Tudo o
que você precisa saber sobre o iceberg gigante da Antártida.
por Observatório do
Clima –
Bloco de gelo do tamanho do DF se desprendeu
de plataforma na Antártida nesta semana; saiba como a mudança climática pode
(ou não) estar envolvida no fenômeno e o que acontece agora.
DO
OC – Um evento colossal que era esperado havia meses enfim aconteceu: em algum
momento entre segunda e quarta-feira, um iceberg de 5.800 quilômetros
quadrados, maior que o Distrito Federal, se desprendeu da plataforma de gelo
Larsen-C, na Antártida.O bloco de gelo, batizado A68, pesa 1 trilhão de toneladas
e é um dos maiores icebergs já registrados na história. É também o maior a se
formar desde 2002. O evento reduz em 10% a plataforma de gelo Larsen-C, a maior
da Península Antártica.
A quebra foi confirmada por imagens de satélite,
após três anos de monitoramento da rachadura na plataforma de gelo feito por
pesquisadores do Projeto Midas, da
Universidade de Swansea, no País de Gales.
A
rachadura na plataforma de gelo Larsen C, fotografada em novembro de 2016 de um
avião de pesquisas da Nasa (Foto: John Sonntag/IceBridge/GSFC).
Entenda o fenômeno, suas ligações com a mudança
climática e suas eventuais repercussões nas perguntas e respostas abaixo:
1 – Por que está todo mundo falando nisso?
1 – Por que está todo mundo falando nisso?
Porque, sob qualquer perspectiva, a formação do
iceberg A68 é um evento espetacular. Ele ocorre numa das regiões do planeta
mais influenciadas pelo aquecimento da Terra, e mudará permanentemente a
geografia do local. Não é todo dia que uma porção de gelo do tamanho de quatro
cidades de São Paulo sai flutuando por aí. O último evento dessa magnitude
ocorreu em 2002, quando o iceberg B15 se soltou da plataforma de Ross, no oeste
antártico. Ele media 295 km e tinha uma área maior que a da Jamaica: 11 mil
quilômetros quadrados.
2 – O novo iceberg vai aumentar o nível do mar em quanto?
2 – O novo iceberg vai aumentar o nível do mar em quanto?
Em zero milímetro. Plataformas como a Larsen-C
são blocos de gelo que já estão flutuando no mar.
Como um cubo de gelo num copo
de uísque, seu derretimento não afeta o nível do líquido, porque elas já
deslocaram o equivalente em água ao seu volume (lembre-se da banheira de
Arquimedes).
Portanto, o trilhão de toneladas do A68 não vai impactar o nível
global dos oceanos.
O problema é o que aconteceria com o nível do mar
se os outros 90% a plataforma Larsen-C se espatifassem inteiros. A plataforma é
alimentada por várias geleiras que descem do interior montanhoso da Península
Antártica, o “chifre” de 1.300 km de extensão do continente austral. Esse gelo,
se fosse parar no oceano, poderia aumentar o nível do mar. As plataformas de
gelo funcionam como “freios” ao escoamento dessas geleiras; portanto, sem elas,
a tendência seria de aceleração dos glaciares, perda de gelo continental e
elevação do oceano. Quando a plataforma Larsen-B quebrou, em 2002, as geleiras
que ela freava passaram a acelerar, e hoje contribuem para o nível do mar.
3 – Mas a plataforma Larsen-C pode desaparecer?
3 – Mas a plataforma Larsen-C pode desaparecer?
Neste momento é difícil dizer qualquer coisa a
esse respeito. Há um
estudo de 2015 que estima que, com a quebra do iceberg gigante, toda a
plataforma Larsen-C ficaria numa configuração instável e sujeita a colapso. Só
os próximos anos dirão se isso ocorrerá de fato. Mas o precedente histórico
depõe contra a estabilidade da Larsen-C: de 12 plataformas de gelo da Península
Antártica, sete já
colapsaram nas últimas décadas.
As quebras sucessivas parecem ser a realização
sombria de uma antiga profecia sobre a mudança climática: a de que, num mundo
em aquecimento perigoso, as primeiras vítimas seriam as plataformas de gelo da
Antártida, e elas se esfacelariam de norte para sul, a partir da ponta da
Península.
Essa previsão foi feita pelo glaciologista
americano John Mercer em 1978. E encontrou sua confirmação justamente nas
plataformas de gelo Larsen. Em 1978 elas eram quatro. Hoje restam apenas duas.
A Larsen A, a mais setentrional delas (veja o
mapa do Climate Signals), se rompeu em 1995. Na época pouca gente deu bola, já
que não havia monitoramento frequente por satélites e a influência da
humanidade no aquecimento da Terra apenas começava a mostrar sinais evidentes.
Em 2002 foi a vez da
Larsen B, e a história foi outra: a desintegração da plataforma, que
pareceu explodir em milhares de icebergs, foi acompanhada em tempo real pelos
cientistas. O evento durou pouco mais de um mês, levando embora uma área de
3.275 quilômetros quadrados de gelo que hoje é mar aberto. O verão de 2002 foi
um dos mais quentes da história na Península Antártica, que por sua vez é uma
das regiões do planeta que mais aqueceram: cerca de 3oC desde 1950.
Aquele foi um dos alertas mais poderosos já dados sobre a realidade – e o
perigo – da mudança do clima.
4 – E o que acontece com o planeta em caso de colapso?
4 – E o que acontece com o planeta em caso de colapso?
Uma eventual perda da Larsen-C não seria
exatamente o fim do mundo: toda a Península Antártica contém o equivalente a
meio metro de elevação do oceano. O problema é que, no atual cenário de
aquecimento da Terra, cada centímetro de aumento evitado conta: o nível do mar
já subiu 20 cm no último século e pode chegar a 2100 1 metro mais alto do que
na era pré-industrial, o que seria uma catástrofe para cidades litorâneas como
o Rio, Santos e Recife.
5 – A quebra foi natural ou é efeito do aquecimento global?
5 – A quebra foi natural ou é efeito do aquecimento global?
Não há uma resposta direta para essa pergunta. Os
pesquisadores que monitoram a rachadura na plataforma Larsen-C desde 2014 dizem
que não é possível ligar diretamente a quebra do iceberg ao aquecimento da
Terra.
Esses eventos, afinal, são naturais e
característicos do comportamento de plataformas de gelo da Antártida.
Essas imensas línguas de gelo flutuante são
formadas pela união da foz de várias geleiras. Como rios, as geleiras escorrem
para o mar (lentamente) devido ao acúmulo de neve. De tempos em tempos, a
frente de uma plataforma se desprende, formando os icebergs planos
característicos do continente austral, e cresce de novo devido ao escoamento
das geleiras. “Icebergs precisam se desprender e novo gelo se forma para
substituí-los. Pelo menos é assim que deveria funcionar”, diz Ian Joughin,
glaciologista da Universidade de Washington, nos EUA. Num clima estável, a
tendência é que as plataformas de gelo permaneçam mais ou menos do mesmo
tamanho.
A rachadura na Larsen-C, que existe pelo menos
desde a década de 1980, é parte desse ciclo natural. Nos últimos três anos, no
entanto, ela passou a crescer de forma acelerada, o que resultou no colapso
testemunhado nesta semana. Não há, no entanto, evidência de que o crescimento
se deva a aquecimento da atmosfera no local ou do oceano. O caso é muito
diferente do da Larsen-B, que es espatifou devido a milhares de poças formadas
pelo derretimento do gelo em sua superfície, algo que foi ligado diretamente às
altas temperaturas.
Ocorre que a Península Antártica é uma região
altamente impactada pelo aquecimento global. E todas as suas plataformas de
gelo vêm ficando cada vez mais finas: a Larsen-C, por exemplo, perdeu 5% de seu
volume entre 1994 e 2012. Só que nos últimos anos essa tendência de
afinamento parece ter se reduzido.
“Nos últimos anos do registro a taxa de
afinamento da Larsen-C diminuiu, isto é, sua espessura passou a crescer
lentamente”, disse o glaciologista brasileiro Fernando Paolo, da Universidade
da Califórnia em San Diego, que monitora as plataformas de gelo de toda a Antártida.
“Hoje temos mais dados. Nosso registro vai de 1994 a 2017, mostrando que essa
lenta recuperação da espessura continuou em anos recentes.”
Só que também foram detectados na plataforma
outros sintomas de colapso, como formação de poças d’água e aceleração do fluxo
de gelo.
Em resumo, o quadro é complexo e é cedo para
apontar o dedo para a mudança climática aqui. Mas tampouco dá para descartá-la
como fator a influenciar a quebra.
6 – Mas a Antártida não está ganhando gelo?
6 – Mas a Antártida não está ganhando gelo?
Não, não está. Esse argumento ganhou tração em
2015 devido a um estudo publicado pelo glaciologista Jay Zwally, da Nasa,
segundo o qual o continente antártico na verdade estaria contribuindo para
reduzir o nível do mar. O estudo foi avidamente reportado pela imprensa como um
questionamento ao IPCC, o painel do clima da ONU, que diz que a Antártida tem
contribuído nos últimos anos para elevar o nível do mar e o fará ainda mais
intensamente nas próximas décadas.
Vamos por partes: é preciso saber de que tipo de
gelo e de que Antártida se está falando. A Antártida até recentemente estava
ganhando gelo, sim, de pelo menos uma maneira: o cinturão de mar congelado que
se forma todo ano ao redor do continente passou anos crescendo cerca de 100 mil
quilômetros quadrados por ano. De 2016 para cá ele começou a bater recordes de
baixa. Na Península Antártica, região mais afastada do polo Sul, o gelo marinho
vem diminuindo paulatinamente.
O que Zwally e colegas argumentaram em
seu estudo é que existe um outro ganho de gelo: o manto de gelo que
recobre o continente estaria “engordando” de 1 cm a 3 cm por ano, devido a uma
resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última glaciação, 12 mil anos
atrás. Essa engorda estaria acontecendo sobretudo no leste antártico, que
concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal ganho seria capaz de
compensar as perdas que o próprio Zwally e vários outros colegas já
comprovaram, usando vários instrumentos diferentes, estar acontecendo em duas
outras regiões: a Península Antártica e o oeste antártico.
Que não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no
continente antártico, muito bem documentada por satélites da Nasa e da Agência
Espacial Europeia. Foi a Nasa quem mostrou
o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península
Antártica. E foi a Nasa
quem revelou, em 1998, que as geleiras do oeste antártico estavam em franco
derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de gelo foi de 147 bilhões de
toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria elevado o nível do mar em 0,27
milímetro por ano. Quase todo esse gelo vem do oeste antártico. Um estudo recente sugere
que o colapso das geleiras do oeste antártico é irreversível e fará o mar subir
3,3 metros na escala de séculos.
O leste é um mistério que os cientistas ainda não
conseguiram decifrar. Nenhuma das medições com satélite feitas até aqui
conseguiram responder se há ganho ou perda de gelo naquela região. Os
cientistas costumam dizer que ela está em equilíbrio.
O estudo de Zwally muda algumas premissas sobre
os dados e argumenta não apenas que há ganho, mas que esse ganho mais do que
compensa as perdas. Mas, como as medições naquela região são muito difíceis de
fazer, alguns
glaciologistas acham que ele está errado – embora “haja uma chance
pequena de que esteja certo”, como disse Ian Joughin, da Universidade de
Washington. A figura abaixo, produzida por um pesquisador da Instituição
Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o consenso em relação à
dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo são representadas pelos
retângulos. De 13 estudos, o de Zwally (retângulos marrons no alto da imagem) é
o único a apontar ganho líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir
de 2005 (aqui Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele
só vai até 2008).
Fonte: ENVOLVERDE
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