sexta-feira, 1 de abril de 2016

Horta milenar luta contra a extinção.
Um camponês transporta por um canal de Xochimilco o que acaba de colher em um cultivo chinampa, um sistema ancestral que aproveita as terras úmidas de municípios da área metropolitana da Cidade do México e fornece verduras à sua população. Mas esta técnica asteca está ameaçada pelo urbanismo e a contaminação. Foto: Emilio Godoy/IPS

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Xochimilco, México, 29/2/2016 – O mexicano David Jiménez cultiva duas variedades de alface e outras plantas em sua chinampa de menos de um hectare no povoado de San Gregorio Atlapulco, no sul da Cidade do México.“Pode haver cinco ou seis colheitas ao ano. A alface pode crescer em 30 dias”, contou à IPS este entusiasmado produtor, presidente da cooperativa La Casa de la Chinampa, integrada por seis sócios e que funciona dentro de Xochimilco, um dos 16 municípios da megalópole capital.

O ejido (terra de exploração coletiva) em que Jiménez tem sua plantação tem uma área de 800 hectares, dos quais metade abriga chinampas, e onde vivem 800 proprietários que se dedicam majoritariamente à produção de verduras.

O sistema de chinampas, termo que provém da palavra chinampi, que em língua indígena náhuatl significa “o lugar do terreno fértil das flores”, já era praticado pelos povos originários muito antes da chegada dos conquistadores espanhóis no século 15. A técnica desenvolvida pelos astecas se baseia na construção de quadros de cultivo nas terras úmidas da microrregião, mediante cercas de estacas de ahuejot (salgueiro), uma arvore típica deste ecossistema e cuja virtude é suportar o excesso de água.

O fundo da chinampa é rico em lama e dejetos orgânicos, os quais fornecem os nutrientes para o desenvolvimento das plantas, que crescem sobre a água, em seus tipos de terra adentro, semeadas nas margens e irrigadas com água dos canais e de uma lagoa. Graças a isso, os vegetais e as verduras contêm altos níveis nutricionais, fixados pela interação do ecossistema.

A zona chinampera, a horta que alimenta os 21 milhões de pessoas da Cidade do México e sua área metropolitana, se preserva nas demarcações metropolitanas de Milpa Alta, Tláhuac e Xochimilco. O sistema de chinampas é utilizadoem uma superfície total de 750 hectares, onde cultivam cerca de cinco mil produtores. O esquema é rentável para eles, pois a cada dia saem de seus plantios cerca de 80 toneladas de verduras.

Para cada alface recebem US$ 0,10, calcula Jiménez, sem deixar de cuidar de uma das fileiras dessa verdura em sua plantação. Hortaliças como espinafre, acelga, rabanete, salsa, coentro, couve-flor, aipo, hortelã, cebolinha, provêm desses jardins flutuantes. Essa colagem de folhas é o cartão-postal que o visitante divisa ao adentrar pelos caminhos, que o levam a um tapete segmentado em retângulos plantados e artérias de água que os alimentam.

O sistema retém água, produz peixes, vegetais, flores e plantas medicinais, não está exposto à seca, e economiza água, em comparação com a irrigação nacional. Além disso, os estudos sobre as chinampasindicam que repele as pestes, são mais produtivas do que os esquemas agrícolas convencionais e permite a produção de biomassa. A modalidade é totalmente sustentável, pois mantém a umidade na área, beneficiando a microbiótica do solo. e regula o microclima da região.
O agricultor David Jiménez diante de uma fileira de ervas cultivadas em sua propriedade em San Gregorio de Atlapulco, em Xochimilco, município da Cidade do México, onde sobrevive a chinampa, milenar técnica asteca que aproveita as terras úmidas da região. Foto: Emilio Godoy

Ricardo Rodríguez, fundador e diretor da empresa Da Chinampa à Mesa, idealizou uma forma de aliar as técnicas tradicionais de produção e as novas tecnologias, ao comercializar as hortaliças via redes sociais. Assim, colhe as verduras na área natural de Cuemanco, em Xochimilco, registra clientes em sua página, processa a compra e entrega em domicílio.

“Gera-se demanda para que continuem plantando e tenham motivos para cultivar a terra. Isso faz com que sejam restauradas as chinampas. O mercado reconhece o valor da chinamperia, e começa a reconhecer sua produção agrícola”, afirmou Rodríguez à IPS.Ele trabalha com 22 chinamperos, que colhem aproximadamente 15 hectares e plantam brócolis, espinafre, salsa e rabanete. Ele processa cerca de oito pedidos diários, com peso médio de oito quilos, já tem 450 clientes cadastrados e coloca as verduras nas lojas e restaurantes orgânicos.

Xochimilco, habitado por mais de 415 mil pessoas em cerca de 125 quilômetros quadrados, pertence desde 1987 aos Sítios Patrimônio Mundial Natural e Cultural, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Além disso, seu sistema lacustre faz parte, desde 2004, da Convenção Relativa às Terras Úmidas de Importância Internacional, conhecida como Convenção Ramsar, especialmente como habitat de aves aquáticas.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) cataloga as chinampas dentro dos Sistemas Engenhosos do Patrimônio Agrícola Mundial, pois conservam a agrobiodiversidade, adaptam os cultivadores à mudança climática, garantem a segurança alimentar e combatem a pobreza.Para Marco Covarrubias, coordenador do Centro de Gastronomia da Universidade do Claustro de Soror Juana (privada), com sede na Cidade do México, seu valor alimentar é muito importante.

“Avantagem é que as plantas estão em contato permanente com a água e, ao contrário de outros sistemas, não irrigadas por cima. O valor nutritivo seobtém a partir do fato de uma boa chinampa estar livre de pesticidas, inseticidas ou agroquímicos, um valor agregado destacável”, ressaltouCovarrubias à IPS.A urbanização, o uso irregular de pesticidas, a mudança climática, a excessiva exploração aquífera e o abandono cravaram seus punhais nas entranhas da chinampa, segundo um estudo da Autoridade da Zona Patrimônio (AZP) Mundial, Cultural e Natural da Humanidade em Xochimilco, Tláhuace Milpa Alta.

A AZP, criada em 2014, é a responsável por administrar a preservação do especial ecossistema na área e assim manter as designações da Unesco e Ramsar. “Qualquer resgate deve levar em conta os produtores e o entorno cultural, no qual a chinampa se desenvolve. É uma cultura pouco apreciada, os planos de restauração não são cumpridos”, apontou Jiménez.

Sua cooperativa decidiu converter dois hectares de seu terreno em uma parcela demonstrativa dos benefícios da modalidade para os visitantes. Além disso, no dia 22 deste mês, iniciou um programa de difusão em escolas da região, que inclui uma visita virtual pela área de chinampas. Com financiamento público de US$ 6,4 mil, apostam em conscientizar cerca de seis mil estudantes de sete escolas primárias e secundárias de Xochimilco.

A autoridade ambiental enfrenta a austeridade para proteger a região. Se em 2015 contou com orçamento de US$ 700 mil, essa quantia caiu este ano para US$400 mil. Desde 2013, a AZP apoia 174 projetos de melhoria ambiental e cultural, mas se desconhece seu impacto sobre as chinampas. Além disso, em março de 2014 o Fundo Francês para o Ambiente Mundial doou US$ 1,65 milhões para a conservação da área.

Em seu informe de outubro de 2014,Reabilitação da Rede Chinamperae do Habitat de Espécies Nativas deXochimilco, o Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México (pública) sugeriu que a restauração deve ser prioritária por sua importância ecológica, econômica e social.Por essa razão recomendou a promoção do modelo chinampa-refúgio, “já que isto representa múltiplos benefícios para o melhoramento das condições de água, ao mesmo tempo em que impulsiona as atividades produtivas sustentáveis como estratégia para evitar o avanço da zona urbana”.

“É preciso maior atenção sobre a zona chinampera, observá-la como de altíssimo potencial de produção, e criar uma política pública que vincule as pessoas que vivem nas chinampas e delas e, desde elas, se consiga concatenar os compradores diretos. É uma boa opção, à qual ser deve dar mais atenção”, afirmou Covarrubias.Sua universidade organiza desde 2014 o programa La Chinampería, para vincular produtores e compradores.

Além disso, este ano executa outro plano de pesquisa aplicada para fomentar as cadeias de valor, do qual participam 15 produtores chinamperos.“Faltam programas de conscientização para que os descendentes comecem a recuperar as chinampas, melhorem seus sistemas de limpeza e sejam reconhecidos como produtores”, pontuou Rodríguez, que organiza as visitas “tour-consciência” para mostrar o papel das chinampas na segurança alimentar e a importância da pequena agricultura.

O empresário quer criar um mercado de produtores em Cuemanco, gerar uma denominação de origem para Xochimilco, para que o valor comercial da produção aumente, e instalar um centro de armazenamento.


Fonte: ENVOLVERDE

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