Soda
cáustica restaura coral vítima de CO2.
Platô coralino tingido durante experimento na
Austrália. Foto: Ken Caldeira/Nature.
Pesquisadores simularam condições químicas da água
do mar no período pré-industrial e viram recife crescer; estudo sugere que acidificação
dos oceanos já impacta esses ecossistemas.
Por Claudio Angelo, do OC –
Despejar uma mistura de soda cáustica e corante
sobre um recife de coral numa região que é patrimônio da humanidade parece uma
péssima ideia. Mas um grupo internacional de cientistas acaba de anunciar que
realizou esse experimento na Austrália, com o objetivo de tentar entender como
os gases de efeito estufa afetam a vida marinha. Os corais, aparentemente,
aprovaram o teste.
O trabalho foi liderado por Rebecca Albright, da Instituição
Carnegie, nos EUA, e seu orientador, Ken Caldeira, um pioneiro do estudo da
chamada acidificação dos oceanos. A ideia dos dois era mexer na química da água
de uma lagoa na Grande Barreira de Coral australiana, de forma a simular as
condições pré-industriais. Então eles mediriam a reação do recife.
Os cientistas sabem que os oceanos estão mais
ácidos no mundo inteiro. Isso é um efeito colateral das emissões de gases de
efeito estufa que causam o aquecimento global. Grande parte das emissões
humanas de CO2 é absorvida pelo mar, onde o gás carbônico reage com a água
(H2O) e forma ácido carbônico (H2CO3). Isso reduz o pH da água do mar, ou seja,
ela fica mais ácida.
Para organismos que formam carapaças de calcário,
como moluscos, corais e várias espécies de plâncton, isso é mortal. A água mais
ácida dissolve lentamente essas estruturas, num fenômeno que já foi comparado a
uma grande osteoporose oceânica.
Mas existe um efeito adicional da acidificação,
igualmente perverso para os corais e outras criaturas: esses animais formam
suas carapaças ao absorver íons de carbonato (CO3–) da água e combiná-los com
cálcio para formar um mineral chamado aragonita. A reação do gás carbônico com
a água do mar também captura os íons de carbonato para formar duas moléculas de
bicarbonato (2HCO3–), essencialmente tirando o carbonato de circulação. O
bicarbonato é imprestável para fazer aragonita. Sem a matéria-prima, os corais
não conseguem formar sua carapaça – portanto, não crescem.
Como os recifes de coral são fundamentais para a
teia alimentar marinha e para a alimentação e os empregos de milhões de pessoas
no mundo inteiro, entender como a acidificação dos oceanos impacta esses
ecossistemas é importante. Mas isso tem sido difícil de quantificar, já que o
fenômeno da acidificação só foi descoberto na década passada, quando a química
do oceano já diferia muito da da era pré-industrial. Para saber quanto a
“osteoporose marinha” já havia afetado a taxa de crescimento dos recifes seria
preciso usar uma máquina do tempo.
Foi exatamente o que fizeram Albright, Caldeira e
colegas, num experimento descrito na edição de hoje do periódico Nature.
O grupo descobriu um recife na Grande Barreira de
Coral que poderia ser devolvido ao passado, por assim dizer. Formado por três
lagoas, o recife fica isolado do resto do oceano algumas horas por dia, durante
a maré baixa. Por acaso, a lagoa maior é também mais alta que a menor, e a água
escorre daquela para esta durante a maré baixa, por cima de um pequeno banco de
corais.
Os biólogos da Carnegie tiveram uma sacada: já
havia estimativas de quanto o pH da água da região havia caído desde o período
pré-industrial. O que eles precisavam fazer era corrigir esse pH. Para isso,
lançaram mão de um recurso velho conhecido de donos de aquário no mundo todo: o
hidróxido de sódio – a popular soda cáustica.
Num tanque de 15 mil litros instalado na lagoa
maior, os cientistas misturaram água do mar, um corante cor-de-rosa e 600
gramas de soda cáustica. Durante uma hora por dia, na maré baixa, essa mistura
fluía por cima do recife até a lagoa menor, em cuja borda os pesquisadores
coletavam amostras de água. Medindo a proporção entre corante e soda cáustica
na mistura entre uma lagoa e outra no começo e no final do experimento, durante
22 dias, eles conseguiriam estimar quanto da alcalinidade adicional fora
absorvida pelo recife.
Ao final do experimento, o grupo descobriu que a
taxa de crescimento dos corais cresceu 7% no período com soda cáustica. A
implicação disso é que, se os mares não estivessem mais ácidos, os corais
estariam crescendo mais – pelo menos naquela parte do mundo. É a primeira vez
que se consegue estimar de maneira experimental o efeito isolado da
acidificação sobre esse ecossistema.
“A acidificação dos oceanos já está cobrando seu
preço nas comunidades de recife de coral”, disse Albright em comunicado do
centro de pesquisas. “Isso não é mais um temor para o futuro; é a realidade
hoje.”
Essa correção de pH já foi cogitada por alguns como
um esquema de engenharia planetária para reverter a acidificação em áreas-chave
dos oceanos. Caldeira descarta a ideia. “A única maneira real e duradoura de
proteger os recifes é fazer cortes profundos nas nossas emissões de dióxido de
carbono.”
Fonte: Observatório do Clima
Nenhum comentário:
Postar um comentário