Estudo
aponta que 40% das mortes no trânsito tem relação com álcool.
Karina Toledo | Agência FAPESP – Mais de 40% das
vítimas fatais de acidentes de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo entre
junho de 2014 e dezembro de 2015 haviam consumido álcool nas horas que
antecederam a morte. Se considerados apenas os dados de motoristas e
passageiros dos veículos – e excluídos, portanto, os dos pedestres atingidos –
o índice chega a quase 60%.
A conclusão é de uma pesquisa realizada com apoio
da FAPESP na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Os
dados foram publicados esta semana na revista Addiction.
Estimativa foi feita com base em dados de
autópsias realizadas nas unidades do IML de São Paulo entre junho de 2014 e
dezembro de 2015; Ao todo, 30% das vítimas de mortes violentas haviam ingerido
bebida alcoólica (Foto: Wikimedia Commons)
De maneira geral, segundo os autores, cerca de
30% das mortes violentas no período estão associadas ao consumo de álcool –
sendo 34,6% o índice entre as vítimas de homicídio e 13,6% entre os casos de
suicídio. A estimativa está baseada em dados de 365 autópsias realizadas ao
longo de 19 meses em unidades do Instituto Médico Legal (IML) da capital
paulista.
“A taxa de alcoolemia entre as vítimas de morte
violenta avaliadas foi, em média, de 1,10 grama de álcool por litro de sangue.
É uma concentração alta. Para um homem com cerca de 70 quilos, por exemplo,
isso seria o equivalente à ingestão ao redor de cinco latas de cerveja”, contou
Gabriel Andreuccetti, autor principal do artigo.
A pesquisa foi conduzida durante o pós-doutorado
de Andreuccetti, sob a supervisão do professor da FMUSP Heráclito Barbosa de
Carvalho. Atualmente, a pesquisa continua em parceria com a Escola de Saúde
Pública da Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, também com
apoio da FAPESP, por meio de Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE –
PósDoutorado).
O grupo desenvolveu uma nova metodologia para
garantir que a amostra avaliada era de fato representativa do total de mortes
violentas ocorridas na capital paulista.
“A coleta dos dados foi feita em diferentes dias da
semana e em diferentes turnos de trabalho ao longo dos 19 meses. Por exemplo,
iniciamos em uma segunda-feira pela manhã, coletando dados de todas as
autópsias feitas naquele período. Na semana seguinte, coletávamos na
segunda-feira à tarde e, na outra, segunda-feira à noite. Depois, na
terça-feira pela manhã e assim sucessivamente”, explicou Andreuccetti.
Além de informações sobre o contexto da morte,
também foram obtidas amostras de sangue das vítimas para avaliação da taxa de
alcoolemia. Ao todo, foram reunidos dados de 656 vítimas, mas apenas 365 se
encaixaram nos critérios estabelecidos pelo grupo.
Foram excluídos, por exemplo, os menores de 18
anos, as pessoas que receberam tratamento médico por seis horas ou mais antes
de morrer e as autópsias realizadas mais de 12 horas após a ocorrência do
ferimento fatal. O motivo, segundo Andreuccetti, é que mesmo após a morte os
níveis de álcool no sangue vão sendo degradados com o passar do tempo – o que
poderia comprometer a confiabilidade dos resultados obtidos.
Na amostragem final, conforme descrito no artigo,
28,5% dos casos de morte violenta correspondiam a vítimas de homicídio, 15,3%
de acidentes de trânsito e 12,1% de suicídios. Todas as outras causas de morte
violenta (incluindo afogamentos, envenenamentos e casos indeterminados) somaram
44,1%.
Os números da pesquisa foram semelhantes às proporções observadas em
estatísticas oficiais de números de óbitos por causas externas registradas para
o município de São Paulo (DATASUS, 2013).
“A semelhança dos nossos números com as
estatísticas oficiais sugere que nossa amostra é representativa do total de
mortes violentas ocorridas na capital”, avaliou Andreuccetti.
Análises estatísticas
A maioria das vítimas incluídas no estudo era
composta de homens brancos acima dos 30 anos de idade, com baixo nível de
escolaridade e residentes na capital paulista. A maior parte dos ferimentos
fatais ocorreu em locais públicos, em dias úteis, no período da noite. Já entre
as vítimas de acidentes de trânsito, houve uma maior probabilidade de
apresentarem alcoolemia durante os finais de semana e no período noturno.
Aproximadamente 16% das vítimas tinham
antecedentes criminais e, nesse pequeno grupo, curiosamente, a média de
alcoolemia foi mais baixa do que a média entre os que não possuiam tais
antecedentes. Quando comparados dados de homens e mulheres, não foi observada
diferença significativa nas médias de concentrações de álcool no sangue, mas os
homens apresentaram uma maior probabilidade de estarem alcoolizados no momento
da morte. Já quando comparadas as populações classificadas como branca e não
branca (negros e pardos), a taxa de alcoolemia deste segundo grupo foi
superior.
As maiores concentrações de álcool no sangue
foram observadas entre os pedestres atingidos por veículos, vítimas de
esfaqueamento e de quedas, sugerindo que, nesses casos, o comportamento da
vítima alcoolizada pode ter atuado como um fator contribuidor para a ocorrência
do ferimento fatal, destacaram os autores no artigo.
De acordo com Andreuccetti, é possível adaptar a
metodologia para estimar, por exemplo, em quais regiões da cidade há maior
probabilidade de ocorrer acidentes de trânsito e outros tipos de morte
associada ao uso de álcool – bem como de outras drogas. O conhecimento gerado
por esse tipo de estudo, acrescentou o pesquisador, pode ajudar a orientar
políticas de saúde pública e até ações de fiscalização do trânsito.
“Há no Brasil e nos demais países em
desenvolvimento uma enorme carência de dados epidemiológicos sobre o uso de
álcool e de outras drogas, bem como sobre as mortes relacionadas a esse
consumo. Acredita-se que o álcool esteja entre as principais causas de morte na
América Latina. Este estudo mostrou que, sem dúvida, a cidade de São Paulo tem
um grande problema de saúde pública relacionado ao uso de álcool no trânsito”,
comentou.
Segundo Andreuccetti, no Brasil e na maioria dos
países no mundo, os testes de alcoolemia não são exigidos para todas as vítimas
que passam pelo IML. Essa avaliação é feita geralmente somente quando o
resultado é importante para a investigação policial e, dessa forma, o banco de
dados gerado não segue um padrão epidemiológico.
“Nosso objetivo foi desenvolver uma metodologia
de baixo custo, aplicável em países em desenvolvimento, capaz de apontar
estimativas sobre a prevalência do consumo de álcool entre as vítimas de morte
violenta. Já estamos adaptando o método também para avaliar outras substâncias.
Uma das grandes dificuldades de se manter dados estatísticos sobre mortes é a
falta de financiamento. E é importante mensurar corretamente um problema para
encontrar uma solução adequada”, afirmou Andreuccetti.
O
artigo “Alcohol use among fatally injured victims in Sao Paulo, Brazil:
bridging the gap between research and health services in developing countries”
(DOI: 10.1111/add.13688) pode ser lido em:
Fonte: Agência
Fapesp
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