A COP
“procedimental”.
Por Alfredo Sirkis, especial para o OC –
Alfredo Sirkis analisa os resultados da conferência
do clima de Marrakesh e as perspectivas para os mecanismos de implementação do
acordo do clima de Paris nos próximos anos.
Há conferências do clima politicamente “históricas”
e outras meramente procedimentais, como times de futebol “cumprindo a tabela”.
A COP22, de Marrakesh, certamente faz parte do segundo tipo, embora tenha sido
sacudida até a medula pelo resultado escalafobético das eleições
norte-americanas. No último dia, quando de costume reina aquela ansiedade, tudo
tem jeitão “relax”. O tema mais “quente” é a “Proclamação de Marrakesh”, na
qual o governo marroquino vinha insistindo desse o início e cujo objetivo,
turbinado pela eleição norte-americana, foi “reafirmar o Acordo de Paris”.
Há, evidentemente, algo de substância em toda
questão procedimental. Elas acabam determinando maior ou menor velocidade na
aplicação de certos dispositivos. Boa parte das questões tratadas na COP22 vai
sobrar para 2017, que promete ser não menos “procedimental” – a não ser que
algo grave ocorra, o que é perfeitamente possível na medida em que ninguém
sabe, de fato, o que Donald Trump vai fazer após assumir a Presidência dos EUA.
As especulações vão de “nada” até sair da Convenção do Clima, assinada no Rio,
em 1992.
“Foto de família” organizada pelo Greenpeace na
frente do Bab Ighli, onde ocorreu a conferência de Marrakesh. Foto: Angie
Rattay
A COP de 2018 é apontada como o marco futuro, pois
ali deve ser tratada a questão da descarbonização drástica para a segunda
metade do século e onde os países com posições mais progressistas tentarão
avançar na definição de como devem ser os ciclos quinquenais de revisão para
mais ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), já que o
conjunto delas, anunciado no ano passado, deixa uma sobra de no mínimo 12
bilhões de toneladas de CO2 no ar em relação à trajetória de menos de 2oC
assumida no Acordo de Paris. Que dizer do horizonte de 1,5oC, objetivo mais
ambicioso do acordo?
Outro tema relevante que está sem definição e só
deve ser acertado mais adiante é o da compatibilização das NDCs, que são muito
díspares: reduções no agregado, ao largo de toda a economia; reduções em
intensidade de carbono por ponto percentual do PIB; reduções contra uma uma
curva de emissões projetadas — chutadas, dirão as más línguas –, reduções
limitadas a setores da economia etc. É possível converter em reduções no
agregado a maioria das NDC, mas não todas, a começar pelas do quarto maior
emissor do mundo, a Índia.
A famosa questão dos US$ 100 bilhões de
financiamento climático por ano a partir de 2020 dos países desenvolvidos foi
reafirmada, como aval dos ditos cujos, na Proclamação. Mas isso não veio
acompanhado de nenhuma definição de modalidades de desembolso, nem de prazos
claros. Está sendo empurrado com a barriga. Seria mais honesto admitir de uma
vez por todas que isso não corresponderá a um desembolso líquido, mas poderá se
dar, em parte, na forma de um fundo garantidor. Mas falta coragem. Essa é uma
questão que certamente vai ficar mais difícil com Trump, mesmo que ele não cometa
nenhum desatino como sair da convenção e pratique o “business a usual”.
Vi poucas ideias novas, uma certa autocomplacência
de uma comunidade surpresa consigo mesma pelo Acordo de Paris e mais ainda pela
sua rápida ratificação e entrada (teoricamente) em vigor. Se ouvirmos o que
dizem os cientistas, não podemos nos dar ao luxo desse sentimento tão
gratificante, mas suicida. O buraco é mais embaixo.
E, em terra de autocomplacentes, o Brasil é rei.
* Alfredo Sirkis é secretário-executivo do
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Fonte: Observatório do Clima
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