Aumenta a fome e a insegurança
alimentar no Brasil.
Renda per capita inferior a 1,25 dólar por dia.
Aumenta a fome e a insegurança alimentar no Brasil. Entrevista especial com
Rosana Magalhães
IHU
Apesar de o Brasil ter saído do
Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas – ONU
há três anos, entidades da sociedade civil alertam para a possibilidade de a
fome e a insegurança alimentar aumentarem no país. Segundo a pesquisadora Rosana
Magalhães, o Banco Mundial tem projetado um aumento
da pobreza extrema no país e se estima que até 10% da população terá uma renda
per capita inferior a 1,25 dólar por dia neste ano. “O IBGE
também reforça essa tendência, apontando que a quantidade de pessoas com renda
inferir a 25% do salário mínimo tem crescido desde 2015. Em uma economia
monetarizada como a nossa e frente à precariedade dos equipamentos públicos e
fragilidade dos chamados buffers, ou seja, mecanismos de suporte
social para ‘amortecer’ os impactos da crise econômica, é possível que a fome
e a desnutrição voltem a ameaçar a população”, adverte.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à
IHU On-Line, Rosana ressalta que, apesar dos avanços
das últimas décadas, “o Brasil continua sendo um país
extremamente desigual”, porque as “políticas públicas permanecem apresentando
baixa efetividade e pouco impacto redistributivo”. A pesquisadora também
esclarece que a fome “não se resume à falta absoluta de alimentos, mas também
às restrições qualitativas. Paradoxalmente o crescimento da obesidade expressa
uma face da fome e da má nutrição na medida
em que há, para além do excesso de calorias, fortes desequilíbrios nutricionais
e frequentemente falta de alimentos protetores na dieta. Fome
e pobreza não são sinônimos, mas claramente são condições
fortemente associadas. Assim, em contextos onde existem desigualdades sociais
de gênero, educação, étnicas, ocupacionais etc., sem dúvida estão também
ameaçadas as chances de equilíbrio alimentar e superação da fome”.
Rosana
Magalhães | Foto: Fiocruz
Rosana Magalhães é graduada em Nutrição pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestra em Saúde Pública pela Fundação
Oswaldo Cruz e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Atualmente é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Nos últimos anos o Brasil
se orgulhava de ter reduzido os índices de miséria e de pobreza, mas hoje
fala-se da possibilidade de o país voltar a integrar o Mapa da Fome da ONU. O
que aconteceu para que essa conquista fosse revertida? Quais diria que são as
causas dessa reversão?
Rosana Magalhães – No contexto
de recessão econômica e aumento do desemprego em que vivemos
desde 2015, é possível que a pobreza extrema cresça, e com ela
a insegurança alimentar e nutricional. O Banco Mundial tem projetado um aumento
da pobreza extrema no país, ou seja, da parcela da população com renda per
capita inferior a $1,25 dia. Esta parcela poderia alcançar até 10% do total da
população brasileira em 2017.O IBGE também reforça essa
tendência apontando que a quantidade de pessoas com renda inferir a 25% do
salário mínimo tem crescido desde 2015. Em uma economia monetarizada como a
nossa e frente à precariedade dos equipamentos públicos e fragilidade dos
chamados buffers, ou seja, mecanismos de suporte social para
“amortecer” os impactos da crise econômica, é possível que a fome
e a desnutrição voltem a ameaçar a população.
IHU On-Line – Qual foi o impacto do
Programa Bolsa Família na segurança alimentar e nutricional das famílias
beneficiárias?
Rosana Magalhães – Existem
estudos que revelam a melhora no acesso aos alimentos a partir do recebimento
dos benefícios monetários previstos no programa de transferência condicionada
de renda Bolsa Família. No entanto, há controvérsias no que se refere aos impactos
nutricionais do programa. De um lado, o aumento da renda das famílias mais
pobres pode de fato ter repercutido no maior consumo de frutas, verduras, leite
e carnes. Por outro lado, o acesso a fast food, alimentos ultraprocessados e
ricos em gorduras e açúcares também pode estar associado à maior elasticidade
no orçamento familiar em contextos mais vulneráveis socialmente.
Sem dúvida os maiores avanços do programa
Bolsa Família no que se refere ao quadro de saúde e nutrição
da população estão ligados não só aos benefícios monetários, mas, sobretudo, ao
seu potencial articulador de múltiplas políticas e ações intersetoriais como o
acompanhamento do crescimento infantil, do pré-natal, a cobertura vacinal, a
frequência escolar e as estratégias voltadas à geração de renda. Tais
condicionalidades do programa podem favorecer a redução das iniquidades em
saúde e ampliar as oportunidades sociais que certamente impactam o perfil
alimentar e nutricional de uma maneira abrangente.
IHU On-Line – Quais são as principais
causas da fome e da desnutrição alimentar no país? Em que medida a fome, a
desnutrição e a insegurança alimentar ainda são problemas não resolvidos no
Brasil?
Paradoxalmente o crescimento da
obesidade expressa uma face da fome e da má nutrição.
Rosana Magalhães – Apesar dos
avanços das últimas décadas, o Brasil continua sendo um país
extremamente desigual. Nossas políticas públicas permanecem
apresentando baixa efetividade e pouco impacto redistributivo. Os recentes
escândalos ligados à corrupção e ao uso predatório dos recursos públicos
revelam o grande desafio que precisamos enfrentar a fim de garantir um futuro
mais equitativo para as novas gerações.
A fome é um conceito amplo, não se resume à falta
absoluta de alimentos, mas também às restrições qualitativas. Paradoxalmente o
crescimento da obesidade expressa uma face da fome e da má nutrição na medida
em que há, para além do excesso de calorias, fortes desequilíbrios nutricionais
e frequentemente falta de alimentos protetores na dieta. Fome
e pobreza não são sinônimos, mas claramente são condições
fortemente associadas. Assim, em contextos onde existem desigualdades sociais
de gênero, educação, étnicas, ocupacionais etc., sem dúvida estão também
ameaçadas as chances de equilíbrio alimentar e superação da fome.
IHU On-Line – Quais são as políticas
desenvolvidas para garantir a segurança alimentar e nutricional no país
atualmente?
Rosana Magalhães – O Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e o
Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar são
exemplos de iniciativas voltadas à garantia de maior capacidade produtiva e
geração de renda entre os agricultores familiares. O Banco de Alimentos,
que é um centro de recolhimento e distribuição de alimentos para diversas
entidades e associações civis, também é uma iniciativa importante para diminuir
a insegurança alimentar. Como um raro exemplo de continuidade e estabilidade ao
longo de décadas, o Programa Nacional de Alimentação Escolar
também revela a presença de políticas voltadas à promoção da segurança
alimentar e nutricional, assim como diversas outras políticas na área.
A má alimentação está ligada à
emergência de vários tipos de câncer, à hipertensão arterial, a diabetes,
obesidade e inúmeras patologias
IHU On-Line – De que forma os problemas
relacionados à fome e à desnutrição geram impacto na saúde e, nesse sentido,
quais as consequências para o SUS?
Rosana Magalhães – A saúde
é um conceito elástico e complexo e, sabemos, que não se esgota no cuidado e no
acesso a serviços. Nessa perspectiva a questão alimentar e nutricional é também
um componente indissociável da saúde, assim como o acesso à água, ao saneamento
básico, à educação, ao pertencimento comunitário e todas as demais dimensões da
“boa vida”. A má alimentação está ligada à emergência de vários tipos de
câncer, à hipertensão arterial, a diabetes, obesidade e inúmeras patologias. A fome
afeta o potencial de crescimento infantil e aumenta as taxas de mortalidade,
sobretudo entre os menores de um ano e idosos. Neste aspecto, sem dúvida, é um
fenômeno que deve ocupar de maneira prioritária a agenda do SUS.
IHU On-Line – O que seria, na sua
avaliação, uma política ou um conjunto de políticas públicas adequadas para
resolver o problema da fome e da insegurança alimentar no Brasil?
Rosana Magalhães – A maioria dos
pesquisadores e estudiosos da área têm chamado a atenção para a necessidade de
repensar o modelo de desenvolvimento econômico e social na
perspectiva de orientar os esforços para a redução das desigualdades e respeito
à diversidade cultural e ambiental. Nenhuma política ou programa poderá
enfrentar a fome e a desnutrição de maneira
isolada, descontextualizada e alheia às demandas sociais. Cada contexto local
apresenta potencialidades e desafios próprios para garantir o melhor acesso aos
alimentos em quantidade e qualidade adequadas a cada fase do ciclo da vida. Em
alguns locais, a melhoria da qualidade da água consumida pela população pode
ter profundo impacto na redução da desnutrição. Em outros, o desafio pode ser
eliminar as desigualdades de gênero, implementar um Banco de Alimentos
ou repartir de maneira mais justa a terra.
Também não podemos esquecer o impacto negativo da
propaganda de alimentos ultraprocessados para o público
infantil e que tende a ampliar problemas nutricionais. Portanto, as políticas
públicas devem ser implementadas de maneira a respeitar tais características e
desafios de cada contexto e favorecer a participação cívica, a
intersetorialidade e a equidade. Com isso, é possível alcançar mudanças
efetivas.
Fonte: IHU On-line
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