicamos em nível mundial e nacional à promoção das meninas e das mulheres nas CTIM.

No Dia Internacional da Mulher e da Menina na Ciência, devemos celebrar os incríveis êxitos das mulheres na ciência, tecnologia e inovação, mas também galvanizar a comunidade mundial para que se esforce mais em conseguir que a participação feminina no setor formal não seja a exceção, mas a norma, enquanto no setor informal, onde impera o engenho das mulheres, estas sejam reconhecidas e tenham apoio.

*Laksmi Purié subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e diretora executiva adjunta da ONU Mulheres.


Fonte: ENVOLVERDE

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