Qual
valor dos povos indígenas no planejamento energético brasileiro?
Autor Sucena Shkrada Resk -
24/07/2017
Como o componente indígena entra na agenda
socioambiental de planejamento da matriz elétrica brasileira, em especial, com
relação a grandes empreendimentos hidrelétricos? Esse foi um dos pontos destacados
durante o diálogo entre representantes de organizações não governamentais, que
integram o Grupo de Trabalho de Infraestrutura, com equipe técnica da Empresa
de Pesquisas Energéticas (EPE), no dia 17 de julho. O encontro ocorreu, na sede
da empresa, no Rio de Janeiro. Esta é a segunda rodada de diálogo estabelecida
desde 05 de maio (veja também Organizações
socioambientais abrem espaço de diálogo com EPE para discutir planejamento da
matriz elétrica) .
A EPE apresentou uma visão geral da metodologia do
planejamento energético no país que no recorte socioambiental, segundo a
empresa, tem quatro critérios: modicidade tarifária, segurança energética,
áreas protegidas e mudanças climáticas. E é no chamado índice socioambiental,
nos estudos de inventário hidrelétricos, que um dos aspectos socioambientais
são as populações indígenas e tradicionais.
No mesmo momento, a 2.500 quilômetros de distância,
na divisa do Pará e Mato Grosso, acontecia um caso real que demonstra a
necessidade de maior empenho nesta agenda. Indígenas Munduruku ocupavam
pacificamente canteiro de obras da Usina Hidrelétrica São Manoel (que aguarda
aprovação de licença de operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama). O grupo com cerca de 140 pessoas,
entre crianças, adultos e idosos, reivindicavam seus direitos no processo de
implementação dos grandes empreendimentos hidrelétricos, desde a fase de
consulta. A ocupação foi encerrada no dia 20, mas a mobilização continua (veja mais em Somos feitos do sagrado!).
Para a compreensão do contexto da mobilização, o GT
Infraestrutura entregou aos representantes da EPE cópias das cartas
de reinvindicações dos Munduruku e um dossiê
produzido pelo Fórum Teles Pires (FTP), um coletivo de organizações da
sociedade e movimentos sociais…., em que indígenas também das etnias Apiaká e
Kayabi expõem os problemas enfrentados pelas comunidades. O Ministério
Público Federal atua neste caso e mediou reunião que ocorreu no dia 19/07,
entre os indígenas, o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
Franklimberg de Freitas, e representantes das usinas. Na região, além da São
Manoel, está em funcionamento a UHE Teles Pires, iniciada em 2010.
“Este caso leva a um ponto de reflexão: evitar que
se repita esse atropelo também nos processos de planejamento das UHE de
Castanheira e de Tabajara”, alertou Brent Millikan, da ONG International Rivers
– Brasil. A primeira, prevista para ser construída no rio Arinos, na bacia do
rio Juruena, no município de Juara, Mato Grosso. A outra usina planejada para
ser construída no Rio Ji-Paraná, em Machadinho D’oeste, Rondônia. Ambas constam
no Plano (PDE).
Sérgio Guimarães, um dos fundadores do Instituto
Centro de Vida (ICV) e facilitador do GT Infraestrutura, propôs que o caso
‘munduruku’ seja analisado como aprendizado quanto ao componente
indígena/socioambiental nos estudos de pesquisa energética/elétrica da EPE.
“Propomos que a EPE convide representantes dos povos indígenas para envolvê-los
em discussão interna a respeito desta pauta de como incluir e ouvir as
comunidades indígenas potencialmente impactadas antes da tomada de decisão da
construção de obras”, sugeriu.
“A questão socioambiental é pensada em todas etapas
do planejamento… A ideia é cada vez mais incorporar o socioambiental. Muitas
vezes é uma oportunidade e não um entrave”, disse Ricardo Gorini, diretor de Estudos
Econômicos, Energéticos e Ambientais da EPE.
Aprofundamento na Convenção 169 da OIT
Hermane de Morais Vieira, da equipe da EPE, citou
que atualmente é um bom momento para aprofundar os estudos socioambientais
entre inventário e planejamento dos empreendimentos. “De estudar o meio
biótico, de como colocar questões culturais de longo prazo para a hidrelétrica.
A Convenção
169 da OIT, que determina consulta prévia, livre e informada, tem
interferência direta em questões indígenas e é preciso saber como fazer
compensação indígena com relação a recursos hídricos. Temos uma moratória para
poder estudar estes temas e conhecimentos agora para permitir melhores decisões
no futuro”, avaliou.
Segundo Izaura Ferreira Frega, superintendente de
Meio Ambiente da EPE em entrevista ao ICV, foi criado um grupo interno de
trabalho, sobre a Convenção 169 da OIT. “Estamos produzindo um material a ser
discutido em outros fóruns, com experiências que identificamos pontos a
avançar. Mas é bom colocar que esta é uma questão maior de governo, que envolve
diferentes ministérios, desde Minas e Energia e Meio Ambiente à Justiça e Casa
Civil”, disse.
A superintendente de Meio Ambiente expôs que a
empresa contratou um estudo de impacto ambiental e de componente indígena para
avaliação do licenciamento do empreendimento da UHE Castanheira. “Estamos em
diálogo com as tribos, por meio da consultora, e apresentação dos estudos de
viabilidade para a FUNAI para continuar o processo, buscando os pleitos das
diferentes etnias”.
Consulta pública do PDE 2026 está prevista até o
dia 6 de agosto
O GT Infraestrutura solicitou que a consulta
pública do Plano
Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2026 seja prorrogada para que o GT
Infraestrutura possa fazer uma contribuição conjunta, dando oportunidade também
a outros interessados. O prazo atual é até o dia 6 de agosto. Além dos pontos
socioambientais destacados, as ONGs expuseram a necessidade de se aprofundar
estudos de efeitos cumulativos dos empreendimentos, em especial na Bacia do
Juruena, onde estão previstas 114 usinas de pequeno a grande porte, como também
de impactos a pessoas que vivem à jusante, e de estudos migratórios dos peixes,
entre outros.
O GT Infraestrutura, nesta reunião, teve a
participação de representantes da Amigos da Terra, do Instituto
ClimaInfo, do Greenpeace, do Instituto Centro de Vida – ICV, do Instituto de
Energia e Meio Ambiente – IEMA, do Instituto Escolhas, do Instituto
Socioambiental (ISA), da International Rivers-Brasil, da Rede de Barragens
Amazônicas (RBA), da TNC – Brasil e do WWF – Brasil, do WRI – Brasil, além de
membros da Frente por uma Nova Política Energética, da Campanha Energia para a
Vida, do Observatório do Clima e do Instituto Clima e Sociedade, e do consultor
Tasso Azevedo.
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Fonte: ICV
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