Horta
milenar luta contra a extinção.
Um camponês transporta por um canal de Xochimilco o
que acaba de colher em um cultivo chinampa, um sistema ancestral que aproveita
as terras úmidas de municípios da área metropolitana da Cidade do México e
fornece verduras à sua população. Mas esta técnica asteca está ameaçada pelo
urbanismo e a contaminação. Foto: Emilio Godoy/IPS
Por Emilio Godoy, da IPS –
Xochimilco, México, 29/2/2016 – O mexicano David
Jiménez cultiva duas variedades de alface e outras plantas em sua chinampa de
menos de um hectare no povoado de San Gregorio Atlapulco, no sul da Cidade do
México.“Pode haver cinco ou seis colheitas ao ano. A alface pode crescer em 30
dias”, contou à IPS este entusiasmado produtor, presidente da cooperativa La
Casa de la Chinampa, integrada por seis sócios e que funciona dentro de
Xochimilco, um dos 16 municípios da megalópole capital.
O ejido (terra de exploração coletiva) em que
Jiménez tem sua plantação tem uma área de 800 hectares, dos quais metade abriga
chinampas, e onde vivem 800 proprietários que se dedicam majoritariamente à
produção de verduras.
O sistema de chinampas, termo que provém da palavra
chinampi, que em língua indígena náhuatl significa “o lugar do terreno fértil
das flores”, já era praticado pelos povos originários muito antes da chegada
dos conquistadores espanhóis no século 15. A técnica desenvolvida pelos astecas
se baseia na construção de quadros de cultivo nas terras úmidas da
microrregião, mediante cercas de estacas de ahuejot (salgueiro), uma arvore
típica deste ecossistema e cuja virtude é suportar o excesso de água.
O fundo da chinampa é rico em lama e dejetos
orgânicos, os quais fornecem os nutrientes para o desenvolvimento das plantas,
que crescem sobre a água, em seus tipos de terra adentro, semeadas nas margens
e irrigadas com água dos canais e de uma lagoa. Graças a isso, os vegetais e as
verduras contêm altos níveis nutricionais, fixados pela interação do
ecossistema.
A zona chinampera, a horta que alimenta os 21
milhões de pessoas da Cidade do México e sua área metropolitana, se preserva
nas demarcações metropolitanas de Milpa Alta, Tláhuac e Xochimilco. O sistema
de chinampas é utilizadoem uma superfície total de 750 hectares, onde cultivam
cerca de cinco mil produtores. O esquema é rentável para eles, pois a cada dia
saem de seus plantios cerca de 80 toneladas de verduras.
Para cada alface recebem US$ 0,10, calcula Jiménez,
sem deixar de cuidar de uma das fileiras dessa verdura em sua plantação.
Hortaliças como espinafre, acelga, rabanete, salsa, coentro, couve-flor, aipo,
hortelã, cebolinha, provêm desses jardins flutuantes. Essa colagem de folhas é
o cartão-postal que o visitante divisa ao adentrar pelos caminhos, que o levam
a um tapete segmentado em retângulos plantados e artérias de água que os
alimentam.
O sistema retém água, produz peixes, vegetais,
flores e plantas medicinais, não está exposto à seca, e economiza água, em
comparação com a irrigação nacional. Além disso, os estudos sobre as
chinampasindicam que repele as pestes, são mais produtivas do que os esquemas
agrícolas convencionais e permite a produção de biomassa. A modalidade é
totalmente sustentável, pois mantém a umidade na área, beneficiando a
microbiótica do solo. e regula o microclima da região.
O agricultor David Jiménez diante de uma fileira de
ervas cultivadas em sua propriedade em San Gregorio de Atlapulco, em
Xochimilco, município da Cidade do México, onde sobrevive a chinampa, milenar
técnica asteca que aproveita as terras úmidas da região. Foto: Emilio Godoy
Ricardo Rodríguez, fundador e diretor da empresa Da
Chinampa à Mesa, idealizou uma forma de aliar as técnicas tradicionais de
produção e as novas tecnologias, ao comercializar as hortaliças via redes
sociais. Assim, colhe as verduras na área natural de Cuemanco, em Xochimilco,
registra clientes em sua página, processa a compra e entrega em domicílio.
“Gera-se demanda para que continuem plantando e
tenham motivos para cultivar a terra. Isso faz com que sejam restauradas as
chinampas. O mercado reconhece o valor da chinamperia, e começa a reconhecer
sua produção agrícola”, afirmou Rodríguez à IPS.Ele trabalha com 22
chinamperos, que colhem aproximadamente 15 hectares e plantam brócolis,
espinafre, salsa e rabanete. Ele processa cerca de oito pedidos diários, com
peso médio de oito quilos, já tem 450 clientes cadastrados e coloca as verduras
nas lojas e restaurantes orgânicos.
Xochimilco, habitado por mais de 415 mil pessoas em
cerca de 125 quilômetros quadrados, pertence desde 1987 aos Sítios Patrimônio
Mundial Natural e Cultural, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco). Além disso, seu sistema lacustre faz parte, desde
2004, da Convenção Relativa às Terras Úmidas de Importância Internacional,
conhecida como Convenção Ramsar, especialmente como habitat de aves aquáticas.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura
e a Alimentação (FAO) cataloga as chinampas dentro dos Sistemas Engenhosos do
Patrimônio Agrícola Mundial, pois conservam a agrobiodiversidade, adaptam os
cultivadores à mudança climática, garantem a segurança alimentar e combatem a
pobreza.Para Marco Covarrubias, coordenador do Centro de Gastronomia da
Universidade do Claustro de Soror Juana (privada), com sede na Cidade do
México, seu valor alimentar é muito importante.
“Avantagem é que as plantas estão em contato
permanente com a água e, ao contrário de outros sistemas, não irrigadas por
cima. O valor nutritivo seobtém a partir do fato de uma boa chinampa estar
livre de pesticidas, inseticidas ou agroquímicos, um valor agregado
destacável”, ressaltouCovarrubias à IPS.A urbanização, o uso irregular de
pesticidas, a mudança climática, a excessiva exploração aquífera e o abandono
cravaram seus punhais nas entranhas da chinampa, segundo um estudo da Autoridade
da Zona Patrimônio (AZP) Mundial, Cultural e Natural da Humanidade em
Xochimilco, Tláhuace Milpa Alta.
A AZP, criada em 2014, é a responsável por
administrar a preservação do especial ecossistema na área e assim manter as
designações da Unesco e Ramsar. “Qualquer resgate deve levar em conta os
produtores e o entorno cultural, no qual a chinampa se desenvolve. É uma
cultura pouco apreciada, os planos de restauração não são cumpridos”, apontou
Jiménez.
Sua cooperativa decidiu converter dois hectares de
seu terreno em uma parcela demonstrativa dos benefícios da modalidade para os
visitantes. Além disso, no dia 22 deste mês, iniciou um programa de difusão em
escolas da região, que inclui uma visita virtual pela área de chinampas. Com
financiamento público de US$ 6,4 mil, apostam em conscientizar cerca de seis
mil estudantes de sete escolas primárias e secundárias de Xochimilco.
A autoridade ambiental enfrenta a austeridade para
proteger a região. Se em 2015 contou com orçamento de US$ 700 mil, essa quantia
caiu este ano para US$400 mil. Desde 2013, a AZP apoia 174 projetos de melhoria
ambiental e cultural, mas se desconhece seu impacto sobre as chinampas. Além
disso, em março de 2014 o Fundo Francês para o Ambiente Mundial doou US$ 1,65
milhões para a conservação da área.
Em seu informe de outubro de 2014,Reabilitação
da Rede Chinamperae do Habitat de Espécies Nativas deXochimilco, o
Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México (pública)
sugeriu que a restauração deve ser prioritária por sua importância ecológica,
econômica e social.Por essa razão recomendou a promoção do modelo
chinampa-refúgio, “já que isto representa múltiplos benefícios para o
melhoramento das condições de água, ao mesmo tempo em que impulsiona as
atividades produtivas sustentáveis como estratégia para evitar o avanço da zona
urbana”.
“É preciso maior atenção sobre a zona chinampera,
observá-la como de altíssimo potencial de produção, e criar uma política
pública que vincule as pessoas que vivem nas chinampas e delas e, desde elas,
se consiga concatenar os compradores diretos. É uma boa opção, à qual ser deve
dar mais atenção”, afirmou Covarrubias.Sua universidade organiza desde 2014 o
programa La Chinampería, para vincular produtores e compradores.
Além disso, este ano executa outro plano de
pesquisa aplicada para fomentar as cadeias de valor, do qual participam 15
produtores chinamperos.“Faltam programas de conscientização para que os
descendentes comecem a recuperar as chinampas, melhorem seus sistemas de
limpeza e sejam reconhecidos como produtores”, pontuou Rodríguez, que organiza
as visitas “tour-consciência” para mostrar o papel das chinampas na segurança
alimentar e a importância da pequena agricultura.
O empresário quer criar um mercado de produtores em
Cuemanco, gerar uma denominação de origem para Xochimilco, para que o valor
comercial da produção aumente, e instalar um centro de armazenamento.
Fonte: ENVOLVERDE
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