Seca não
freia mineração na África do Sul.
Mangue em Wakkerstroom, na província sul-africana
de Mpumalanga, é uma fonte estratégica de água para a África do Sul, a
Suazilândia e o Lesoto, com apenas 8% de terras, mas responsável por 50% do
fornecimento hídrico. Foto: Mark Olalde/IPS.
As populações de Wakkerstroom e Mpumalanga temem
que as atividades mineradoras tenham consequências negativas na economia da
região, que depende da pecuária e do ecoturismo.
Por Mark Olalde, da IPS –
Johannesburgo, África do Sul, 6/10/2016 – A
escassez de água na represa que abastece Johannesburgo, que levou a restrições
desde novembro e multa para o desperdício desde agosto, não impede que o
governo da África do Sul conceda permissões para uma nova mina de carvão em uma
área protegida. Além disso, atribui-se grande parte do aumento de 10% no preço
dos alimentos, em relação ao ano passado, à falta de água.
A capacidade da represa está abaixo dos 30%, mas
nem mesmo isso impediu que uma companhia de mineração conseguisse as primeiras
autorizações para operar em uma área protegida da África do Sul, chamada
Ambiente Protegido de Mabola, na província de Mpumalanga.
A companhia indiana Atha-Africa Ventures (Pty) Ltd
propôs localizar a mina subterrânea Yzermyn a cerca de 257 quilômetros de
Johannesburgo, na bacia onde confluem três grandes rios, Vaal, Tugela e
Pongola. Além disso, nos arredores fica a Fonte Estratégica de Água, que
abrange apenas 8% de terras da África do Sul, da Suazilândia e do Lesoto, mas
que é responsável por 50% do fornecimento de água.
E, inclusive, o local da mina fica em meio a outras
áreas protegidas e de grande importância, como a pastagem Montane Grassland de
Wakkerstroom e uma área de grande biodiversidade como a South Eastern
Escarpment National Spatial Biodiversity Assessment Priority Area. O plano de
biodiversidade de Mpumalanga qualifica o habitat do local como “área de ótima
biodiversidade fundamental e insubstituível”.
A Pty deverá escavar sob Mabola, o que é proibido
pela Lei de Áreas Protegidas, a menos que a empresa consiga uma permissão por
escrito do Departamento de Recursos Naturais (DMR) e do Departamento de
Assuntos Ambientais (DEA).
Pássaro pousa em um galho no Santuário de Grous e
Reserva de Mangues em Wakkerstroom um destino turístico local. A área é
conhecida por suas várias espécies de grous endêmicas, que o plano de
biodiversidade da província de Mpumalanga identifica como “área de ótima
biodiversidade fundamental e insubstituível”. Foto: Mark Olalde/IPS.
O DMR aprovou o projeto quando concedeu o direito
para que a empresa realizasse atividades de mineração, em setembro de 2014,
apenas oito meses após ter sido declarada área protegida, e apesar de, em uma
audiência prévia na Comissão de Direitos Humanos da África do Sul, um
representante do departamento ter assegurado sob juramento que as permissões
não seriam concedidas. Por sua vez, o DEA não se pronunciou sobre os planos da
ministra Edna Molewa.
A IPS não conseguiu obter declarações de nenhum dos
dois órgãos.
Por sua vez, a diretora do Centro de Direitos
Ambientais, Melissa Fourie, que encabeça um processo para frear o avanço da
mina, apontou que o processo de concessão de permissões é um “ato de
prestidigitação” e de “muita fumaça e espelhos”.“Se vai haver uma grande mina
de carvão em uma área protegida, então para que serve?”, perguntou, em conversa
com a IPS. “Não afeta apenas essa área, mas todos os recursos hídricos do país
e muitos usuários rio abaixo”, destacou.
Fourie teme que a mina contamine o sistema do rio
Vaal, que fornece água à maioria das fontes de geração elétrica a carvão do
país, bem como à província de Gauteng, a mais povoada do país. A mina
subterrânea de Yzermyn se estenderá por 2.500 hectares dos 8.360 concedidos à
Atha-Africa. A infraestrutura na superfície será mínima, embora haja planos de
construir uma represa para controlar a contaminação dos mangues da região.
O vice-presidente da Atha-Africa, Praveer Tripathi,
ressaltou que foi muito, muito escassa a evidência de que “a atividade
mineradora na área perturbará a funcionalidade dos mangues, bem como os temores
sobre a drenagem dos ácidos da mina”.Segundo o dirigente e a autorização
ambiental, as atividades de mitigação incluirão a recarga dos mangues,
tratamento de águas no lugar e selagem dos poços depois de fechados. “Houve
preocupação de nossos próprios especialistas sobre efeitos negativos de algumas
atividades”, reconheceu.
O agricultor e presidente do Ambiente Protegido de
Mabola, Oubaas Malan, aponta para sua fazenda, do local onde seria instalada a
mina de carvão. Foto: Mark Olalde/IPS.
“O precedente que se cria com esse tipo de
atividade em áreas protegidas abre um mundo de oportunidades para que qualquer
mineradora conteste os ambientes protegidos”, advertiu Angus Burns, gerente do
Programa de Gestão de Biodiversidade e Terras do capítulo africano do Fundo
Mundial para a Natureza, que teve grande participação na demarcação de áreas
protegidas.
A licença de uso de água outorgada à Atha-Africa
permite utilizar o equivalente a 22 piscinas olímpicas por cano, secar a área
subterrânea na qual vai operar e bombear um volume limitado de efluentes
tratados para os mangues.
Segundo o diretor de licenças de água do
Departamento de Água e Saneamento, Tsunduka Khosa, “a licença concedida contém
uma série de condições destinadas a mitigar os possíveis impactos. A África do
Sul é um país com escassez hídrica, por isso avalia seriamente todas as
atividades que possam causar impacto sobre os recursos hídricos, e todos os
recursos disponíveis são sensíveis”.
Por seu lado, os opositores à mina afirmam que as
pressões políticas permitiram a concessão das autorizações. Um dos sócios da
Atha-Africa no programa Black Economic Empowerment, de promoção econômica da
população negra, Bashubile Trust, tem vários vínculos com o presidente Jacob
Zuma.De fato, se comenta que Sizwe Zuma, um dos administradores, é parente do
presidente sul-africano, embora a companhia indiana negue, apesar de em
documentos oficiais ter fixado sua residência na propriedade da Presidência em
Pretória, sede do Poder Executivo.
As populações de Wakkerstroom e Mpumalanga temem
que as atividades mineradoras tenham consequências negativas na economia da
região, que depende da pecuária e do ecoturismo. “A maioria das pessoas de
Wakkerstroom está contra a mina, mas as que não têm trabalho são a favor pelas
promessas de emprego”, explicou Johan Uys, proprietário de uma fazenda próxima
dessa cidade, que também contou que seus filhos serão a sexta geração de sua
família a trabalhar na área.
Além disso, Uys apontou uma disparidade racial
entre os ricos latifundiários brancos e as pobres comunidades negras. Estas só
aceitam a mina se a companhia se comprometer a proteger o ambiente e garantir
um crescimento sustentável do emprego. A companhia estima que serão criados 500
postos de trabalho diretos e dois mil indiretos, apesar de as operações estarem
previstas somente para daqui a 15 anos.Entretanto, segundo Fourie, com base em
experiências anteriores, “frequentemente esses trabalhos não são locais”.
*As pesquisas sobre mineração de Mark Olalde têm
apoio econômico do Fundo para o Jornalismo de Investigação, Fundo para o
Jornalismo Ambiental e Pulitzer Center on Crises Reporting.
Fonte: ENVOLVERDE
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