Brasil
ressuscita diplomacia do etanol.
Por Claudio Angelo, do OC, em Marrakesh –
País lança na COP22, em Marrakesh, uma coalizão
internacional com mais 19 nações para promover combustíveis de baixo carbono,
mirando mercado para álcool de cana de segunda geração.
Ela está de volta. Lançada em 2006, no governo
Lula, e esquecida em 2009 depois da descoberta do pré-sal, a diplomacia do
etanol ensaia um retorno na COP22, a conferência do clima de Marrakesh. Desta
vez, repaginada como “diplomacia da bioenergia”.
Nesta quarta-feira (16), o Brasil lançará a
Plataforma do Biofuturo, uma coalizão de 20 países para incentivar a produção e
a comercialização de combustíveis avançados de baixo carbono.
A estrela da festa é o etanol de segunda geração,
produzido a partir da quebra da celulose, que começou a ganhar escala comercial
há dois anos e que já é fabricado rotineiramente em seis usinas no mundo, duas
delas no Brasil.
“A tecnologia de usar material celulósico já saiu
do laboratório e chegou à indústria, mas ainda tem alguns problemas de escala.
Queremos chamar a atenção do mundo para essas coisas”, disse a jornalistas
Renato Godinho, chefe da Divisão de Recursos Energéticos do Itamaraty. Para
ele, o Brasil e seus 19 parceiros na plataforma estão formando “o G20 da
bioenergia”.
O etanol avançado vinha sendo buscado por diversas
instituições de pesquisa no Brasil na década passada. Naquela época, quando os
Estados Unidos se admitiram “viciados em petróleo” e a urgência da ação contra
as mudanças climáticas enfim atingiu governos do mundo inteiro, foi iniciada
uma corrida rumo ao Santo Graal da quebra da celulose.
O álcool normal, de primeira geração, é produzido
pela fermentação e posterior destilação dos açúcares contidos em diversas
plantas, como cana e milho. Como o carbono liberado pela sua queima é depois
reabsorvido quando a planta cresce, ele é considerado um combustível de baixa
emissão de gases de efeito estufa. Por esse processo, hoje o Brasil consegue
produzir 7.000 litros de álcool por hectare de cana cultivada.
O etanol de segunda geração pode turbinar esse
potencial. Agora, o bagaço da cana e a palha do milho e do arroz também podem
ser convertidos em álcool, por meio do uso de enzimas que quebram a celulose
(um polímero, ou molécula de cadeia longa) em moléculas de açúcar que podem ser
fermentadas e destiladas.
O país perdeu a corrida tecnológica inicial do
desenvolvimento de rotas enzimáticas para a quebra da celulose, e hoje precisa
comprar enzimas da Novozymes, uma empresa dinamarquesa. Ainda há, porém, muita
pesquisa e desenvolvimento a serem feitos na área, inclusive na descoberta e
comercialização de enzimas locais. Há pesquisas nessa linha na Embrapa, no
Centro de Tecnologia do Bioetanol e em outras instituições.
Usina de etanol em Pradápolis, SP. Foto: Creative
Commons.
No Brasil, o etanol de segunda geração aumenta em
50% a produtividade, permitindo a produção de 10 mil litros por hectare.
Segundo Artur Milanez, gerente do Departamento de
Biocombustíveis do BNDES, o potencial teórico imediato do Brasil, somente
considerando a área plantada e a produtividade atual da cana, é de 45 bilhões
de litros de etanol, se a tecnologia de segunda geração fosse utilizada
plenamente. É quase o equivalente aos 50 bilhões de litros que o país precisará
produzir até 2030 se quiser cumprir a meta de ampliação dos biocombustíveis de
sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada).
Atingir esse potencial, porém, dependerá de superar
uma série de barreiras. A primeira delas é interna: o etanol celulósico é
produzido em pequenas quantidades – uma das plantas brasileiras, da Raízen,
produzirá apenas 20 milhões de litros em 2017. A ampliação dessa oferta interna
esteve limitada também pela crise do etanol, que começou a ser superada em 2015
e foi uma das razões para a queda das emissões do setor de energia no Brasil
naquele ano, segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases
de Efeito Estufa do Observatório do Clima). Mas ainda depende de incentivos
fiscais, algo que hoje está fora de cogitação no Brasil.
Outra questão é o tamanho do mercado potencial
externo. O Brasil hoje é o segundo maior produtor de etanol, mas exporta apenas
10% de sua produção. Diversos potenciais consumidores, como a Alemanha, têm
adotado restrições à entrada de biocombustíveis na matriz de transporte. Isso
se deve a temores de que as culturas usadas para extraí-los, como o dendê, que
são mais lucrativas, desloquem a produção de alimentos e provoquem uma corrida
às terras no mundo tropical, prejudicando pequenos agricultores – como de fato
ocorreu na África.
No Brasil, havia o temor de que o álcool pudesse
induzir desmatamento na Amazônia ou no entorno do Pantanal, algo que foi
afastado ainda no governo Lula com o zoneamento da cana, que excluiu essas
áreas – apesar de os ruralistas no Congresso nunca terem desistido de expandir
o plantio para esta última região.
Por fim, há um risco de mercado no futuro, advindo
das próprias mudanças tecnológicas no setor de energia: o de que a produção de
etanol celulósico atinja seu pico num momento em que o motor a explosão estiver
saindo de cena.
Segundo a Agência Internacional de energia, a
quantidade de carros elétricos rodando no mundo em 2015 chegou a 1,3 milhão, o
dobro do número que havia no ano anterior. Estima-se que essa cifra, sem
nenhuma política adicional de incentivo, atinja 150 milhões em 2040 (mais do
que o triplo da frota de veículos leves do Brasil hoje). Caso medidas mais
amplas de redução de emissões sejam adotadas, esse número pode chegar a 715
milhões, reduzindo o consumo de combustíveis no transporte em 6 milhões de
barris de petróleo por dia. Nesse cenário, o etanol seria prejudicado.
Godinho e Milanez apostam em que esse risco seja
baixo e de longo prazo. O Brasil não trabalha com cenários de uma troca maciça
de automóveis por carros elétricos antes de 2050. “Ainda que a eletrificação
pareça fazer sentido hoje, quem vai definir isso é o mercado”, disse Milanez.
“Os biocombustíveis são uma solução imediata, e o clima não espera”, afirmou
Godinho. Ambos consideram que, mesmo que houvesse substituição maciça nos
veículos leves, os biocombustíveis ainda terão muito tempo de vida nos setores
de transporte de carga e de aviação. “Há mercado para sempre”, prosseguiu o
diplomata.
Fonte: Observatório do Clima
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