Famílias
agrícolas florescem à sombra.
Xinia Solano e Luis Diego Murillo são uma das
famílias que trabalham com o programa de casas-sombra, em Los Reyes, no
município de Coto Brus, no sudeste da Costa Rica. O modelo é promovido pela
FAO, junto com instituições estatais do país. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS.
Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
Los Reyes, Costa Rica, 15/3/2016 – Antes de começar
na agricultura, os costarriquenhos Luis Diego Murillo e sua mulher Xinia Solano
pagavam suas contas e compravam alimentos com o salário dele como capataz na
construção, um emprego instável.Agora, este homem de 33 anos percorre o terreno
onde crescem verdíssimas fileiras de coentro, alface e talos que fazem prever
um punhado de rabanetes sob a terra. O casal compartilha seu terreno com outra
família, mas são seus próprios empregadores.
Sobre a cabeça de Murillo se estende uma enorme
malha negra, que é crucial para sua nova vida, porque protege seus cultivos na
comunidade de Los Reyes, no município rural de Coto Brus, na província de
Puntarenas, nas ladeiras da cordilheira de Talamanca.“Estamos juntos, já não
estamos longe da família. Há quem não queira trabalhar em outro lugar, longe
dos filhos e da esposa. Quer ficar com a família, não é?”, disse à IPS ao
explicar porque decidiu se dedicar ao campo em tempo integral.
Murilloe sua mulher, de 34 anos, são uma das 74
famílias beneficiárias do programa de Casas-Sombra que a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) impulsiona no sudeste da Costa
Rica.Trata-se de ambientes protegidos de 700 metros quadrados, que permitem aos
produtores controlar a quantidade e qualidade de luz, a porcentagem de sombra e
o impacto da precipitação sobre os cultivos, que chega a ser considerável na
região.
Dessa forma, os agricultores familiares mantêm sua
produção hortícola o ano todo, melhoram a qualidade e produtividade e inclusive
conseguem colher hortaliças que eram impensáveis em condições regulares da
região, com brócolis e repolho. Com esse sistema, que começou a ser implantado
no final de 2013 com apenas seis unidades, as famílias produzem os alimentos
para consumo próprio e vendem o excedente para garantir uma renda.
“Estamos muito contentes porque agora, com as
casas-sombra, não é preciso sair para comprar. Se deseja coentro ou alface, é
só colher”, explicou Solano, cuja casa fica em uma vila próxima a Los Reyes,
onde para se chegar demora-se seis horas por estrada desde São José, embora a
distância seja de apenas 280 quilômetros.
Outra vantagem do programa é que permite
diversificar e fortalecer a dieta das famílias rurais na região socioeconômica
de Brunca, que tem o maior nível de pobreza desse país de 4,8 milhões de
habitantes. Com uma população que passa de 300 mil habitantes, a região tem, em
média, 34,6% de famílias em situação de pobreza, contra a média nacional de
20,6%, enquanto seu nível de população ativa ocupada não passa de 50,9%,
segundo dados fornecidos à IPS pela FAO.
O especialista da FAO Guillermo Murillo, de chapéu,
conversa com agricultores familiares no assentamento de Los Reyes, no sudeste
da Costa Rica, sobre técnicas para melhorar a produção em suas terras com
casas-sombra. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS.
Essa região tem um problema de autoabastecimento
das frutas e hortaliças que consome, porque produz somente entre 15% e 20% da
demanda e deve buscar o restante em outras áreas do país. As famílias com
casas-sombra nesse ponto têm uma vantagem. “A salada está todos os dias em
casa. Antes se alguém tinha dinheiro comprava verduras, agora já não é
preciso”, destacou Solano.
Além da produção para consumo próprio, as
casas-sombra projetam gerar uma agricultura de escala, para assim potencializar
a comercialização de seus cultivos e melhorar a renda das famílias envolvidas.
De fato, as famílias que participam do programa já produzem mais de 25 tipos
diferentes de hortaliças. “Alguns companheiros têm carros e os emprestam para
vender nos povoados próximos, mas estamos em negociação com uma cooperativa
para conseguir um caminhão”, pontuou Solano.
Cada unidade custa cerca de US$ 3.200, que são
doados por algumas das instituições estatais costarriquenhas que trabalham com
a FAO nesse projeto, como o Instituto Misto de Ajuda Social ou o Instituto de
Desenvolvimento Rural. O programa também tem apoio do Ministério de Agricultura
e Pecuária e está focado em núcleos familiares, por isso a contribuição das
mulheres é crucial.
“As mulheres daqui são muito valentes, a maioria
pega na pá e planta. Quem semeou toda essa área para dar sombra aos cafezais
foi minha mulher”, disse orgulhoso à IPS o agricultor Florentino Amador, de 54
anos.Ligia Ruiz, de 53 anos, é uma das mais entusiastas agricultoras do núcleo
de quatro casas-sombra em Los Reyes, e cuida da coordenação das vendas com seus
vizinhos. “Às quartas-feiras, colhemos para vender, e também aos sábados, no
momento na comunidade. Aí me encomendam e alguém leva para vender”, disse à
IPS.
O sistema de casas-sombra permite diversificar as
hortaliças produzidas na região de Brunca, ao sul da Costa Rica. Algumas, como
a alface, são colhidas regularmente na área, mas outras, como brócolis e
couve-flor, só são possíveis com o modelo promovido pela FAO. Foto: Diego
Arguedas Ortiz/IPS.
Embora cada casa-sombra seja concebida para uma
família, em Los Reyes há quatro ambientes protegidos para dez famílias, que
trabalham em conjunto em sua manutenção, em um processo muito horizontal, no
qual a renda com as vendas, por exemplo, entra em um caixa comum, do qual
esperam economizar para a cooperativa.“Se em uma área há muito para limpar, uma
família ajuda a outra e depois, por sua vez, esta recebe apoio”, explicou Ruiz
sobre o resgate do sistema de trabalho comunitário próprio do mundo rural.
A própria FAO promove que os beneficiários sejam
“grupos de produtores organizados, com acesso a um centro de armazenamento e
comercialização”, embora a seleção das famílias beneficiárias caiba às
instituições costarriquenhas.Um modelo semelhante às casas-sombra é usado em
pequena escala no Brasil e no México, disse Guillermo Murillo, consultor da FAO
e que trabalhou nesses países e sugeriu o modelo de casas-sombra para a Costa
Rica.
“Uma das grandes vantagens é que podem produzir
durante o ano todo. Antes, na época da seca, (de novembro a maio) o sol
queimava tudo”, apontouMurillo à IPS. “Além disso, acabou o mito de que só era
possível produzir algumas coisas, então a diversidade aumentou”,
acrescentou.Além do apoio para o estabelecimento das casas-sombra como tais, a
equipe da FAO e os órgãos públicos envolvidos na iniciativa assessoram os
produtores em técnicas comerciais e agrícolas, começando com os implementos.
“A semente de hortaliça que chegava aqui era usada
em climas frios em outras partes da Costa Rica.
Havendo no mercado sementes
tropicalizadas, as quais buscamos e eles começaram a usá-las”, ressaltou o
especialista da FAO.Agora o programa encontra-se em fase de expansão na
província de Guanacaste, noroeste da Costa Rica, onde já foi aprovada a
instalação das primeiras casas-sombra fora da região de Brunca.