Agroecologia
cubana em teste.
Uma trabalhadora da fazenda Marta, impulsionada por
um dos históricos promotores da agroecologia em Cuba, colhe alface produzida de
forma orgânica, no município Caimito, na província ocidental de Artemisa. Foto:
Jorge LuisBaños/IPS
Por Ivet González, da IPS –
Havana, Cuba, 14/3/2016 –Os Estados Unidos reiteram
interesse em comprar alimentos orgânicos cubanos, quando a aproximação entre os
dois países permitir. Quando esse dia chegar, o setor agroecológico da ilha
poderá não estar preparado, segundo seus protagonistas.“O impacto estará
condicionado por vários fatores, entre eles a capacidade dos agricultores de
planejar, implantar e avaliar modelos de negócios agroecológicos que respondam
aos mercados nacional e internacional”, apontou à IPS um dos fundadores do
movimento verde no agronegócio cubano, Humberto Ríos.
A possível oportunidade no grande e exigente
mercado norte-americano colocará à prova a capacidade de resposta dos cultivos
orgânicos no país. “Os agricultores sabem produzir sem agroquímicos, mas isso
não é suficiente para o desenvolvimento da agroecologia”, explicou por e-mail
esse pesquisador, que atualmente trabalha na Espanha, no Centro Internacional
paraa Pesquisa Agropecuária Voltada ao Desenvolvimento.
Cuba precisa de “uma política clara para o
crescimento econômico dos setores privado e cooperativo interessados em
oferecer produtos e serviços agroecológicos”, afirmou Ríos, ganhador, em 2010,
do Prêmio Ambiental Goldman, conhecido como Nobel Verde.Ele foi premiado por
seu trabalho no Projeto de Inovação Agropecuária Local (Pial), que desde
2000ensina, com cooperação internacional, a melhora participativa de sementes e
outras técnicas ecológicas para 50 mil pessoas em 45 dos 168 municípios
cubanos.
Ríos recordou a teoria de que a atual abertura
econômica de Cuba possa ter um impacto positivo ou devastador. Vozes
especializadas qualificam a agroecologia cubana como “filha da necessidade”,
porque nasceu quando, em 1991, desapareceram os insumos que até então eram garantidos
pelos países do extinto bloco soviético. “Se não forem tomadas medidas e
resolvidos assuntos pendentes, provavelmente a invasão da agricultura
convencional e seus produtos vai tragar os mais de 25 anos de agroecologia”,
acrescentou.
Já houve variadas iniciativas dos Estados Unidos
para impulsionar uma abertura bilateral no setor agropecuário, desde que
começou o degelo entre os dois países, em dezembro de 2014, e espera-se que se
multipliquem com a histórica visita que o presidente Brack Obama fará a Havana
nos dias 21 e 22 deste mês.No município montanhoso de La Palma, onde o então
jovem Ríos começou a trabalhar com um punhado de camponeses na localidade da
província de Pinar delRío, no extremo ocidental do país, agora os ativistas do
cultivo verde já percebem algumas das ameaças anunciadas.
Mulher colhe vagem orgânica na propriedade La
Sazón, no bairro de Casino Deportivo, em Havana, que faz parte do sistema de
agricultura urbana de Cuba. Foto: Jorge LuisBaños/IPS.
“O auge dos cultivos potencializados é uma
debilidade”, afirmou Elsa Dávalos, da Associação Nacional de Pequenos
Agricultores de La Palma e coordenadora do movimento agroecológico na
localidade, onde 500 de um total de 1.127 propriedades cultivam alimentos sem o
uso de produtos químicos.Dávalos contou que são chamados de “potencializados”os
cultivos priorizados pelo ramo agrícola, que vêm junto com um pacote
tecnológico químico, como, por exemplo, milho e feijão. “Muitos produtores
optam por eles para obter grandes colheitas sem muito trabalho”, lamentou em
conversa com a IPS no município.
Essa opção cresceu no agronegócio cubano depois que
o governo de Raúl Castro começou, em 2008, uma reforma econômica com o foco
voltado à produção agrícola, para reduzir a fatura anual de US$ 2 bilhões com
importação de alimentos.Até agora as medidas aplicadas, como entrega de terras
em usufruto, permitiram crescimentos modestos na agricultura, de 3,1% em 2015,
que são considerados insuficientes para atender a demanda interna e diminuir os
elevados preços dos alimentos, que se tornaram impossíveis de deter.
O setor produtivo se queixa, entre outras coisas,
da carência de insumos como fertilizantes, máquinas e sistemas de irrigação,
escassez de força de trabalho, pouco acesso a serviços complementares, entraves
burocráticos e fraca industrialização para aproveitar excedentes em conservas.
As propriedades ecológicas nadam em meio a essas dificuldades gerais e às
próprias desse tipo de agricultura mais exigente.
“É muito difícil o camponês atender todas suas funções
e também arrumar tempo para produzir os insumos ecológicos necessários”,
pontuouYoan Rodríguez, coordenador do Pial em La Palma, sobre uma realidade que
as áreas de produção orgânica evitam.Para elevar os rendimentos, “algumas
pessoas devem se especializar em obter apenas os insumos como micro-organismos
eficientes, compostagem e húmus de minhoca”, acrescentou à IPS esse pesquisador
que impulsiona a melhora dos serviços agroecológicos na localidade, para apoiar
e atrair os produtores.
“Há certa abertura de Cuba para o mundo e ainda
mais com as negociações com os Estados Unidos. De alguma maneira chegarão
também insumos químicos que saturam o mercado agrícola global. Será bem difícil
manter o trabalho conquistado durante tantos anos”, advertiu Rodríguez.Outros
fatores que desanimam o movimento no país são a quase nula certificação dos
produtos agroecológicos e a ausência de preços diferenciados e competitivos
para os alimentos orgânicos nas empresas estatais, às quais cooperativas e
camponeses independentes estão obrigados a vender grande parte de sua produção.
Entretanto, o Pial e outras iniciativas traçam
novas estratégias para também aproveitar as oportunidades que se abrem com a
reforma e com a reinserção internacional. Com uma posição privilegiada entre a
capital e a Zona Especial de Desenvolvimento Mariel, a fazenda Marta, que fica
na província de Artemisa, produz, sem uso de químicos, vegetais e hortaliças
vendidaspara 25 restaurantes de luxo de Havana, entre outros.
Membros da Coalizão Agrícola Norte-Americana por
Cuba, integrada por 30 empresas agroalimentares, visitam a cooperativa Primeiro
de Mayo em Güira de Melena, na província cubana de Artemisa. Foto: Jorge
LuisBaños/IPS,
“Temos boa conexão com os mercados e vendemos o
suficiente para valorizar o que fazemos”, contou Fernando Funes-Monzote, outro
fundador do movimento agroecológico no país, que em 2011 iniciou esse projeto,
onde atualmente trabalham 16 pessoas. “A aposta era demonstrar que é possível
desenvolver aqui um projeto familiar ecologicamente sustentável, socialmente
justo e economicamente viável”, disse à IPS.
Enquanto isso acontece, o interesse pela
agricultura ecológica cubana é reiterado pelas visitas ao país de empresários e
funcionários norte-americanos do setor, que se destacam entre os promotores
mais ativos para que seja consolidada a normalização das relações entre Estados
Unidos e Cuba, separados por apenas 90 milhas náuticas.O maior exemplo são as
30 companhias do setor dos Estados Unidos da Coalizão Agrícola Norte-Americana
por Cuba (Usac), que nasceu em janeiro de 2015 para contribuir para a anulação
do embargo que seu país mantém contra a ilha desde 1962.
Inclusive o Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos pediu ao Congresso financiamento para que cinco funcionários trabalhem
em tempo integral em solo cubano, para preparar o caminho para que o comércio e
os investimentos arranquem quando desaparecerem as restrições atuais.Também é
significativo que a primeira fábrica norte-americana a se instalar em Cuba em
mais de meio século, após receber a aprovação de seu governo em fevereiro, seja
uma unidade para montar mil tratores por ano, destinados a agricultores
independentes, que funcionará na zona de Mariel.
Por uma exceção ao embargo de 2000, Cuba pode
adquirir à vista alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, o que diminuiu
nos últimos anos, porque a ilha encontrou facilidades de créditos em outros
mercados. Em 2015, as compras de alimentos somaram apenas US$ 120 milhões
contra os US$ 291 milhões de 2014, segundo o Conselho Econômico e Comercial
Estados Unidos Cuba.
Agroecologia, escassa em números
As estatísticas cubanas sobre alimentos orgânicos e
fazendas agroecológicas são escassas e dispersas por municípios e programas. A
iniciativa nacional que oferece números com maior frequência é o Programa
Nacional de Agricultura Urbana, Suburbana e Familiar, que promove a plantação
nas cidades sem uso de produtos químicos.
Nessa modalidade são cultivados 8.438 hectares, dos
quais 1.293 nos chamados organopônicos, pequenas áreas urbanas atendidas por
diaristas, com 6.875 hectares de hortas intensivas e 270 de cultivos
semiprotegidos.Os quintais e as áreas em zonas urbanas e suburbanas produziram
um total de 1.257.500 toneladasem 2015, em sua maioria vegetais, o que
representou 2.500 toneladas a menos do que no ano anterior.
Fonte: ENVOLVERDE
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