Cada
agricultor que migra, um consumidor.
Pastores masai do Quênia levam seu gado ao mercado
local. Foto: Vitale/FAO
Para avaliar o impacto que a migração rural tem na
produção de alimentos, a IPS entrevistou Peter Wobst, assessor do Programa
Estratégico para a Redução da Pobreza Rural da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 18/10/2016 – O crescente processo de
urbanização mundial (prevê-se que dois em cada três pessoas viverão em cidades
até 2030) recorda a velha “equação” que indica que cada vez que um pequeno
agricultor migra para uma zona urbana gera-se um produtor a menos de alimentos
e um consumidor a mais. Essa equação repercute especialmente nos países em
desenvolvimento, onde os pequenos produtores respondem por 60% a 80% dos
alimentos.
Também afeta as condições de vida nos centros
urbanos, já que impacta negativamente nas políticas destinadas a conseguir a
sustentabilidade das cidades, tema que estará muito presente na Conferência das
Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, conhecida
como Habitat III, que começou ontem e termina no dia 20, na cidade de Quito, no
Equador.
Para avaliar o impacto que a migração rural tem na
produção de alimentos, a IPS entrevistou Peter Wobst, assessor do Programa
Estratégico para a Redução da Pobreza Rural da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Cada pequeno agricultor que se muda
é um produtor a menos, isso é certo. Mas a realidade é mais complexa”, pontuou
Wobst. A migração é um fenômeno comum, que ocorre durante a transformação
socioeconômica das sociedades e economias, acrescentou.
“Queremos que isso aconteça para que as economias e
regiões se desenvolvam. E hoje em dia, em uma economia mundial mais integrada,
mais do que nunca. E os números falam por si só – um bilhão de pessoas não
vivem nas comunidades onde nasceram”, destacou Wobst. Na medida em que o meio
rural se transforma, os novos sistemas de produção exigem diferentes
composições de habilidades, que por sua vez devem ser consideradas pelos
sistemas de educação pertinentes, prosseguiu.
Segundo Wobst, algumas pessoas encontram
oportunidades na economia rural em mudança, e outras as buscam em cidades
próximas, ou, em última instância, se mudam para outro país. Tudo isso está
certo, sempre e quando melhorem suas condições de vida relativas.
Peter Wobst, assessor do Programa Estratégico para
a Redução da Pobreza Rural da Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO). Foto: Cortesia do entrevistado.
“O que obviamente não queremos é ver as pessoas de
deslocando por necessidades econômicas, porque não podem lidar com as mudanças
do entorno econômico rural e não veem outras oportunidades de vida em suas
comunidades de origem. Para ser benéfica, a migração deve ser uma opção, não
uma necessidade”, destacou Wobst.
Segundo Wobst, na FAO “estamos trabalhando para
abordar as causas fundamentais da migração por necessidade, que trata dos
problemas socioeconômicos que expulsam as pessoas das zonas rurais”. Quando um
agricultor migra para a cidade, a equação pode ser evidente para uma pessoa
individual, mas não se sustenta no longo prazo e após grande número de
agricultores, apontou.
“Na medida em que as economias sofrem uma
transformação estrutural, o movimento de pessoas em busca de melhores
oportunidades de emprego em outros lugares é inevitável. Os produtores podem
migrar para uma área urbana, mas também para outras zonas rurais, em curto
(incluída a migração sazonal/cíclica) ou longo prazos”, disse o especialista da
FAO. Mas, mesmo no caso da migração rural-urbana, em geral a “equação” – na
qual a migração do campo para os centros urbanos implica menor produção e maior
consumo de alimentos – não se sustenta, explicou.
Habitantes do Paquistão fogem de zonas inundadas em
um trator. Foto: Haafez/FAO
“Se administrada adequadamente, uma migração segura
e regular pode reduzir a pressão sobre os mercados de trabalho locais e
fomentar mão de obra mais eficiente e salários mais altos na agricultura”,
observou Wobst.“Alguns agricultores podem encontrar uma ocupação muito mais
produtiva em zonas urbanas. Pode ser que alguns ainda tenham um estabelecimento
agrícola em casa que apoiam com remessas enviadas para que seja mais produtivo,
bem como com os novos conhecimentos e habilidades adquiridos”, acrescentou.
Alguns dos agricultores que ficam nas zonas rurais
se tornam mais produtivos com o tempo, graças à transformação agrícola, ao
avanço nas tecnologias, ao investimento, à melhor formação profissional, a
serviços de extensão, entre outros fatores. A transformação agrícola e rural
dará lugar a sistemas alimentares mais integrados, com mais oportunidades de
trabalho na cadeia de valor, que inclui processamento, envasamento, transporte,
venda no atacado e comércio varejista.
Wobst recordou que as remessas dos familiares que
emigraram podem reduzir as limitações financeiras e fomentar os investimentos
na agricultura e em outras atividades econômicas rurais com potencial de
criação de emprego nos lugares de origem.“Além disso, os migrantes podem
adquirir novos conhecimentos, novas habilidades e redes que lhes permitam se
incorporar a um emprego mais produtivo e atraente, e as oportunidades
empresariais vinculadas à volta, ou simplesmente facilitar essas oportunidades
para os demais familiares ou membros da comunidade”, indicou.
Refugiados fogem de um conflito armado em Burundi.
Foto: Linton/ FAO
Em 2015, havia 244 milhões de migrantes
internacionais, incluídos 150 milhões de trabalhadores, dos quais cerca de um
terço tinha entre 15 e 34 anos, afirmou o especialista.A migração interna é um
fenômeno maior, com 740 milhões de migrantes em 2013. Cerca de 40% das remessas
internacionais são enviadas para as zonas rurais, o que reflete a origem de
grande parte dos migrantes, detalhou. Por outro lado, em 2015, 65,3 milhões de
pessoas foram deslocadas à força por conflitos armados e perseguições.
Quanto ao impacto da migração, Wobst acredita que
gera tanto oportunidades como desafios para os países de origem, de trânsito e
de destino. Nos países de origem, a diáspora, as redes e os migrantes
repatriados podem incentivar a transferência de conhecimentos e tecnologia, bem
como os investimentos para promover a agricultura e o desenvolvimento rural,
assegurou. E nos países de trânsito e de destino, os migrantes podem ajudar a
reduzir a escassez de mão de obra, indicou.
“Mas os grandes movimentos de pessoas apresentam
desafios complexos. As zonas rurais de origem correm o risco de perder a parte
mais jovem e com frequência mais dinâmica de sua mão de obra, enquanto nos
países de trânsito e de destino a migração pode ser um desafio para que as
autoridades forneçam serviços públicos de qualidade aos migrantes e às
populações de acolhida, e pressiona mais a base de recursos naturais”, destacou
Wobst.
“Portanto, a FAO trabalha para criar meios de
subsistência alternativos e sustentáveis nas zonas rurais, com um enfoque
especial nas mulheres e nos jovens, e aproveitar o potencial de desenvolvimento
da migração interna e internacional”,concluiu o especialista.
Fonte: ENVOLVERDE
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