Cresce a desconfiança sobre represas.
Parte da área do município rural de Chicoasén, que será inundado pela segunda
represa a ser construída na localidade, no Estado de Chiapas, no sul do México.
Boa parte dos camponeses locais luta contra a nova central, pelos alegados
danos provocados em suas terras pela usina hidrelétrica Chicoasén I, construída
há 40 anos. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Chicoasén, México, 4/3/2016 – Em 1976, a construção
de uma central hidrelétrica dizimou as terras produtivas de Chicoasén, no sul
do México, e, 40 anos depois, parte de seus moradores luta contra um novo
despojo, com a construção de uma segunda represa na área. “Já destruíram tudo.
As terras são irreversíveis, já não se pode trabalhar. A represa afetou muito
nossa vida”, contou à IPS Antonio Herrera, neste município rural do Estado de
Chiapas.
Herrera denunciou que os camponeses não podem
entrar em suas terras, desde que a empresa estatal Comissão Federal de
Eletricidade (CFE) licitou, em janeiro de 2015, a construção da hidrelétrica
Chicoasén II no rio Grijalva e também reclamou o uso de parte de seu ejido,
um tradicional esquema de posse e exploração comunitária de terras públicas.
Um enorme braço mecânico arranha o terreno para
chupar areia e cascalho, enquanto Herrera, membro do Comitê Ejidal de
Chicoasén, mostra, à distância, o lugar da obra, onde um manto cor de palha
pintou a vegetação do entorno, agora modificada do verde para o café-claro.
A represa, com 240 megawatts (MW) de capacidade
instalada e custo de US$ 300 milhões, terá um canal aberto de 933,62 metros e
uma cortina de água de 30 metros de altura, com previsão de que comece a operar
em julho de 2018.O estudo de impacto ambiental, apresentado pela CFE ao
Ministério do Ambiente e consultado pela IPS, indica que a superfície requerida
totaliza 234 hectares, dos quais 188 são destinados à represa, localizada 850
quilômetros ao sul da Cidade do México, neste município de 5.159 habitantes,
território ancestral dos povos nahoa e zoque.
A CFE entregou a construção a um consórcio de três
empresas mexicanas mais a filial costarriquenha da corporação chinesa
Sinohydro. A geradora já expropriou 69 hectares para o novo empreendimento em
Chicoasén. Os prejudicados receberam cerca de US$ 2,3 mil por hectare.
Em 1951, o governo concedeu 3.440 hectares para a
constituição do ejido, uma extensão que mais do que duplicou em 1986,
com a cessão de outros 3.461 hectares, em beneficio de um total de 460
agricultores, dos quais cerca de 50 morreram e suas terras foram herdadas por
suas mulheres e filhos.A primeira represa, a cem quilômetros de distância da
segunda, tomou terras da cessão inicial, e a segunda represaas tomou da segunda
concessão.
Quando, em 1976, a CFE construiu a central
hidrelétrica Manuel Moreno Torres, mais conhecida como Chicoasén I, com
capacidade para gerar 2.400 MW, a empresa prometeu o pagamento de suas terras e
fornecimento do serviço de água potável, uma escola e uma clínica, ofertas que
até agora não foram concretizadas, de acordo comos ejidatários.
Agora, a história retorna com lembranças
envenenadas.“Não termos informação sobre a hidrelétrica. Não sabemos o que vai
acontecer com a população nas margens do rio. A CFE disse que tem permissão dos
ejidatários, mas não a demos. Se baseia em uma ata de assembleia falsa,
que tem assinaturas de proprietários mortos”, denunciou à IPS a filha de um ejidatário,
Claudia Solís.
Camponeses de Chicoasén, no Estado de Chiapas, no
México, com parcelas em um ejido (terreno público entregue para exploração
comunitária), a maioria de idade avançada, participam da organização de um
protesto contra a instalação de uma central hidrelétrica na área, que afetará
suas terras e sua forma de vida. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Para bloquear a nova represa, os afetados recorrem
a manifestações, greves de fome dos idosos e medidas legais, em um cenário em
que os ejidatários marcham divididos, porque um grupo deles apoia a
segunda represa. Os opositores, que são a maioria, com idades entre 60 e 90
anos, acompanhados de suas bengalas, seus chapéus de camponeses e suas
famílias, dedicam suas últimas energias a defender suas posses e mais ainda,
sua forma de vida.
Em dezembro de 2014, 62 proprietários entraram com
amparos legais individuais, que foram avaliados por um juiz federal em outubro
passado. Além disso, em março de 2015, apresentaram um amparo coletivo, que foi
aceito por outro juiz federal em maio do mesmo ano, sem que por isso a obra
tenha sido suspensa.A população local cultiva milho, abóbora, feijão, melancia,
melão, pesca na represa e atende os turistas que visitam a região.
Chiapas é o cenário de grandes projetos de energia
já construídos ou planejados pelo governo e pelas empresas. No Estado já operam
quatro represas, que fornecem 45% da capacidade elétrica do país, mais outras
três pequenas, dentro daquela que é a bacia hidrológica mexicana mais
importante.
A construção dessas usinas provocou sequelas nas
comunidades, a modificação do regime hidrológico, perda de cobertura vegetal,
deslocamento de fauna terrestre e desaparecimento de vários habitats, segundo
denúncias de ambientalistas e ejidatários feitas à IPS durante o último
protesto, até agora, contra a obra, e uma visita à área afetada.
No México, 13 grandes centrais hidrelétricas
fornecem mais de 10 mil MW anuais, dos quais 65 mil são gerados no país. No
Programa de Desenvolvimento do Sistema Elétrico Nacional 2015-2029, lançado em
julho de 2015, há apenas um novo projeto hidrológico, o de Chicoasén II.
O estudo ambiental para essa nova hidrelétrica
reconhece que a obra afeta diretamente cinco comunidades do município e
indiretamente outras dez, e também que a represa, a operação e manutenção das
máquinas e dos equipamentos prejudicará a paisagem, a fauna terrestre e a
drenagem superficial.“Não queremos a represa. A CFE nos disse para esperarmos e
não se importa com o caso, não nos leva em conta”, protestou Herrera, em cuja
família há quatro ejidatários.
Em 2013, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, da
Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, rejeitou incluir
Chicoasén II como um projeto de compensação do México por sua emissão de
gases-estufa, com o argumento de que não estava demonstrada a existência de
benefícios de redução de emissões, que o governo situava em 299.436 toneladas
de dióxido de carbono.
Além de seu papel fundamental na energia
hidrelétrica, Chiapas ganhou a partir dos anos 1970 um peso crescente em
matéria petroleira e tanto a estatal Petróleos Mexicanos quanto a Secretaria da
Energia (Sener) incluíramem seus planos, em 2015, novos campos para explorar ou
licitar no Estado.Em Chiapas estão em operação 20 jazidas, com reservas de 278
milhões de barris de petróleo, cuja atividade tem impacto sobre 38 comunidades
zoque, distribuídas em seis municípios.
Uma pesquisa da Sener sobre os impactos em outras
atividades econômicas devido às operações petroleiras, realizada nas capitais
dos Estados, identificou a existência de prejuízos nos setores agrícola,
turístico e em sítios arqueológicos, bem como em nove grandes áreas
ambientais.“A exploração de petróleo tem impactos sobre floresta, recursos
hídricos, assentamentos indígenas. Vai agravar a situação de conflito já
existente, mas as petroleiras não se detêm diante dos conflitos sociais”,
afirmou à IPS o professor Fabio Barbosa, da Faculdade de Economia da estatal
Universidade Nacional Autônoma do México.
Além disso, o Plano Quinquenal de Expansão do
Sistema de Transporte e Armazenamento de Gás Natural 2015-2019 estabelece o
gasoduto Salina Cruz-Tapachula, entre os Estados de Chiapas e Oaxaca, com 440
quilômetros de extensão, em um projeto que entraria em vigor em 2018, embora
ainda não tenha sido licitado.Para Barbosa, os planos petroleiros são
inviáveis. “Se há o desenvolvimento de uma jazida importante, podem ser
repetidos os desastres ambientais ocorridos em outros Estados”, rressaltou.
A Lei de Hidrocarbonos, vigente desde agosto de
2014 e parte da reforma que abre os hidrocarbonos e a eletricidade ao capital
privado, estipula que a Sener deve realizar consultas prévias, livres e informadas
entre comunidades indígenas em cujos territórios sejam desenvolvidos projetos
energéticos.Além disso, os interessados em obter permissão para executar essas
obras devem apresentar uma avaliação de impacto ambiental. Esses requisitos não
são aplicados em Chiapas, segundo a versão de pessoas prejudicadas e ativistas
sociais e ambientais.
Fonte: ENVOLVERDE
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