Colômbia
polarizada.
Por Carlos Juliano Barros, da Agência
Pública –
O plebiscito pela paz não conseguiu convencer
62% dos colombianos a irem às urnas; o resultado, que favoreceu a rejeição ao
acordo com as Farc, mostra que a polarização é maior nas classes altas.
Só se fala disso nos jornais. Uma polarização
ideológica, como há tempos não se via, divide os cidadãos. Amigos e familiares
rompem laços imemoriais por causa de discussões políticas inflamadas. Caravanas
de manifestantes tomam as ruas das principais metrópoles à medida que o debate
se torna cada vez mais histérico. Em sinal de protesto, pessoas vestidas com
camisas amarelas da seleção de futebol se dirigem às urnas para votar e marcar
posição. Ao fim e ao cabo, triunfam os valores de centro-direita que
supostamente se propõem a defender os interesses nacionais.
Não estou em São Paulo, Brasil. Estou em
Medellín, Colômbia. Aqui, não são os escândalos de corrupção e a derrocada de
um governo de centro-esquerda que acirram os ânimos e testam os alicerces da
frágil democracia de um país sul-americano. O que está em jogo é o plebiscito
que pode colocar fim a uma guerra de mais de cinco décadas entre o governo
colombiano e os guerrilheiros das Farc. Um doloroso conflito armado que legou
centenas de milhares de mortos, além de famílias destroçadas por sequestros e
remoções forçadas de camponeses provocadas não só pelos guerrilheiros, mas
também pelos grupos paramilitares criados para combatê-los.
Apesar das evidentes peculiaridades da conjuntura
colombiana, é impossível não se surpreender com as semelhanças entre o clima do
plebiscito pela paz e a atmosfera política do Brasil. Mesmo com a hipertrofia
de informações (e desinformações) sobre o acordo entre as Farc e o governo do
presidente Juan Manuel Santos, enxurrada que gerou a tal onda de ódio e
polarização sem precedentes nas redes sociais e nos meios de comunicação, a
verdade é que a maior parte da população – sobretudo a mais pobre – não se
animou a participar de uma decisão tão importante para o futuro do seu próprio
país.
Em outras palavras, assim como no Brasil, a
temperatura das discussões políticas na Colômbia é particularmente mais
explosiva entre as classes média e alta. Tanto é assim que somente 37,43% dos
eleitores colombianos compareceram às urnas – diferente do Brasil, aqui o voto
não é obrigatório.
Uma conversa despretensiosa com José, vigilante
terceirizado de um parque turístico de Medellín, fornece algumas pistas sobre
os motivos dessa apatia política. Ele trabalha 48 horas por semana para ganhar
um salário mínimo, o equivalente a R$ 740 (a título de comparação, no Brasil, a
jornada é de 44 horas para uma remuneração de R$ 880). Como estava de serviço
no dia do plebiscito, não teve tempo para comparecer à zona eleitoral.
Pergunto a José se ele é a favor ou contrário ao
acordo de paz. Deixando o constrangimento inicial de lado, ele afirma que não
aprova os termos da proposta submetida à população e se mostra especialmente
incomodado com a remuneração temporária que seria paga aos guerrilheiros, caso
o “Sim” ao acordo de paz saísse vitorioso no plebiscito. Lanço o argumento de
que o custo dessas “bolsas” seria bem inferior ao da continuidade da guerra e
que, uma vez encerrado o conflito, os recursos públicos consumidos no combate
às Farc poderiam ser enfim destinados a saúde, educação e habitação. Mas José
não se convence e, como boa parte dos trabalhadores precarizados da Colômbia ou
do Brasil, destila uma desesperança de cortar o coração.
Outro ponto relevante e controverso do plebiscito
diz respeito à punição aos crimes de guerra. A instalação de uma espécie de
“Comissão da Verdade”, em que seriam confessados assassinatos e sequestros, foi
a solução acordada entre governo e Farc. Aqueles que admitissem os delitos não
seriam automaticamente anistiados, mas condenados a penas alternativas. Os
familiares das vítimas se dividiram: de um lado, os defensores de penas duras e
exemplares contra os guerrilheiros. De outro, os adeptos do “perdão” em nome do
fim do conflito. O presidente Juan Manuel Santos batia na tecla de que o acordo
não era o perfeito, mas o possível.
O triunfo do “Não” no plebiscito pegou os
colombianos de surpresa. As pesquisas de intenção de voto apontavam uma vitória
relativamente tranquila do “Sim” e havia até quem insinuasse que o presidente
jamais arriscaria gratuitamente seu capital político e que faria “o que fosse
necessário” para garantir a aprovação do acordo de paz proposto por seu
governo.
Hoje, no dia seguinte da inesperada vitória do
“Não” por uma apertadíssima margem de 60 mil votos, os jornais colombianos já
colocam em xeque a capacidade do presidente colombiano de conduzir o país até o
fim do mandato e de aprovar pautas consideradas urgentes, como a reforma
tributária.
Nesse sentido, o grande vitorioso do plebiscito é Álvaro Uribe,
ex-presidente colombiano e uma das principais lideranças de centro-direita do
país, com base eleitoral em Medellín.
À primeira vista, o fato de a maioria dos
colombianos haver recusado o acordo entre governo e Farc não significa que o
processo de paz tenha sido sumariamente abortado. Lideranças dos guerrilheiros,
além do próprio presidente da República, já vieram a público para dizer que continuam
dispostos a negociar o fim do conflito. Mas, diante do recado das urnas, os
termos de uma eventual novo acordo serão muito mais draconianos para os
guerrilheiros, o que tende a dificultar um novo acordo.
Na minha visão, o plebiscito colombiano aponta para
um contexto inexorável na América Latina: já não se trata mais de uma mera
ascensão, mas de consolidação das forças de centro-direita, após conflituosos e
traumáticos processos de disputa política e ideológica. A população pobre e
precarizada, ainda que não envolvida visceralmente nos debates, parece pouco
sensível a valores que pregam igualdade, tolerância, perdão – pelo menos, não
na forma como as esquerdas tradicionais têm defendido. Os próximos anos serão
instigantes, para dizer o mínimo.
* Carlos Juliano Barros é jornalista e
colaborador da Agência Pública.
Fonte: Agência
Pública
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