sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Brasil ressuscita diplomacia do etanol.
Por Claudio Angelo, do OC, em Marrakesh – 

País lança na COP22, em Marrakesh, uma coalizão internacional com mais 19 nações para promover combustíveis de baixo carbono, mirando mercado para álcool de cana de segunda geração.

Ela está de volta. Lançada em 2006, no governo Lula, e esquecida em 2009 depois da descoberta do pré-sal, a diplomacia do etanol ensaia um retorno na COP22, a conferência do clima de Marrakesh. Desta vez, repaginada como “diplomacia da bioenergia”.

Nesta quarta-feira (16), o Brasil lançará a Plataforma do Biofuturo, uma coalizão de 20 países para incentivar a produção e a comercialização de combustíveis avançados de baixo carbono.

A estrela da festa é o etanol de segunda geração, produzido a partir da quebra da celulose, que começou a ganhar escala comercial há dois anos e que já é fabricado rotineiramente em seis usinas no mundo, duas delas no Brasil.

“A tecnologia de usar material celulósico já saiu do laboratório e chegou à indústria, mas ainda tem alguns problemas de escala. Queremos chamar a atenção do mundo para essas coisas”, disse a jornalistas Renato Godinho, chefe da Divisão de Recursos Energéticos do Itamaraty. Para ele, o Brasil e seus 19 parceiros na plataforma estão formando “o G20 da bioenergia”.

O etanol avançado vinha sendo buscado por diversas instituições de pesquisa no Brasil na década passada. Naquela época, quando os Estados Unidos se admitiram “viciados em petróleo” e a urgência da ação contra as mudanças climáticas enfim atingiu governos do mundo inteiro, foi iniciada uma corrida rumo ao Santo Graal da quebra da celulose.

O álcool normal, de primeira geração, é produzido pela fermentação e posterior destilação dos açúcares contidos em diversas plantas, como cana e milho. Como o carbono liberado pela sua queima é depois reabsorvido quando a planta cresce, ele é considerado um combustível de baixa emissão de gases de efeito estufa. Por esse processo, hoje o Brasil consegue produzir 7.000 litros de álcool por hectare de cana cultivada.

O etanol de segunda geração pode turbinar esse potencial. Agora, o bagaço da cana e a palha do milho e do arroz também podem ser convertidos em álcool, por meio do uso de enzimas que quebram a celulose (um polímero, ou molécula de cadeia longa) em moléculas de açúcar que podem ser fermentadas e destiladas.

O país perdeu a corrida tecnológica inicial do desenvolvimento de rotas enzimáticas para a quebra da celulose, e hoje precisa comprar enzimas da Novozymes, uma empresa dinamarquesa. Ainda há, porém, muita pesquisa e desenvolvimento a serem feitos na área, inclusive na descoberta e comercialização de enzimas locais. Há pesquisas nessa linha na Embrapa, no Centro de Tecnologia do Bioetanol e em outras instituições.
Usina de etanol em Pradápolis, SP. Foto: Creative Commons.

No Brasil, o etanol de segunda geração aumenta em 50% a produtividade, permitindo a produção de 10 mil litros por hectare.

Segundo Artur Milanez, gerente do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, o potencial teórico imediato do Brasil, somente considerando a área plantada e a produtividade atual da cana, é de 45 bilhões de litros de etanol, se a tecnologia de segunda geração fosse utilizada plenamente. É quase o equivalente aos 50 bilhões de litros que o país precisará produzir até 2030 se quiser cumprir a meta de ampliação dos biocombustíveis de sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada).

Atingir esse potencial, porém, dependerá de superar uma série de barreiras. A primeira delas é interna: o etanol celulósico é produzido em pequenas quantidades – uma das plantas brasileiras, da Raízen, produzirá apenas 20 milhões de litros em 2017. A ampliação dessa oferta interna esteve limitada também pela crise do etanol, que começou a ser superada em 2015 e foi uma das razões para a queda das emissões do setor de energia no Brasil naquele ano, segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima). Mas ainda depende de incentivos fiscais, algo que hoje está fora de cogitação no Brasil.

Outra questão é o tamanho do mercado potencial externo. O Brasil hoje é o segundo maior produtor de etanol, mas exporta apenas 10% de sua produção. Diversos potenciais consumidores, como a Alemanha, têm adotado restrições à entrada de biocombustíveis na matriz de transporte. Isso se deve a temores de que as culturas usadas para extraí-los, como o dendê, que são mais lucrativas, desloquem a produção de alimentos e provoquem uma corrida às terras no mundo tropical, prejudicando pequenos agricultores – como de fato ocorreu na África.

No Brasil, havia o temor de que o álcool pudesse induzir desmatamento na Amazônia ou no entorno do Pantanal, algo que foi afastado ainda no governo Lula com o zoneamento da cana, que excluiu essas áreas – apesar de os ruralistas no Congresso nunca terem desistido de expandir o plantio para esta última região.

Por fim, há um risco de mercado no futuro, advindo das próprias mudanças tecnológicas no setor de energia: o de que a produção de etanol celulósico atinja seu pico num momento em que o motor a explosão estiver saindo de cena.

Segundo a Agência Internacional de energia, a quantidade de carros elétricos rodando no mundo em 2015 chegou a 1,3 milhão, o dobro do número que havia no ano anterior. Estima-se que essa cifra, sem nenhuma política adicional de incentivo, atinja 150 milhões em 2040 (mais do que o triplo da frota de veículos leves do Brasil hoje). Caso medidas mais amplas de redução de emissões sejam adotadas, esse número pode chegar a 715 milhões, reduzindo o consumo de combustíveis no transporte em 6 milhões de barris de petróleo por dia. Nesse cenário, o etanol seria prejudicado.

Godinho e Milanez apostam em que esse risco seja baixo e de longo prazo. O Brasil não trabalha com cenários de uma troca maciça de automóveis por carros elétricos antes de 2050. “Ainda que a eletrificação pareça fazer sentido hoje, quem vai definir isso é o mercado”, disse Milanez. “Os biocombustíveis são uma solução imediata, e o clima não espera”, afirmou Godinho. Ambos consideram que, mesmo que houvesse substituição maciça nos veículos leves, os biocombustíveis ainda terão muito tempo de vida nos setores de transporte de carga e de aviação. “Há mercado para sempre”, prosseguiu o diplomata.


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