Floresta amazônica, resiliência
ou colapso? Pesquisa investiga o ecossistema frente à oferta extra de gás
carbônico.
Texto Manuel Alves Filho / Fotos Antoninho Perri |
João Marcos Rosa | AmazonFace
Edição de imagem Luis Paulo Silva.
Edição de imagem Luis Paulo Silva.
Nos anos iniciais da escola, aprendemos que as
plantas realizam o processo de fotossíntese para produzir a energia necessária
à sua sobrevivência. Dito de maneira simplificada, elas utilizam o gás
carbônico (CO2) da atmosfera e a luz do sol para produzir glicose,
espécie de açúcar que garante suas atividades vitais. De quebra, enquanto
produzem glicose, as plantas devolvem oxigênio para o ambiente. Esse processo é
tão importante que, sem ele, não haveria vida na Terra, dado que tais
organismos estão na base da cadeia alimentar do homem e dos animais. Mas se o
CO2 é tão importante para a fotossíntese, o que aconteceria se as
plantas recebessem uma dose extra desse gás?
Elas se tornariam mais produtivas?
As respostas a estas e outras perguntas estão sendo investigadas por um grupo
formado por cientistas brasileiros e estrangeiros, que participam do programa
AmazonFACE, financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes).
David Lapola, pesquisador do Cepagri-Unicamp,
preside o Comitê Científico do AmazonFACE: “Nosso objetivo é obter dados que
possam refinar a predição sobre o futuro da floresta, de modo a oferecermos
subsídios para a tomada de decisões por parte das autoridades públicas”
O AmazonFACE nasceu da iniciativa de um grupo de
cientistas, entre eles o ecólogo David Montenegro Lapola, recentemente
contratado como pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Lapola é o atual presidente do
Comitê Científico do programa. De acordo com ele, a principal questão
trabalhada pelo grupo é: até que ponto a fertilização proporcionada pela oferta
extra de CO2 pode aumentar a resiliência de uma floresta, no caso a
amazônica, num contexto de mudanças climáticas, no qual ocorrem aumento de
temperatura e alteração no regime de chuvas? “É a primeira vez que a ciência
busca, numa região tropical, resposta para esta pergunta”, assinala Lapola.
Segundo ele, experimentos assemelhados foram realizados em florestas
temperadas, nos Estados Unidos e Europa, que obviamente apresentam
características distintas da floresta amazônica. Em terras brasileiras, foram
feitos dois experimentos do gênero, mas em menor escala e voltados para
cultivos agrícolas.
O AmazonFACE, assinala o pesquisador do
Cepagri/Unicamp, foi dividido em três fases. A primeira, iniciada em 2014, está
sendo finalizada. Durante dois anos, os cientistas delimitaram e caracterizaram
a área experimental, localizada no interior da floresta, a uma distância de 70
quilômetros ao norte da cidade de Manaus. Foram definidas oito áreas, em
formato circular (anéis), cada uma com 30 metros de diâmetro. Quatro servirão
de controle e outras quatro receberão uma dose 50% maior de CO2, o
que fará com que a concentração em cada uma delas chegue a 600 partes por
milhão (ppm). “Na segunda fase, que queremos iniciar no segundo semestre de
2017, vamos operar inicialmente com apenas dois dos anéis, sendo um deles
controle. Nosso propósito é acompanhar como o anel fertilizado com CO2
se comportará em relação ao que receberá somente ar ambiente”, detalha Lapola.
A área experimental do AmazonFACE foi instalada em
plena floresta, a 70 quilômetros ao norte da cidade de Manaus.
A segunda fase, continua o ecólogo, deverá durar
mais dois anos. Ao final dela, virá a terceira e última etapa, quando as outras
seis áreas experimentais entrarão em operação. Nesta, os testes se estenderão
por dez anos. No Raio X que realizaram no sítio experimental, os cientistas já
levantaram uma massa enorme de dados sobre o ecossistema local. “Nós medimos
dezenas de parâmetros, o que nos permitirá analisar com precisão a resposta das
plantas aos ensaios que promoveremos. Para dar uma ideia do que já foi feito,
nós aferimos desde a velocidade e direção do vento até o nível de radiação
solar, passando pelo ritmo de crescimento das raízes, o fluxo de seiva nos
caules e a quantidade de fotossíntese realizada pelas folhas das árvores”,
elenca o pesquisador do Cepagri/Unicamp.
Cenários
Mas qual seriam, afinal, o melhor e o pior cenário
que o AmazonFACE poderia delinear sobre a floresta amazônica? A situação mais
positiva, pondera Lapola, seria constatar que, a despeito da tendência do
aumento da concentração de CO² na atmosfera e do possível agravamento das
mudanças climáticas, a floresta é capaz de se mostrar resiliente, ou seja, de
resistir a essas situações adversas, mantendo-se produtiva e sem perda
significativa de biomassa. “Entretanto, podemos chegar a uma conclusão
diferente. Estudos realizados nos Estados Unidos e Europa indicam que a
fertilização por gás carbônico estimula a produtividade das plantas por um
determinado período. Depois, no entanto, o organismo chega ao seu limite e
ocorre uma inversão na curva de desenvolvimento, limitado sobretudo pela falta
de nutrientes no solo”, adverte, para completar: “Nesse sentido, vale lembrar
que os solos amazônicos são bastante pobres em nutrientes, sobretudo fósforo”.
Quando uma situação como essa ocorre em relação a
uma floresta, continua o ecólogo, todo o ecossistema corre o risco de entrar em
colapso. No caso da floresta amazônica, isso poderia levar, num período de uma
a algumas décadas, à transformação daquele ecossistema em uma paisagem própria
de savana ou cerrado. “Nosso objetivo é obter dados que possam refinar esse
tipo de predição, de modo a oferecermos subsídios para a tomada de decisões por
parte das autoridades públicas”, esclarece o presidente do Comitê Científico do
AmazonFACE.
Pesquisadores já mediram diversos parâmetros do
ecossistema local, como direção e velocidade do vento, nível de irradiação
solar e a quantidade de fotossíntese realizada pelas folhas das árvores
Para dar sequência ao estudo, os pesquisadores
estão tentando obter novos recursos financeiros. Uma das iniciativas nesse
sentido será a realização de uma reunião na sede do BID, no início de junho, em
Washington, durante a qual os cientistas apresentarão os resultados obtidos até
agora com o AmazonFACE para instituições de fomento de diversos países. O
objetivo é levantar recursos da ordem de R$ 10 milhões para a execução da
segunda fase do programa. A primeira fase consumiu investimentos de
aproximadamente R$ 3 milhões.
Implicações políticas e socioeconômicas
Embora o AmazonFACE esteja voltado ao entendimento
dos processos ecológicos envolvendo a floresta amazônica, as pesquisas
desenvolvidas pelo programa também têm importantes implicações políticas, sociais
e econômicas, como reconhece Lapola. A floresta, registre-se, está distribuída
por nove países e abriga aproximadamente 25 milhões de pessoas, população
semelhante à da Coreia do Norte. Caso os prognósticos mais sombrios para a
floresta se confirmem, a temperatura naquele ecossistema pode aumentar até seis
graus e o volume de chuvas pode ser reduzido em 60%.
Nesse cenário, observa o pesquisador do
Cepagri/Unicamp, haveria uma situação de seca prolongada, o que afetaria a
rotina dos moradores e as atividades produtivas. “Uma alteração climática tão
drástica secaria os rios, que são as principais vias de transportes de
passageiros e cargas na região.
Com menor volume de água nos rios, as
hidrelétricas instaladas na região também seriam impactadas, o que refletiria
na produção industrial. Uma das consequências da conjugação desses fatores
poderia resultar até mesmo em uma migração em massa dos moradores das áreas de
florestas para os centros urbanos, o que por sua vez alteraria a dinâmica de
urbanização dessas grandes cidades amazônicas. Na hipótese de tudo isso se
confirmar, os países teriam que criar políticas públicas para tentar minimizar
todos esses impactos negativos”, alerta Lapola.
Embora essas predições estejam no campo das
hipóteses, o AmazonFACE, entende Lapola, deve alavancar a discussão e a
elaboração de políticas de adaptação a essas eventuais mudanças. O programa
conta atualmente com um grupo formado por 13 cientistas, que atuam no Brasil,
Estados Unidos, Austrália e Europa. No Brasil, estão envolvidas nas pesquisas
as seguintes instituições:
Unicamp, Unesp, USP (São Paulo e Ribeirão Preto),
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Inpa (Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia), UFAM (Universidade Federal do Amazonas), EMBRAPA Amazônia
Oriental e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A coordenação
institucional do programa é feita pelo Inpa, que é vinculado ao MCTIC.
Fonte: UNICAMP
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