“Pesca
para Sempre”, um olhar sobre o estoque pesqueiro no litoral do Brasil.
Dentre os principais avanços decorrentes da
ação simultânea empreendida pela ONG Rare, entre 2015 e 2017, em seis Reservas
Extrativistas na costa brasileira, estão o levantamento de informações sobre a
produção do pescado e a biologia das espécies mais capturadas e a restrição da
pesca em zonas reservadas para a recuperação do estoque pesqueiro, além do
fortalecimento de lideranças e o engajamento de comunidades locais.
Rio de Janeiro, julho de 2017 – O cenário
encontrado hoje nas seis Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas onde foi
implementado o primeiro ciclo da atuação do programa “Pesca para Sempre” no
Brasil é distinto daquele de dois anos atrás. O que agora é uma realidade –
preenchimento de diários de bordo (ferramenta para obtenção de dados primários
do desembarque, fundamental para o monitoramento da pesca), parceria com
universidades para coleta de dados sobre captura, atividade pesqueira e
monitoramento biológico das espécies comercialmente mais importantes, áreas de
pesca restrita, projetos de vigilância comunitária, comunidade mobilizada e
engajada – antes não existia de forma ordenada e direcionada para recuperação e
conservação de espécies. Os avanços obtidos nas Resex Marinhas de Baía de
Iguape (BA), Canavieiras (BA), Cururupu (MA), Delta do Parnaíba (PI e MA),
Pirajubaé (SC) e Prainha do Canto Verde (CE) são fruto de um esforço
sistemático realizado, entre 2015 e meados de 2017, pela Rare e aliados
estratégicos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), a Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas
e das Populações Tradicionais Costeiras e Marinhas (Confrem) e diversas
universidades (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Universidade
Estadual do Maranhão, Universidade Federal do Piauí, Universidade Federal de
Santa Catarina e Universidade Federal do Ceará).
A atuação coordenada da ONG e sua rede de
parceiros, por meio do programa “Pesca para Sempre”, tem por objetivo apoiar e
fortalecer comunidades costeiras que vivem da pesca artesanal para uma gestão
participativa e efetiva de seus recursos pesqueiros, visando coibir a pesca
ilegal e predatória e promover uma prática mais rentável e sustentável. Para
tanto, lança mão de uma abordagem colaborativa e de planejamento e uma
capacitação intensiva de lideranças locais para estimular o engajamento e a
mobilização de pescadores e extrativistas em ações que buscam recuperar a
produtividade pesqueira e melhorar as condições de vida das comunidades
costeiras e a qualidade do ecossistema do qual dependem. Cada ciclo do programa
– cujo slogan comum no Brasil é ‘Pescar, Conservar, Prosperar’ – tem dois anos
e meio de duração e o primeiro ciclo no país mobilizou, nas seis Resex
Marinhas, 1.945 pescadores de 11 comunidades em uma área de 87 mil hectares e
beneficiou, com suas ações e resultados, aproximadamente 9 mil pessoas. Além do
Brasil, o “Pesca para Sempre” também é implementado pela Rare em Moçambique,
nas Filipinas e na Indonésia.
Campanha por Orgulho – Em cada
uma das Resex brasileiras, a Rare trabalhou com parceiros e lideranças locais
para identificar as áreas, os públicos, as barreiras existentes para promover
comportamentos mais sustentáveis e as 11 espécies-alvo a serem focadas para
alcançar as mudanças sociais e biológicas almejadas e elaborou um plano com
estratégias e ações de conservação. Essa abordagem segue o roteiro da chamada
Campanha por Orgulho, uma metodologia desenvolvida pela Rare que combina
elementos de marketing social e ciência da conservação para a resolução de
problemas socioambientais. No escopo da Campanha, todo o esforço é capitaneado
por uma organização da sociedade civil local, que destaca um membro qualificado
de sua equipe ou da comunidade, com credibilidade e capacidade de mobilização,
para atuar como o Coordenador de Campanha. Selecionadas devido à sua
importância para a economia e a cultura regional, as espécies-alvo foram
transformadas em mascotes, constituindo o chamariz para o envolvimento das
comunidades em uma abordagem participativa de planejamento e gestão das áreas
marinhas protegidas. Márcia Cota, diretora de estratégia e desenvolvimento da
Rare, explica que “por trás da campanha, está a ideia de promover o sentimento
de apropriação e orgulho nas pessoas em relação às espécies, às tradições e aos
hábitats locais que tornam suas comunidades únicas e especiais, ao mesmo tempo
em que fornece as ferramentas necessárias para que possam conservar seus
recursos naturais e propõe alternativas àquelas condutas nocivas ao meio
ambiente”.
Ação participativa e capacidade de
adaptação – “A implementação das campanhas foi um processo ousado e
desafiador de aprendizado mútuo, envolvendo pescadores, comunidades,
pesquisadores, governo e outros interlocutores. Além do prazo compacto, o
período coincidiu com a maior crise que o setor pesqueiro brasileiro já
vivenciou, marcado por incertezas e indefinições resultantes das constantes
mudanças políticas e institucionais na gestão da pesca”, aponta Luís Lima,
diretor executivo da Rare Brasil. Para ele, no entanto, as soluções encontradas
e as ações executadas, por meio de uma construção coletiva, foram bastante
satisfatórias e os resultados obtidos contribuirão para uma gestão mais efetiva
da pesca artesanal nas seis reservas marinhas. Mesmo diante de variáveis
imponderáveis, o programa lança mão de estratégias para redesenhar metas e
propor alternativas adaptadas ao novo cenário. Foi o que ocorreu na Resex
Pirajubaé, onde no meio do percurso de conceituação da campanha a equipe se
deparou com a mortandade da espécie-alvo, o berbigão (Anomalocardia
brasiliana), que seria o foco do trabalho, e teve que partir para outra linha
de atuação. O esforço passou, então, a se concentrar na investigação das causas
da alta mortalidade do molusco e no fortalecimento da organização social local.
“A campanha trouxe descobertas importantes para a comunidade. Por exemplo, um
experimento científico mostrou que o cascalho das conchas, presente em excesso
na camada acima do substrato natural, não está associado à maricultura
praticada na baía sul de Florianópolis nem seria a causa da mortalidade do
berbigão, contrariamente ao que pensavam muitos extrativistas. E a avaliação da
composição do cascalho me surpreendeu bastante também quanto à quantidade de
espécies – 56 diferentes – identificadas, o que demonstra a importância desse
centro da biodiversidade costeira-estuarina”, esclarece Fabrício Gonçalves,
coordenador da campanha em Pirajubaé.
Empoderamento – Um problema
recorrente nas Resex é a falta de fiscalização. É difícil o controle de áreas
no mar e isso facilita a pesca ilegal e predatória. Lima acredita que o
envolvimento da comunidade que vive na reserva e em suas proximidades pode e
deve fazer a diferença, uma vez que o ICMBio, órgão responsável, tem
contingenciamento de gastos, estrutura enxuta e não consegue fiscalizar
sozinho. “Procuramos fazer isso por meio do resgate do orgulho de ser pescador
e do estímulo para que a população assuma um novo comportamento diante do
recurso do mar. Nesse primeiro ciclo do Pesca para Sempre, conseguimos avançar
com sucesso neste ponto nas Resex Prainha do Canto Verde e Baía de Iguape.
Hoje, ambas já estão implementando seus planos de vigilância comunitária”,
conta Natali Piccolo, gerente de programas da Rare. Lindomar Fernandes, membro
do conselho da Associação dos Moradores da Prainha do Canto Verde e coordenador
da campanha na Resex, salienta que, juntamente com a demarcação da unidade,
aliada às palestras de conscientização sobre os limites e as regras da Resex em
comunidades vizinhas, o sistema de monitoramento da área realizado por um grupo
organizado de pescadores foi um dos principais legados da campanha. A
conscientização para a força da atuação em grupo também é um dos pontos
destacados pelo administrador Daniel Andrade, que coordenou uma campanha com
foco na recuperação do estoque natural de ostras e no resgate da autoestima de
marisqueiras na Resex Baía de Iguape, onde a mariscagem no manguezal é uma
atividade predominantemente feminina e responsável pelo sustento das famílias.
“A ajuda que eu tive por meio do programa foi fundamental para conseguir
engajar as marisqueiras, fortalecê-las e fazer com que elas percebessem o
quanto são guerreiras e o quão benéfico pode ser o trabalho coletivo, como o
esquema de vigilância regular implantado por elas nas áreas de cultivo de ostras
na reserva”, revela.
Apesar de enfrentarem realidades regionais
bastante diferenciadas, os coordenadores de campanha nas demais áreas também
coincidem nessa avaliação. “O principal legado para a Resex Delta do Parnaíba
foi o processo de engajamento dos comunitários e o estabelecimento de um
processo de confiança na comunidade. Eles estão mais orgulhosos, mais sensíveis
aos processos, estão com maior atenção sobre a pesca e pensando no futuro da
conservação das pescarias”, diz o turismólogo Luciano Galeno, que liderou o
trabalho na área. Josenilde Ferreira Fonseca, pescadora conhecida como
“Mocinha”, responsável pela coordenação da campanha na Resex Cururupu, onde o
objetivo era sensibilizar os pescadores e melhorar a qualidade de vida das
famílias que dependem da pesca para sobreviver, ressalta a importância do
programa para o envolvimento dos pescadores locais. “O nosso público-alvo não
gostava muito de participar de trabalho coletivo. Hoje eles sabem que tudo
depende deles. Esse é o principal legado da campanha dentro da comunidade, o
fortalecimento e a sensibilização para essa questão”, comenta. Mesmo na Resex
Canavieiras, que já detinha um histórico de engajamento e organização social, a
coordenadora de campanha Vanessa Santos e a assessora pesqueira Pedrina Reis
relatam que o programa contribuiu para despertar maior comprometimento e o
entendimento do senso de urgência. “Eles perceberam que é preciso fazer algo já
e não esperar o amanhã. Compreenderam que temos que cuidar da nossa atividade
para que haja uma prosperidade, tanto do recurso natural quanto do próprio
pescador. Houve o despertar do orgulho de que é melhor cuidar para não faltar”,
afirma Reis.
Troca de saberes – Um componente
fundamental para a gestão pesqueira é o conhecimento sobre a prática da
atividade, a condição das espécies e de seus habitats. E, no Brasil, um dos
principais entraves é a falta desses dados. “Temos uma carência muito grande de
dados de produção pesqueira e da biologia das principais espécies capturadas e,
para contrapor essa realidade, a Rare desenvolveu e implantou um protocolo de
monitoramento e avaliação biológica e pesqueira das seis áreas-foco do
programa, incluindo o levantamento das condições sociais, econômicas e
ecológicas para aferir o impacto da pesca sobre as espécies-alvo e a saúde do
ecossistema onde vivem”, explica Lima. “Alguns instrumentos desse nosso modelo,
inclusive, estão subsidiando o protocolo de monitoramento e avaliação da pesca
nas unidades de conservação que está sendo elaborado pelo ICMBio, com a
colaboração de vários pesquisadores e instituições parceiras e que deve, em
breve, passar a ser adotado pelo Instituto”, complementa. O biólogo marinho
Gabriel Vianna, especialista em pesca da Rare, conta que esse processo envolveu
vários atores e se deu de forma participativa, com a colaboração desde
pesquisadores universitários a membros da comunidade, valorizando e associando
o conhecimento tradicional local à literatura científica disponível.
Na avaliação do professor Moacyr Serafim Junior,
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), parceira na Resex Marinha
Baía de Iguape, o “Pesca para Sempre” proporcionou uma forte interação entre a
academia e as comunidades da Resex, numa rica troca de saberes que trouxe
benefícios para todos os envolvidos. “O etnoconhecimento das marisqueiras
contribuiu para o desenvolvimento e ajustes de algumas das metodologias
propostas para o monitoramento das espécies-alvo. Os dados obtidos para o
desembarque, biomassa e CPUE (sigla para captura por unidade de esforço,
indicador da variação da abundância do estoque de pescado ao longo do tempo),
por exemplo, apoiarão a elaboração de medidas de manejo visando um extrativismo
sustentável desses recursos pesqueiros importantes para a geração de renda e a
alimentação das comunidades contempladas no projeto”. O professor Cezar
Fernandes, diretor do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do
Piauí, responsável pelo trabalho de monitoramento na Resex Delta do Parnaíba,
destaca que o maior ganho da iniciativa foi o envolvimento da comunidade
pesqueira.
“Como consequência, obtivemos uma coleta de dados preciosos para um
manejo pesqueiro, em favor da conservação, sustentabilidade e longevidade das
pescarias na área”, pontua.
Capacitação e fortalecimento de lideranças
– O programa Pesca para Sempre prevê, ao longo de sua implementação, uma agenda
extensa de formação dos coordenadores de campanha em temas como marketing
social voltado para comunidades, planejamento e execução de campanhas, biologia
pesqueira e manejo da pesca. O objetivo da Rare é fortalecer líderes de
comunidades e associações de pescadores para que possam envolver e estimular as
populações que vivem nas reservas e no entorno a adotarem práticas mais
sustentáveis, visando a produtividade e a valorização da atividade pesqueira e
uma gestão mais eficiente das áreas marinhas protegidas. Em seu primeiro ciclo
no Brasil, essa formação se deu em três fases universitárias, baseadas no Rio
de Janeiro, com cerca de um mês de duração cada. Nesses períodos, foram
realizadas diversas oficinas, aulas expositivas e participativas, estudos de
casos locais e visitas de campo. E, graças a um acordo de parceria entre a Rare
e a Universidade do Texas em El Paso (UTEP), a participação dos coordenadores
nesses treinamentos culminou na obtenção de um título de mestrado pela UTEP
para quatro deles. Aqueles que não detinham anteriormente um diploma de
graduação receberam um certificado de conclusão de curso.
Continuidade e sustentabilidade
– Ao aterrissar em um território para implementar o programa “Pesca para
Sempre” e ao encerrar por completo sua atuação numa dada localidade, a Rare
atenta para a importância da continuidade e da complementaridade dos esforços
ali realizados. Assim, antes de iniciar a implementação das Campanhas por
Orgulho a organização faz um levantamento das iniciativas e da capacidade
socioambiental instalada nas áreas e a saída da Rare de cada comunidade é
também precedida de um plano de continuidade. “Nosso objetivo primordial é o de
somar forças e fomentar a sustentabilidade das ações. Buscamos contribuir da
melhor forma – por meio de diálogo, capacitação, orientação, compartilhamento
de experiências e acompanhamento estreito – para o empoderamento de lideranças
nas comunidades. Desta forma, esperamos aportar os instrumentos necessários
para que se sintam aptos a propor, coordenar e executar novas estratégias,
dando continuidade aos processos iniciados e às repercussões das ações da
campanha, mesmo após a nossa saída”, afirma Enrico Marone, gerente de programas
da Rare.
Além da fase principal de intervenção do
programa, que tem duração de dois anos e meio, a iniciativa contempla, para
cada uma das áreas, um plano de continuidade e sustentabilidade, elaborado
pelos coordenadores de campanha em articulação com a Rare. Estes planos estão
sendo validados e serão implementados até o final do ano, com o pagamento de
uma bolsa aos coordenadores e apoio técnico e suporte dos gerentes da Rare por
meio de um programa específico voltado para ex-alunos. Essa fase de extensão
prevê a consolidação do engajamento comunitário e um desdobramento dos esforços
de manejo pesqueiro. A expectativa é a de que haja uma alavancagem das ações
executadas, bem como a captação de outras fontes de recursos.
“Além disso, reiterando esse compromisso com a
continuidade, iremos também, em nosso segundo ciclo de trabalho no país –
iniciado recentemente no Pará e Pernambuco -, atuar na replicação das campanhas
em áreas nos Estados do Maranhão e Piauí”, complementa Marone. De 2017 a 2019,
além de implementar o programa em cinco Resex paraenses e duas Áreas de
Proteção Ambiental (APA) pernambucanas, a Rare vai desenvolver ações na APA do
Delta do Parnaíba e apoiar o pleito das comunidades maranhenses de Carutapera e
Baía de Tubarão para a criação de Resex em suas áreas.
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SOBRE A RARE – A Rare é uma organização ambientalista com 40 anos de experiência, cuja missão é inspirar mudanças para que as pessoas e a natureza possam prosperar. Por meio das ‘Campanhas por Orgulho’, já implementou projetos de mobilização social para a promoção de práticas sustentáveis em mais de 50 países, concentrando-se em duas linhas temáticas: ‘pesca’ e ‘água e florestas’. A metodologia desenvolvida pela Rare, hoje mundialmente consagrada, busca soluções de conservação dos recursos naturais fortalecendo lideranças locais, sensibilizando e impulsionando comunidades a adotarem hábitos e procedimentos mais amigáveis para o meio ambiente e para sua própria qualidade de vida.
A Rare Brasil foi registrada localmente em 2014 e
desde então vem trabalhando em parceria com o governo federal, outras ONGs,
universidades e atores locais pela melhoria da gestão da pesca artesanal no
país. Com sede no Rio de Janeiro e atuando em unidades de conservação marinhas
de uso sustentável, a organização busca capacitar comunidades costeiras para o
melhor manejo dos recursos pesqueiros. Assim, a Rare objetiva garantir a
segurança alimentar e o sustento da população tradicional, conservar
importantes habitats marinhos e os estoques das principais espécies comerciais,
além de criar resiliência às mudanças climáticas.
O trabalho da Rare no Brasil tem o apoio de
alguns doadores individuais e é financiado, em sua maior parte, pela fundação
americana Bloomberg Philanthropies, que engloba todas as atividades
filantrópicas do ex-prefeito de Nova York, Michael R. Bloomberg, e tem o meio
ambiente como uma de suas cinco áreas-chave temáticas de atuação. Conheça mais
sobre a Rare em http://www.rare.org/pt-br/brazil
Fonte: ENVOLVERDE
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