Mina de
carvão ameaça paraíso ecológico.
Por Orlando Milesi, da IPS –
Santiago, Chile, 21/11/2016 – A exploração de uma
mina de carvão a céu aberto na austral ilha de Riesco, um paraíso de
diversidade biológica localizado na Patagônia do Chile, se converteu em exemplo
da debilidade da legislação ambiental, criticada por moradores, ativistas,
cientistas e parlamentares. Riesco, a quarta maior ilha do país, no extremo
meridional da América do Sul, possui um ecossistema marinho e terrestre onde
convivem espécies como a baleia jubarte, quatro tipos de golfinhos, elefantes
marinhos e pinguins. Também conta com pelo menos 24 espécies de mamíferos e 136
de aves.
Baleias jubarte e golfinhos são parte do rico habitat no golfo de Otway no
estreito de Magalhães, em frente à mina Invierno na ilha de Riesco, na
Patagônia chilena, no extremo meridional da América do Sul. Foto: José Antonio
de Pablo/Alerta Isla Riesco
“Eu não saio daqui, mas vejo as drásticas
mudanças”, contou, preocupado, à IPS um dos 150 habitantes da ilha, Gregor
Stipicic, por telefone, de Riesco. Com 36 anos, é o mais novo dos três irmãos
Stipicic, donos de uma fazenda de 750 hectares, onde pastam cerca de seis mil
ovelhas que estão ameaçadas pelas explosões com dinamite. Médico cirurgião de profissão,
ele vive na fazenda agropecuária desde 2006, quando assumiu a propriedade após
a morte de seu pai. O avô, imigrante croata, foi o primeiro da família que
chegou à ilha, em 1956, atraído pela rica qualidade da terra.
A ilha Riesco tem cinco mil quilômetros quadrados e
fica três mil quilômetros ao sul de Santiago, na localidade de Rio Verde, na
região de Magalhães, a mais austral do país. Seus habitantes se distribuem em
30 fazendas e se dedicam principalmente à criação de ovelhas. Um terço da superfície
da ilha forma a Reserva Nacional Alacalufe, uma das maiores do Chile, com cerca
de 2,6 milhões de hectares de terras virgens, que faz parte do sistema de áreas
protegidas do país.
A mina Invierno, a maior de carvão a céu aberto do
Chile, pertence à Sociedade Mineradora Isla Riesco, propriedade das companhias
chilenas Copec e Ultramar, que investiram US$ 600 milhões na exploração e
possuem outras quatro minas na ilha, até agora inativas. O objetivo é explorar,
por 12 anos, reservas de 73 milhões de toneladas de carvão sub-betuminoso B e C
de baixíssimo poder calorífico (4.100 quilocalorias por quilo) e alto teor de
metais pesados.
Esse carvão é vendido às centrais termoelétricas de
Huasco, Tocopilla, Mejillones e Ventanas, no norte e centro do Chile. Também é
exportado para China, Índia, Brasil e outros países. A firme baixa no preço
internacional do carvão afetou os planos da companhia, que reduziu
temporariamente a produção e também seu pessoal. A instalação da mina Invierno
significou cortar 400 hectares de floresta nativa, secar uma lagoa e modificar
todo o funcionamento hídrico próximo ao seu entorno. Hoje conta com três
depósitos de material estéril de 60 metros de altura cada um.
Lengas e ñirres (espécies nativas do sul do Chile)
são os destaques da exuberante flora da ilha de Riesco, na Patagônia chilena,
ameaçada pela exploração carbonífera. Foto: Claudio Magallanes Velazco/Alerta
Isla Riesco
“Tudo está sendo contaminado. Há 1.500 hectares
afetados diretamente, que incluem 400 com um buraco que é a fenda de
exploração, que já atingiu 100 dos 180 metros de profundidade projetados”,
explicou Ana Stipicic, porta-voz do movimento social e ecológico Alerta Isla
Riesco. “A última denúncia de contaminação que geramos foi a do rio Chorrillo
Invierno Dos. Agora soubemos que também foram contaminados os rios Cañadón e
Chorrillo Los Coipos. Existem piscinas de decantação para separar o material
sólido, mas não funcionam”, disse à IPS, em Santiago, a ativista irmã de
Gregor.
Ana Stipicic destacou que os rios contaminados
afetaram um mangue e que “há pedaços enormes de carvão ao longo da margem
costeira. O porto da mina e as trituradoras que moem o mineral lançam pó de
carvão no mar. Isso ninguém estuda”. Ela afirmou que a dispersão de material em
partículas “cai nos campos de pastoreio, nas florestas e em corpos de água
vizinhos, onde há uma fauna riquíssima”, ressaltando que a exploração da mina
provocou “enorme deslocamento de fauna, desde pássaros carpinteiros até o ratão
do banhado e o cervo sul-andino”.
Por sua vez, o biólogo Juan Capella, da Fundação
Jubarte, denunciou que o transporte de carvão em barcos pelo golfo de Otway,
canal Gerónimo e estreito de Magalhães, afeta as baleias jubarte e os golfinhos
que ocupam essa área, onde fica o Parque Marinho Francisco Coloane. “Há casos
registrados de choques de cargueiros com baleias. Quanto mais carvão e mais
tráfego de embarcações por um canal tão estreito, maior a probabilidade de
choques e morte de baleias. Em março, um barco chocou-se com uma baleia e a
matou”, apontou o especialista à IPS,de Punta Arenas, capital da região de
Magalhães.
Mapa da localização das minas de carvão na ilha de
Riesco, na região de Magalhães, no extremo sul do Chile. Foto: Alerta isla
Riesco
O especialista em clima Nicolás Butorovic
acrescentou que, durante o Estudo de Impacto Ambiental da mina Invierno,
“provamos que o projeto era ruim com relação ao material particulado
sedimentar.
Eles previram 60 microgramas por dia, mas as estações mediram até
158”. A companhia declarou, então, que não usaria explosões de dinamite, pois
buscava uma mineração sustentável e que os ventos na região tinha média de 39
quilômetros por hora, quando, na realidade, às vezes superavam os 180 km/h.
Fernando Dougnac, presidente da organização de
advogados ambientalistas Fima, apresentou um recurso no tribunal de Punta
Arenas para frear as detonações e anexou uma ordem de não renová-las, que o
tribunal acolheu, paralisando as explosões.Em seu recurso, Dougnac disse à IPS,
em Santiago, que incluiu uma série de informes veterinários de 1998, que
demonstram que as ovelhas em períodos de cruzamento, acasalamento e desmame –
de quatro a cinco meses em diferentes períodos – são muito suscetíveis ao ruído,
a ponto de se pedir que os trabalhadores não entrem onde há animais.
“Temos esperanças de que as explosões sejam
suspensas nesses meses. A mina Invierno necessita reduzir os custos de
operação, por isso insistirá em detonar quatro vezes na semana, que é o que
está aprovado”, explicou Ana Stipicic.
O diretor nacional do Greenpeace Chile, Matías
Asún, assegurou à IPS que a mineradora “enganou a população e abusou com
relação às normas para permitir depois um sistema de exploração por meio de
explosões de dinamite”. A seu ver, “a autoridade ambiental do Chile opera com
critérios econômicos e comerciais. Seu discurso oficial não é a proteção do
ambiente, mas a proteção dos investimentos”.
Asún pontuou que “é anacrônico um país em que as
energias renováveis estão vivendo um crescimento com altas mundiais e o carvão
está francamente de saída, também associado a múltiplos conflitos territoriais,
dar um subsídio violando a normativa ambiental de fato e os compromissos que a
própria empresa manteve com a comunidade”. Ressaltou que “Isla Riesco não é
sustentável, mesmo barateando os custos com consequências ambientais”.
O deputado independente Gabriel Boric,
representante da região de Magalhães, disse à IPS que a companhia fragmentou
seu projeto de exploração do carvão de Riesco para conseguir sua aprovação.
“Permitir que um projeto seja apresentado fragmentado, e desta maneira seu
impacto ambiental nunca ser avaliado integralmente, é uma das principais
debilidades que tem a institucionalidade ambiental, o que deve ser reparado em
uma próxima reforma do sistema”, enfatizou.
Fonte: ENVOLVERDE
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