Campanha
anticorrupção pressiona políticos.
Deltan Dalagnol é procurador da República e
coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes
de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas
Por Mario Osava, da IPS –
Duas novas fontes de informação nas mãos do
Ministério Público ameaçam deixar em colapso o sistema político do Brasil,
dilacerado pelo escândalo de corrupção que já levou à prisão mais de 60
empresários e políticos.
Rio de Janeiro, Brasil, 27/10/2016 – A detenção, no
dia 19 deste mês, do ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pode abrir
uma caixa de Pandora, segundo a crença generalizada sobre seu estilo de
liderança, apoiado por negócios obscuros.
As revelações de Cunha, que fez carreira no Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),podem fulminar o novo governo
encabeçado por Michel Temer. A isso se soma o acordo do conglomerado Odebrecht,
que reúne a principal construtora, a maior petroquímica privada do país e
outras grandes empresas, para colaborar com a justiça nas investigações sobre
desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras.
Cerca de 50 diretores da Odebrecht fornecerão dados
sobre subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais que podem
envolver mais de 200 dirigentes políticos de destaque, segundo uma lista
conhecida desde março deste ano. O grupo empresarial tinha um departamento só
para cuidar das transações irregulares.
Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo até ser
detido, em junho de 2015, resistiu à “delação premiada” para reduzir penas, e à
qual já aderiram mais de 50 acusados na Operação Lava Jato. Foi convencido por
seu pai, Emilio Odebrecht, patriarca da família e presidente do conselho de
administração das empresas, para evitar a quebra do grupo.
A Lava Jato, iniciada em março de 2014, é até agora
a operação mais efetiva contra os empresários, porque a maioria dos políticos
envolvidos desfruta de fórum privilegiado. Parlamentares e membros do Poder
Executivo, como o presidente e governadores, só podem ser julgados pelo
Superior Tribunal Federal (STF), cujos julgamentos costumam demorar anos, pelo
acúmulo de tarefas, incluindo a de dirimir controvérsias constitucionais.
Por isso, dezenas de parlamentares seguem ativos,
mesmo estando imputados ou denunciados em vários processos judiciais, não só na
Lava Jato. É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros, sob investigação
em cerca de dez casos de corrupção e lavagem de dinheiro.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, em
entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia
Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados
de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia
EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).
O mecanismo também permitiu a Cunha permanecer como
presidente da Câmara por um ano e meio, apesar das denúncias de manter contas
ilegais na Suíça e abusar de seus poderes para travar os trâmites da Comissão
de Ética, que discutia a possibilidade de anular seu mandato parlamentar.
Foi necessário o STF, em decisão de duvidosa
constitucionalidade, suspender sua presidência da Câmara para a conclusão do
processo que durou 11 meses, período sem precedentes, até condená-lo por
violação do decoro parlamentar e afastá-lo da vida pública por oito anos.
Não tiveram essa sorte dirigentes do Partido dos
Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 12 de maio de 2016, quando
a ex-presidente Dilma Rousseff foiafastada do cargo para responder ao processo
de impeachment, que terminoucom sua destituição no dia 31 de agosto.Além disso,
estão presos José Dirceu e Antonio Palocci, ex-deputados e ex-ministros do
partido, apontados como possíveis sucessores de Luiz Inácio Lula da Silva,
presidente entre 2003 e 2010.
Sem mandato parlamentar ou cargo no governo, foram
presas fáceis do juiz Sergio Moro, que coordena a Lava Jato e recebe elogios
como grande herói do combate à corrupção no país.E o mesmo poderá ocorrer com
Lula, acusado em três processos como receptor de vantagens indevidas de
empresas favorecidas em contratos com a Petrobras e sob investigação em outros
casos de corrupção.
Em uma suposta lista da Odebrecht, aparece como
beneficiário de R$ 8 milhões, segundo a imprensa.
Lula rechaça as acusações e as atribui a uma
tentativa de destruir o PT e seu “projeto político”, que beneficiou milhões de
brasileiros pobres.As “delações” de Cunha e dos executivos da Odebrecht
multiplicariam as denúncias contra políticos de todos os partidos relevantes,
dificultando a sobrevivência de líderes parlamentares e arruinando ainda mais a
já escassa credibilidade dos políticos brasileiros.
Além disso, a pressão popular para que o STF julgue
com mais rapidez os parlamentares, ministros e governadores envolvidos em casos
de corrupção pode chegar a ser irresistível.De fato, está em jogo todo o
sistema político construído desde a década de 1980, quando caiu a ditadura
militar instalada no Brasil desde 1964.
O próprio presidente Temer, que é próximo a Cunha,
foi mencionado em delações premiadas como receptor de dinheiro proveniente de
corrupção para financiar campanhas eleitorais do PMDB, partido que tende a ser
o principal alvo das novas denúncias, como o PT tem sido até agora.
A tensão gerada por esta nova fase da campanha
anticorrupção agravou os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário.O
presidente do Senado defende a aprovação de uma nova lei que puna abusos de
autoridade, delitos que, em sua opinião, aumentam entre órgãos de Justiça, como
o Ministério Público, a Polícia Federal e inclusive entre alguns juízes.
O projeto procura frear o combate à corrupção,
segundo Moro e os procuradores, acusados por seus críticos de excederem os
limites legais com ações como prisões preventivas durante meses,
interrogatórios sob condução coercitiva injustificada de muitos suspeitos,
inclusive do ex-presidente Lula, e vazamento de depoimentos secretos.
O Ministério Público propôs dez medidas de combate
à corrupção em um projeto de lei apoiado por dois milhões de eleitores
signatários. Os parlamentares, já ameaçados pelas investigações conduzidas por
Moro tenderiam a rechaçar a proposta, mas também temem desafiar a opinião
pública.
As discrepâncias degeneraram em um conflito com a
detenção de quatro policiais do Senado, no dia 21 deste mês. Renan Calheiros
chamou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que executou a ação. Um
simples “juizeco” de primeira instância não poderia autorizar a invasão do
Poder Legislativo como foi feito, queixou-se, o senador.
A deterioração da situação torna mais urgente uma
reforma política, uma cobrança generalizada há tempos, mas, com centenas de
políticos lutando para sobreviver, parece impossível que os parlamentares
aprovem soluções expiatórias.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário