Falta o
saneamento, aumentam as mortes.
*Washington Novaes –
Os investimentos em saneamento básico no
Brasil estão em menos de 2 terços do necessário e em queda livre nos últimos
dois anos.
A cada vez que se divulgam números sobre os
serviços de saneamento urbano no País, crescem as preocupações. Agora, as
informações são (Estado, 10/7) de que quase metade da população nacional não é
atendida pela rede de esgotos – ou seja, perto de 100 milhões de pessoas – e
quase 20%, perto de 40 milhões, não tem fornecimento de água nos domicílios.
Para completar, mais de um terço de toda a água distribuída se perde no meio do
caminho. E a causa de todos os problemas é a falta de investimentos.
Tudo se complica ainda mais quando se é informado
de que para universalizar até 2033 (daqui a 15 anos) os serviços de saneamento
básico o País terá – ou teria – de investir mais de R$ 20 bilhões por ano. Mas
entre 2010 e 2015 o investimento médio foi de R$ 11 milhões por ano, pouco mais
de metade do necessário. Sem falar em redução ou eliminação das perdas. E para
dificultar ainda mais as soluções, hoje boa parte do sistema é administrada por
empresas dos Estados, em situação financeira difícil, com patrimônio líquido
negativo, dívidas altas, problemas trabalhistas e serviços de má qualidade. Com
isso, há dois anos o atendimento urbano de água só chegava a 83,3% do público
total.
Entre 2014 e 2015 o investimento caiu até 27% –
quando se sabe que cada R$ 1 investido em saneamento levará à economia de até
R$ 4 no sistema de saúde. Mas o total investido em 2005, por exemplo, ficou
entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões; mesmo em 2015 não passou de R$ 12,1 bilhões.
Não se deve estranhar, assim, que em Rondônia só 2% da população urbana conte
com coleta de esgotos; nada é tratado. Na Bahia, só 3,41% da população tem rede
de coleta de esgotos; no Amapá, 3,71% . Onze Estados já contrataram estudos
para a expansão, dez já assinaram contratos.
Há quem pense que pelo menos parte do problema
poderá ser resolvida com a utilização de águas transpostas, por exemplo, do Rio
São Francisco, que seriam utilizadas na irrigação de lavouras. João Suassuna,
da Fundação Joaquim Nabuco, adverte, porém, que a expansão do agronegócio está
exigindo mais irrigação, quando um pivô central pode consumir 2,6 metros
cúbicos de água por hora; a captação de água diretamente nos aquíferos em geral
envolve questões difíceis: entre 2015 e 2016 as disputas por água aumentaram
27%, segundo números da Comissão Pastoral da Terra (envolvendo 164 mil pessoas
em 2007 ou 222 mil em 2016). As causas principais apontadas são a utilização da
água como commodity, que leva a conflitos com grupos sociais que a encaram como
bem essencial à vida. Há ainda quem aponte efeitos negativos em processos de
privatização de sistemas de água. E até casos de conflitos muito graves, em que
se tornou necessária a retomada das instalações pelo poder público. Outros
críticos lembram, por exemplo, que em 2015 o BNDES entrou com R$ 57 bilhões em
subsídios para privatizações (Folha de S.Paulo, 9/7). Há quem proponha que os
processos de privatização e concessão de subsídios sejam obrigatoriamente
aprovados pelo Congresso Nacional. O tema foi um dos centrais no 47.º Congresso
Nacional de Saneamento, em junho. Nele a Associação Nacional dos Serviços
Municipais de Saneamento (Assemae) reafirmou seus “compromissos históricos” de
luta contra a privatização do saneamento básico (boletim de 19 a 22 de junho),
lembrando que “a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de
saneamento básico não foi ainda alcançada em muitos municípios brasileiros”.
Nesse congresso se registrou ainda que o
saneamento básico em áreas rurais também precisa ter prioridade nas políticas
públicas de todos os municípios. E que a recuperação das nascentes, “já uma
área prioritária em todo o mundo”, deve incluir “estratégias como o controle da
erosão do solo e a minimização da contaminação química e biológica; para
garantir a renovação das nascentes também é necessário o combate ao corte
intensivo das florestas nativas, queimadas, pastoreio intensivo, mau
planejamento na construção de estradas e loteamentos”.
O tema vai-se tornando cada vez mais candente com
a gravidade da situação, exposta em relatórios oficiais, estudos universitários
e outros. O senador José Serra, por exemplo, em artigo recente nesta página
(22/6), reiterou que “a coleta de esgotos no País é de apenas 50% e apenas 43%
dos esgotos coletados são tratados; na Região Norte essa proporção se reduz a
16%”. E acentuou: “A coleta de esgotos, seguida do seu tratamento, beneficia
menos de um quarto da população brasileira”. Entre as consequências, indica:
“Estimativas do Instituto Trata Brasil apontam que 340 mil internações anuais
são causadas por infecções decorrentes da falta de saneamento básico. Entre as
dez cidades brasileiras onde há menor cobertura, a média de internações é
quatro vezes maior do que entre as dez cidades mais bem atendidas. Milhares de
mortes ocorrem como consequência dessas enfermidades”.
Mesmo com tanta gravidade, a precariedade dos
serviços básicos no Brasil está demonstrada pelos investimentos médios no
setor, que correspondem a menos de dois terços das necessidades apontadas em
estudos reconhecidos pelo poder público. A que se deveria isso? Há muitas
respostas que atribuem a culpa à indiferença do poder público. E uma elas é do
ex-ministro Delfim Netto (Folha de S.Paulo, 3/7): “O poder econômico controla o
poder político no Brasil.”
Mas é preciso lembrar sempre um dos últimos
relatórios da Organização Mundial da Saúde (Reuters, 7/3): “Ambientes poluídos
e insalubres matam 1,7 milhão de crianças por ano, uma em cada quatro”, por
causa de “riscos ambientais, poluição do ar e da água, falta de saneamento
básico e de infraestrutura adequada de higiene”. A taxa de mortes no Brasil é
de 41,38 crianças com menos de 5 anos por 100 mil habitantes, principalmente
por falta de saneamento básico.
*Jornalista. e-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Fonte: ENVOLVERDE
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