Financiar
camponeses evitaria milhões de famintos.
Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Marrakesh, Marrocos, 23/11/2016 – Como o
aquecimento global é uma grande ameaça para os pequenos agricultores, muitos
especialistas em agricultura e segurança alimentar destacam que mais do que
nunca é preciso implantar soluções locais para ajudá-los na adaptação à grande
variabilidade climática.
A maioria dos países tem a agricultura entre suas
prioridades para manter abaixo de dois graus Celsius o aumento da temperatura
global. No contexto do Acordo de Paris sobre mudança climática, 95% dos Estados
incluíram essa atividade em suas Contribuições Previstas e Determinadas em
Nível Nacional.
A região árida de Settat, 200 quilômetros a
nordeste de Marrakesh, no Marrocos. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
“O clima varia. Não temos as chuvas de antes. Na
década passada, tivemos dois anos consecutivos de intensa seca e perdemos toda
a produção. Os animais morreram por falta de água”, lamentou à IPS Ahme Jiat,
agricultor de 68 anos da comunidade marroquina de Souaka.
Originário de uma família de agricultores, Jiat
nasceu e se criou na região árida de Settat, 200 quilômetros a nordeste de
Marrakesh, e toda sua vida cultivou milho, lentilha e verduras, além de criar
cabras. Mas nenhum de seus nove filhos e filhas continuou a tradição, todos
preferiram emigrar para as cidades em busca de trabalho.
Antes, os camponeses podiam obter 90% de sua renda
com agricultura, agora só conseguem a metade. “Já não trabalham no campo”,
contou Jiat, se referindo aos seus filhos. “O trabalho aqui é sazonal. Prefiro
que tenham um emprego fixo na cidade”, acrescentou.
A agricultura é uma atividade importante da
economia marroquina, que concentra 15% do produto interno bruto e 23% das
exportações. Aproximadamente 45% da população do Marrocos vive em áreas rurais
e sua renda provém das atividades campestres, segundo o economista Mohamed
Bughala, do Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola (Inra), consultado pela
IPS.
Além disso, 70% da população rural é pobre, a
maioria dos jovens está desempregada e cerca de 80% dos camponeses são
analfabetos. Jiat, por exemplo, disse que não sabe soletrar seu nome.
As consequências da mudança climática já são
visíveis no Marrocos, segundo Bughala. Os anos de seca quadruplicaram, com
redução de 35% da água superficial. A mudança climática afeta particularmente
os pequenos produtores, que contam com poucos insumos e dependem da chuva para
a irrigação, como ocorre em Settat.
“Os estudos que fizemos na zona indicam que
perdemos 100 mililitros de chuvas por ano”, explicou Bughala. “Em 2015, essa
região só recebeu 400 mililitros de chuva, e em 2016 apenas 330. Se mostrarmos
que há tecnologia capaz de melhorar suas colheitas, reduzir os riscos e os
custos de produção, poderemos melhorar a vida dos pequenos agricultores”,
ressaltou.
Em 2015, as famílias que usaram os métodos
tradicionais de cultivo não colheram nada. Mas os que aplicaram a “semeadura
direta” registraram aumento de 30%. Trata-se de um método de cultivo de cereais
que não perturba o solo com o arado, ou seja, não faz sulcos.
O agricultor marroquino Ahmed Jiat teve vários
problemas por causa da seca, mas pode se beneficiar de um programa de plantio
direto que promove a resiliência à mudança climática. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
A técnica permite que o solo absorva a água de
chuva, a que fica retida nas raízes, e melhora a produção em relação à
semeadura tradicional, pois diminui a erosão e os custos de arar.O Inra testou
a semeadura direta no Marrocos como forma de melhorar a resiliência à mudança
climática.
Este país recebeu US$ 4,3 milhões do Fundo Especial
para a Mudança Climática do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), dedicado
a fortalecer as capacidades das instituições e dos agricultores para incluir
medidas de adaptação ao aquecimento global nos projetos implantados no contexto
do Plano Marrocos Verde.
Jiat foi um dos 2.500 pequenos produtores
beneficiados pela semeadura direta de cereais em 2011. Instituições como o GEF
ou o Fundo Verde para o Clima são fundamentais para que os agricultores
africanos tenham acesso a recursos que lhes permitam enfrentar o aquecimento
global.
Mas o continente africano, onde vive 25% da população
mundial dos países em desenvolvimento, só recebe 5% dos fundos públicos
privados. E, apesar de emitir uma baixa proporção de gases contaminantes que
aquecem a atmosfera, a África é o continente mais vulnerável às consequências
da mudança climática.
A necessidade de proteger a agricultura africana
foi um dos temas tratados na 22ª Conferência das Partes (COP 22) da Convenção
Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada entre os dias 7 e 18
deste mês, em Marrakesh, no Marrocos. Nesse contexto, a Agenda Global para a
Ação Climática, à qual foi dedicado o dia 17, procurou reunir esforços para
reduzir as emissões contaminantes, ajudar as nações mais vulneráveis e
construir um futuro sustentável.
“Precisamos encontrar novas fontes de financiamento
para os agricultores”, enfatizou José Graziano da Silva, diretor-geral da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “A
mudança climática traz novamente a incerteza da insegurança alimentar.
Projetamos que logo haverá um bilhão de pessoas com fome no mundo se não
tomarmos medidas fortes para enfrentar a mudança climática. Na COP 22 vimos
como a agricultura recuperou a importância necessária”, acrescentou.
As soluções devem ser desenhadas e implementadas em
escala local, destacou o oficial de recursos naturais da unidade de mitigação
da mudança climática da FAO, Martial Bernoux. “Nosso principal objetivo é
conseguir a segurança alimentar e lutar contra a pobreza”, ressaltou.
“O mais perturbador para os pequenos agricultores é
a escassez de água e o ciclo instável que muda o regime de chuvas. Aumentoua
frequência de eventos climáticos extremos e os produtores não têm tempo para se
tornarem resilientes, nem a capacidade para se adaptar. É preciso trabalhar com
mecanismos de microcrédito para ajudá-los”, pontuou Bernoux. “Quando a mudança
climática se somar à equação da segurança alimentar, as soluções locais se
tornarão mais complexas”, acrescentou.
Segundo Bernoux, “necessitamos ouvir as reclamações
das comunidades, suas carências e suas possibilidades para melhorar, por
exemplo, com a criação de um sistema de alerta para que saibam com alguns dias
de antecedência quando choverá e poderem preparar a terra. Se essa oportunidade
for perdida, pode ser fatal para sua produção”.
Além disso, a agricultura é uma atividade que
atravessa quase todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como
garantir a segurança alimentar, erradicar a pobreza, construir resiliência e
adaptação, ressaltou Bernoux. “Precisamos encontrar soluções para que as
pessoas possam viver melhor e aumentar sua renda, para promover um trabalho
decente e construir resiliência. Trabalhar com a agricultura conecta todos os
outros ODS”, acrescentou.
Fonte: ENVOLVERDE
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