Quem paga
pelo assassinato de mulheres?
Vítimas e parente de mulheres vítimas de feminicídio reclamam ações de Estados
e sociedades latino-americanas. Foto: Juan Monseinco/IPS
Globalmente, a impunidade é um elemento comum na
perpetuação da violência e discriminação contra as mulheres.
Phumzile Malambo-Ngcuka*
Nações Unidas, 26/10/2016 – A ONU Mulheres está
profundamente preocupada pela brutal violência sexual e pelo assassinato de
mulheres e meninas recentemente registrados na Argentina e que repercutem em
toda a América Latina, e além. Esta é uma forma de terror íntimo que foi
normalizada em sua magnitude e pela aceitação de sua inevitabilidade em algumas
partes. Mas isso não é normal e não pode continuar.
Além dos custos pessoais inaceitáveis, revelam-se
profundas e prejudiciais falhas da sociedade que ultimamente tem um alto custo
na perda de progresso em cada país. Unimos vozes a todos que dizem “nem uma a
menos” e pedimos ações urgentes em todos os níveis, desde os governos até as
pessoas, que impulsionem mudanças para prevenir que não haja mais um único
assassinato. A violência contra as mulheres e as meninas deve parar.
Primeiramente, o recente caso de feminicídio de uma
adolescente na Argentina e o assassinato de uma menina de nove anos no Chile não
devem ficar sem castigo. Globalmente, a impunidade é um elemento comum na
perpetuação da violência e discriminação contra as mulheres. Se os homens podem
tratar as mulheres tão mal quanto queiram com pouca ou nenhuma consequência,
isso nega todos os esforços para construir um mundo que seja seguro para as
mulheres e as meninas e no qual elas possam florescer.
Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres.
Foto: Devra Berkowitz/ONU
Cerca de 60 mil mulheres e meninas são assassinadas
a cada ano no mundo, com frequência e em uma escalada de violência doméstica.
Estudos nacionais realizados na África do Sul e no Brasil estimam que a cada
seis horas uma mulher é morta por seu companheiro íntimo. O lar não é um abrigo
e é arriscado para as mulheres denunciarem seus agressores.
Sair de casa também implica perigos. Estudos
recentes realizados no Brasil indicam que 85% das mulheres têm medo de sair na
rua. Em Port Moresby, em Papua-Nova Guiné, cerca de 90% das mulheres e meninas
sofrem alguma forma de violência sexual quando utilizam o transporte público.
Como comunidade internacional, articulamos
fortemente um espaço próprio para uma população pujante de mulheres e meninas,
e as múltiplas formas em que isso é melhor para todos. Desde a Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável, adotada em setembro de 2015, até a Nova Agenda
Urbana adotada este mês em Quito, está claro que precisamos acabar com a violência
e prevenir a sua repetição.
Isso exige leis, políticas públicas, cidades
seguras, transporte público, melhores serviços e o compromisso de homens e
meninos na construção de uma cultura que acabe com todas as formas de
discriminação contra mulheres e meninas e que termine com o feminicídio. A
mudança deve ocorrer em muitos níveis, tanto nas estruturas culturais como
físicas de nossas sociedades. Trabalhamos de perto com a sociedade civil e o
movimento feminista, que são atores importantes na denúncia da violência,
impulsionando a mudança de políticas e propondo soluções.
Para obter mais informação e apoiar o fim da
impunidade,desenvolvemos, junto com o Escritório do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos (IACNUDH), um modelo de protocolo que
permite investigaradequadamente esse tipo de crime para acabar com a
impunidade, além de identificar as brechas na cadeia de investigação para
conseguir prevenir os feminicídios.
Vamos usá-lo inicialmente para a investigação de
feminicídios na América Latina, onde o número de países com altas taxas de
feminicídio está crescendo. Estamos alinhadas com a Relatora Especial das
Nações Unidas para a Violência Contra as Mulheres, que chamou pela criação de
um observatório global de feminicídios, com um painel interdisciplinar de
especialistas para coletar e analisar dados sobre esses assassinatos,suas
causas e suas consequências.
Existem alguns progressos animadores: na América
Latina, 16 países (quase metade da região) adotaram legislação para garantir que
o feminicídio seja adequadamente investigado e punido.Isso deve ser uma
tendência global. Não é responsabilidade de um único setor, mas um esforço
coletivo e coordenado.
Exortamos os governos a reconhecerem a magnitude e
as implicações da violência contra mulheres e meninas, e se comprometam em
recolher dados com os quais se possa quantificá-la, e não apenas fornecer
serviços para as sobreviventes e vítimas, mas incrementar substancialmente uma
forte ação judicial para conseguir o fechamento de casos com as respectivas
condenações, além de esforços construtivos e criativos para prevenir e castigar
todos os crimes violentos contra mulheres e meninas.
Em nível mundial, no ano passado subscrevemos o
objetivo de igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de violência
contra mulheres e meninas. Conseguir isso não é apenas o fim de uma terrível
violação dos direitos humanos, mas a chave para a construção de um mundo melhor
e mais igual – um planeta 50-50.
*Este é um artigo de opinião de Phumzile
Mlambo-Ngcuka, secretária-geral adjunta das Nações Unidas e diretora executiva
da ONU Mulheres.
Fonte: ENVOLVERDE
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