Habitat
III entre otimismo e críticas.
O presidente do Equador, Rafael Correa (esquerda) e o secretário-geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, durante encontro com
jornalistas na abertura da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre
Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), ontem, em Quito,
no Equador. Foto: Presidência do Equador.
Durante a abertura da conferência, que acontece
entre os dias 17 e 20 na capital do Equador,o secretário-geral da Organização
das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, recordou o lado obscuro da urbanização.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Quito, Equador, 19/10/2016 – Especialistas e
ativistas recebem com uma mescla de esperança e ceticismo na Terceira
Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano
Sustentável (Habitat III), que busca gerar uma nova agenda para as cidades e
seus habitantes. Essas vozes acreditam que a cúpula aportará elementos para
enfrentar os crescentes problemas que açoitam as metrópoles, com desigualdade,
violência, efeitos da mudança climática e carência de serviços básicos, como
acesso a água potável e eletricidade.
Por outro lado, temem que os Estados participantes
assumam uma série de compromissos e depois se esqueçam deles, como ocorreu com
a primeira conferência, realizada em Montreal, em 1976, e a segunda, em
Istambul, em 1996. Durante a abertura da conferência,que acontece entre os dias
17 e 20 na capital do Equador,o secretário-geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), Ban Ki-moon, recordou o lado obscuro da urbanização.
“É justo dizer que o planejamento urbano não seguiu
de mãos dadas com a urbanização em massa. Bilhões de pessoas vivem em bairros
marginalizados, onde não há acesso a serviços básicos como água, esgoto e
energia. Isso provoca muitos efeitos negativos”, afirmou Ban. “E 75% de nossas
cidades têm hoje maiores níveis de desigualdade na renda do que em 1996. E 75%
das emissões de gases-estufa e da geração global de lixo têm origem nas
cidades”,acrescentou.
Por sua vez, o anfitrião, Rafael Correa, presidente
equatoriano, censurou a especulação da terra e o lucro ilegítimo que favorece
“uns poucos”.“Isso é comum na América Latina, bem como a miséria e a exclusão
favorecida pelo sistema de mercados. Os pobres não existem para o mercado”,
acusou Correa, eleito presidente da Habitat III.Defensores do “direito à
cidade”, conjunto de direitos dos moradores da cidade, compartilham essa visão.
“Os problemas das cidades são a exclusão, a
segregação e a marginalização. Temos cidades indesejáveis, inaceitáveis. São o
reflexo de um sistema que fracassou. A Habitat III tem os nichos para abordar
esses problemas”, opinou à IPS a salvadorenha Claudia Blanco, diretora
executiva da não governamental Fundação Salvadorenha de Desenvolvimento e
Habitação Mínima (Fundasal). Ela participa do fórum paralelo Para uma Habitat
III Alternativa, que reúne acadêmicos e ativistas na sede da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Ativistas de vários países debatem sobre o papel
dos movimentos sociais na construção de cidades e comunidades para todos, na sede
da Flacso. Paralelamente à reunião oficial da Habitat III, Quito recebe um
fórum alternativo e outro social, que questionam as propostas e visões
governamentais sobre a gestão urbana. Foto: Emilio Godoy/IPS
Blanco utiliza uma frase para resumir a semente de
vários dos flagelos urbanos da região: “O lugar onde se vive importa”, já que
“muitos jovens salvadorenhos não se qualificam para um trabalho em razão do seu
local de residência, mesmo tendo aptidões”. A Fundasal dedica-se ao
acompanhamento de cooperativas de habitação e outras agrupações da sociedade
civil, em um país que sofre um déficit quantitativo e qualitativo de
aproximadamente 450 mil moradias.
A Habitat III, organizada pela ONU Habitat e que
conta com as presenças de aproximadamente 50 mil delegados governamentais, de
organizações não governamentais, organismos internacionais, universidades e
empresas, fechará com a Declaração de Quito sobre cidades e assentamentos
sustentáveis para todos, conhecida como Nova Agenda Urbana, o guia para a atuação
política nos próximos 20 anos.
Nesse documento, ainda sujeito a negociações finais
por parte dos Estados, estes se comprometem a combater a pobreza, a
desigualdade e a discriminação, a melhorar o planejamento urbano e a construir
metrópoles resilientes à mudança climática. Os debates na Habitat III ocorrem
em uma área central cercada e fortemente vigiada de Quito, cidade de 2,6
milhões de habitantes.
Além disso, a capital também recebe um segundo
fórum social, o de Resistência à Habitat III, que reúne organizações sociais de
todo o mundo para abordar assuntos como rejeição aos despejos e defender o
direito à cidade e a outro conjunto de direitos no âmbito urbano.
Para a brasileira Evaniza Rodríguez, dirigente da
União Nacional de Moradia Popular, a Nova Agenda Urbana carece de “novas
coisas”, porque muitas “estão presentes desde sempre”. Ela também insistiu na
“necessidade de renovar nossa forma de nos aproximarmos do direito à cidade e
entender o território como bem comum” e questionou a participação limitada da
sociedade civil na construção da agenda, que “os Estados não querem discutir”.
A União promove o acesso à moradia e busca influir
no desenho de legislação e políticas públicas do setor em um país com déficit
qualitativo e quantitativo de aproximadamente sete milhões de moradias. Na
América Latina e no Caribe vivem pelo menos 641 milhões de pessoas, das quais
80% habitam zonas urbanas. Ao menos 104 milhões residem em assentamentos
informais.
Para Horacio Corti, defensor-geral da Cidade de
Buenos Aires, a Nova Agenda Urbana é “muito genérica” e seria desejável que
fosse “mais precisa”.Corti, que apresentou seu livro Direito à Cidade,
Direitos Culturais, Cultura do Direito no Fórum Alternativo, no dia 17,
apontou que, se foi possível construir o direito à cidade na América Latina,
por que não pensar em um acordo sobre direito à justiça?”.
No Plano de Aplicação da Nova Agenda Urbana
organizações sociais, acadêmicas e empresariais já inscreveram 52 projetos
urbanos, entre os quais figuram empreendimentos provenientes de Brasil, Chile,
Colômbia, Equador e México, sobre temas como qualidade do ar, construção
sustentável e projeto resiliente.
Diante do eventual fechamento das negociações em
torno da Declaração de Quito, a não governamental Coalizão Internacional para o
Habitat, com sede no Marrocos, preparava um pronunciamento, enquanto o fórum
alternativo também fará o seu, ambos caracterizados por uma perspectiva
crítica.
Segundo Blanco, a cúpula não deve cair em “uma
receita”, porque “a produção social do habitat é um processo, não um produto”,
e que a força de tornar realidade os compromissos está “em nós” e não nos
governos. “Podemos centrar o debate no fomento à produção social do habitat,
mas isso requer soluções de longo prazo”, acrescentou.
Por seu lado, Rodríguez considerou que “as
políticas públicas devem atender os direitos”, por isso “a agenda é um chamado
a trabalhar por nossos direitos e enfrentar os conflitos que surgirem. Deve-se
reconhecer a cidade como um bem comum”. Para Corti, constata-se que “a
injustiça espacial” se reflete em “injustiça territorial”, exemplificada pela
especulação imobiliária e a edificação de moradias desconectadas e
insustentáveis. “Por isso, sem justiça social e urbana não há cidadania”, ressaltou.
Fonte: ENVOLVERDE
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