Comida
barata não faz bem à agricultura.
Queda nos preços de alimentos pode prejudicar
pequenos produtores de países em desenvolvimento. Foto: FAO
Os preços dos alimentos voltaram à tendência de
baixa no longo prazo em termos reais, na medida em que a oferta supera a
demanda em todo o mundo.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 25/10/2016 –Se lhe dissessem que os
preços dos alimentos estão baixando em todo o mundo, seguramente pensaria que é
uma boa notícia. Mas os mais de 500 milhões de pequenos agricultores
familiares, responsáveis por até 80% da produção em algumas regiões, não teriam
a mesma opinião. De fato, a queda dos preços poderia ser negativa para os
esforços internacionais de erradicar a fome e a pobreza extrema, advertiu José
Graziano da Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO).
“Os baixos preços dos alimentos reduzem a renda dos
agricultores, especialmente dos familiares pobres que produzem alimentos
básicos nos países em desenvolvimento. Essa redução na entrada de dinheiro nas
comunidades rurais também diminui os incentivos para novos investimentos na produção,
em infraestrutura e em serviços”, acrescentou Graziano.
Para evitar esses impactos negativos, o dirigente
da FAO recomendou a adoção de medidas para garantir renda digna aos pequenos
produtores. Os preços dos alimentos voltaram à tendência de baixa no longo
prazo em termos reais, na medida em que a oferta supera a demanda em todo o
mundo.
Isso ocorre após o aumento dos preços entre 2008 e
2012 e a um período prolongado de volatilidade nos mercados de alimentos,
explicou Graziano em reunião de alto nível sobre os preços das matérias-primas
agrícolas, realizada na sede da FAO, em Roma, no começo deste mês.
“Como responsáveis por políticas, vocês enfrentam o
desafio de manter alimentos nutritivos ao alcance dos pobres e ao mesmo tempo
assegurar bons incentivos para os produtores, incluídos os agricultores
familiares”, pontuou Graziano perante ministros de Agricultura e Comércio
presentes ao encontro. E destacou a necessidade de se considerar a atual
situação no contexto dos esforços da comunidade internacional para cumprir os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Por seu lado, o diretor-geral da Organização
Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, acredita que, “nas circunstâncias
adequadas”, o comércio proporciona oportunidades de acesso aos mercados globais
e ajuda a criar incentivos para o investimento e a inovação dos produtores.
A “decisão histórica” que os membros da OMC
adotaram em Nairóbi, em dezembro de 2015, para eliminar os subsídios à
exportação agrícola, “ajuda a nivelar o campo de jogo nos mercados agrícolas,
em beneficio dos agricultores e exportadores” do Sul em desenvolvimento,
segundo Azevedo.
A distribuição de sementes ajuda os agricultores da
Etiópia a se recuperarem depois do fenômeno climático El Niño. Foto: FAO
Graziano destaca o potencial do comércio como forma
de contribuir para a segurança alimentar e melhor nutrição, ressaltando
especificamente seu papel como “ferramenta de adaptação à mudança climática”,
que se prevê reduzirá a produção agrícola em alguns países. Mas alertou que
maior abertura ao comércio “também pode trazer riscos”. Se este não for bem
administrado, “pode prejudicar a produção local e, por conseguinte, os meios de
vida da população rural pobre”, observou.
A eliminação dos subsídios às exportações agrícolas
que afetam os preços nos mercados mundiais poderia ser uma maneira de melhorar
o comércio para “beneficiar os pequenos produtores nos países em desenvolvimento
e gerar prosperidade nas zonas rurais”, ponderou Graziano.
“O objetivo dessas políticas é construir um círculo
virtuoso na produção local e no consumo local.
Para prosperar, essas medidas
precisam de forte colaboração entre as instituições responsáveis da
agricultura, do desenvolvimento rural, do comércio, do ambiente, da nutrição,
da saúde e da seguridade social”, acrescentou o diretor-geral da FAO.
Graziano informou que sua instituição busca
impulsionar seus sistemas de criação de modelos, para compreender melhor as
variações nos preços e as mudanças nas tendências, e ajudar os países a
formularem políticas apropriadas. Nesse sentido, a publicação Perspectivas
Agrícolas, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e da FAO, prevê uma alta probabilidade de nos próximos dez anos
acontecerem bruscos aumentos nos preços, principalmente como resultado da
mudança climática.
A publicação acrescenta que os preços dos
principais cultivos, de produtos pecuários e da pesca caíram em 2015, indicando
que “é muito provável que a época de altos preços para todos os subsetores
tenha terminado”. Os preços da carne caíram desde seu máximo histórico em 2014,
e o valor dos produtos lácteos continuou a queda iniciada em 2013, enquanto os
preços dos cultivos seguiram caindo desde o pico alcançado em 2012, de acordo
com o estudo.
A publicação acrescenta que a queda dos preços se
deve “a vários anos de sólido crescimento da oferta, o que debilita a
crescimento da demanda devido à desaceleração econômica global, à queda dos
preços do petróleo e maior acúmulo de existências, já abundantes”. Durante a
década estudada, se prevê que o crescimento da demanda por alimentos diminua
progressivamente. A expansão demográfica mundial, principal impulso da demanda,
está diminuindo, enquanto se prevê que o aumento da renda nas economias
emergentes seja mais fraco.
Ao mesmo tempo, os consumidores, especialmente nas
economias emergentes de grande população, exibem uma propensão menor a gastar
sua renda no consumo de alimentos básicos. A demanda por carne, pescado e
produtos lácteos crescerá relativamente com força, o que elevará a demanda de
cereais secundários e farinhas proteicas.Segundo o estudo, “se prevê que a
demanda de produtos agrícolas para a produção de biocombustível paralise devido
aos baixos preços da energia e a políticas de biocombustíveis mais
conservadoras em vários países”.
Existem mais de 570 milhões de propriedades
produtoras no mundo e mais de 500 milhões pertencem a famílias, segundo
Sarah K. Lowder, Jacob Skoet e Saumya Singh, autores de um estudo de
antecedentes para o informe Estado da Alimentação e da Agricultura, que a FAO
divulgou em 2014.“As explorações familiares representam a grande maioria das
fazendas em todo o mundo, mas menos da proporção das terras agrícolas do mundo,
o que significa que são, em média, menores do que as propriedades não
familiares”, segundo especialistas.
Calcula-se que a maioria dos estabelecimentos
agrícolas é muito pequena. Mais de 475 milhões têm menos de dois hectares de
extensão e que mais de 410 milhões não passam de um hectare.
Fonte: ENVOLVERDE
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