O remédio para um planeta doente está nas florestas.
Fotos: Rosi Masiero
Por Júlio Ottoboni*
As mudanças climáticas de origem antrópica têm
apresentado seus efeitos em extremos climatológicos no Brasil, como a
intensificação severas tempestades e tornados no Sul, secas prolongadas no
Sudeste e a mudança do ciclo das chuvas na Amazônia, diminuição no número de
rios perenes e em seus volumes hídricos. Os riscos são imensos de um colapso
ambiental.
O que era alarmismo para setores da sociedade e,
inclusive no universo científico, se revela uma triste realidade que
vagarosamente se instala em muito pela morosidade aflitiva das ações governamentais
em mitigar a situação já preestabelecida, com seus infindáveis acordos do clima
e quase nenhuma atividade prática e permanente.
As florestas foram surgindo dentro do cenário
científico como biomas complexos e fundamentais para a manutenção da vida
planetária. O que foi entendido durante séculos como algo a ser explorado e
mesmo erradicado, pois se tinha como nociva ao desenvolvimento econômico, as
matas são hoje compreendidas com a redenção planetária.
O conceito místico de “árvore da vida”, que precede
a alegoria bíblica com a visão de ‘paraíso’, é encontrado entre os babilônicos
e egípcios antigos entre outros povos. Ou seja, o simbolismo da árvore sempre
esteve ligado a algo sagrado e íntimo à vida, a existência de todas as
espécies.
Como ramos distintos de uma mesma árvore, a ciência
comprova o religioso. As primeiras plantas que surgiram no ambiente terrestre
há 470 milhões de anos e passaram a mudar o clima terrestre ao sequestrar
dióxido de carbono da atmosfera e depositar uma quantidade imensa de oxigênio
na atmosfera.
O fóssil de árvore mais antigo já encontrado data
de 385 milhões de anos, de uma provável floresta tropical estabelecida na
latitude da Inglaterra. A espécie não tinha folhas, era basicamente o tronco e
galhos. Contudo absorvia dióxido de carbono e ajudava a esfriar o planeta. Uma
coisa é dada com certa pela ciência, entre 251 milhões e 199 milhões de anos
atrás a Terra estava coberta de árvores e plantas com flores.
Os primeiros vegetais terrestres são ancestrais do
musgo moderno, que se espalharam pelas encostas rochosas e úmidas. O alimento
era extraído dessas superfícies, como o cálcio, magnésio, fósforo e essas
criaturas geravam reações químicas.
Essa pesquisa feita pelas universidades de Exeter e
Oxford, ambas sediadas no Reino Unido, essas atividades químicas, em larga
escala, levaram ao surgimento da vida como existe hoje.
“Esse estudo demonstra o poder que as plantas têm
no clima. Mas, apesar de elas continuarem esfriando a Terra até hoje ao reduzir
os níveis de dióxido de carbono, elas não conseguem acompanhar a velocidade com
que o ser humano produz o CO2. Na verdade, seriam necessários milhões de anos
para que o CO2 que nós produzimos fosse processado pelas plantas”, afirmou Tim
Lenton, um dos autores da pesquisa ‘First plants cooled the Ordovician’,
publicada na revista Nature Geoscience em 2012.
Conflito homem versus natureza
O conflito entre homem e natureza foi se agravando
ao longo dos milênios até alcançar os dias atuais. Os extremos climáticos, um
dos efeitos do aquecimento global, criou uma nova realidade mundial que exige
uma resposta dos governos numa realidade incompatível com o cipoal burocrático
e de interesses diversos aos quais estão envolvidos.
Entretanto, a iniciativa privada se antecipou na
aplicação de soluções exibidas para o problema e hoje consegue dar exemplos a
todo o planeta de como o conceito de sustentabilidade, de preservação e
conservação podem acompanhar harmoniosamente o desenvolvimento econômico e
produtivo.
O cuidado com o meio ambiente natural atraí valores
que acabam agregados às empresas, marcas e produtos. Dentro de seus projetos de
sustentabilidade passaram a ações decisivas, como áreas preservadas intocadas,
restaurar outras degradadas na recomposição de biomas nativos, criação de
núcleos de estudos sobre a flora, fauna, atendimento às populações nativas
entre uma infinidade de outras atividades.
O empresariado teve a sensibilidade para compreender
que o mundo clama por atitudes neste sentido e o mercado reage positivamente
quando essas novas interferências restauradoras e de harmonização são
apresentadas.
“No passado a gente deixou aos políticos e
trabalhadores sociais a solução dos problemas do mundo, e os negócios somente
criavam empregos e riqueza. Penso que agora muitos líderes de negócios tem se
dado conta de que todas as empresas devem tornar-se uma força para o bem”, como
salientou o fundador e CEO do Grupo Virgin, o megaempresário britânico Richard
Branson.
Metade das florestas destruídas
Desde o início do processo civilizatório humano se
devastou algo em torno de 46% de todas as árvores existentes. Os níveis de
destruição não desaceleraram mesmo com os alertas mundiais e as consequências
das mudanças no clima já sentidas. O desflorestamento e outras práticas ilegais
contribuem por ano para a perda de 15 bilhões de árvores. Só na Amazônia
brasileira são 3 milhões por dia.
O apelo de Branson parece ter surtido efeito.
Atualmente, o melhor exemplo vem do setor privado e das empresas engajadas no
objetivo de constituir um planeta melhor, onde a vida prospere sob alicerces
científicos e responsabilidade socioambiental.
O cientista do Centro de Ciência do Sistema
Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e uma das
maiores autoridades mundiais em ciências da terra, Antonio Donato Nobre, é dos
que tem alertado para a necessidade de se preparar para o novo modelo de clima
na região e sobre a necessidade urgente de ações mitigadoras.
“Existe uma vasta literatura sobre o assunto, os
eventos extremos vão aumentar de frequência e intensidade com as mudanças
climáticas globais. Temos pelo menos 20 anos de alertas dados. Não era mais
fácil termos cuidado do clima planetário, termos preservado nossas florestas,
termos replantado o que foi destruído?”, questionou Nobre.
Um remanescente que se traduz em esperança
A resposta ao questionamento do cientista está sendo
dada pela Votorantim. Ela tomava forma desde os anos 50, quando o empresário
Antonio Ermírio de Moraes, resolveu comprar cerca de 250 títulos de propriedade
na bacia do rio Juquiá, no Vale da Ribeira. Nesta época, a economia do
pós-guerra avançava sobre os recursos naturais com a mesma voracidade que
bombas e tanques variam cidades e país do mapa mundial. Conservacionismo era a
antítese da nova ordem global, voltada à reconstrução e o estabelecimento de um
novo ciclo industrial.
No entanto, ele construiu as sete hidrelétricas que
necessitava dentro da área para abastecer a Companhia Brasileira de Alumínio. E
surpreendeu ao deixar a floresta intocada em seus 310 quilômetros quadrados –
atualmente o maior segmento contínuo de Mata Atlântica existente.
Surgia então, localizada entre a Serra de
Paranapiacaba e os Parques Estaduais da Serra do Mar e do Jurupará, uma das
mais ousadas ações ambientais do Brasil e exemplo hoje a ser exportado para o
mundo. Surgia ali o que mais tarde seria denominado de reserva ambiental
particular.
Estabelecida oficialmente em 2011, num acordo com o
governo de São Paulo a Reserva Votoratim-Legado das Águas será aberta para
visitação pública em 2017 e turismo científico, num leque imenso de
possibilidades ainda estudadas e projetadas. Entretanto, houve um caminho a ser
percorrido até se alcançar esse estágio.
Em 2012, teve inicio no local os primeiros estudos
científicos e por meio de uma parceria com o governo paulista houve a condições
de combinar a proteção ambiental e a utilização dos recursos naturais de forma
sustentável. Desta maneira serão possíveis ações de geração de renda, trazendo
desenvolvimento as comunidades e melhorias na qualidade de vida dos habitantes
da região, onde se encontram os três municípios abrangidos pela reserva,
Juquiá, Miracatu e Tapiraí. Todos eles possuem Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) abaixo da média nacional.
Interesse científico
O Legado das Águas corresponde atualmente a 1,5% de
toda a Mata Atlântica residual no território de São Paulo. Por ter sido
preservada por mais de meio século, sua biodiversidade guarda espécies raras e
endêmicas de animais, flores, árvores dentro da mata com um dos biomas mais
complexos e ricos do planeta.
O interesse científico por esse trecho da Mata
Atlântica é hoje proporcional à importância de sua preservação. A reserva
Legado das Águas tem um plano estratégico de gestão, no qual as pesquisas
científicas sobre flora possibilitaram a publicação do primeiro guia de
espécies de Mata Atlântica e o mapeamento genético de 50 espécies do lugar.
A fauna é alvo de pesquisas como o mapeamento de
carnívoros, além de estudar exclusivamente o macaco muriqui, uma espécie
endêmica da Mata Atlântica e em risco de extinção. Desde o inicio em 2011 mais
de 45 pesquisadores, contando turmas de graduação, mestrado e doutorado
produziram trabalhos junto à reserva. Alguns estudos mostraram que 75% da área
estão em excelente estado de conservação e os outros 25% se encontram em
regeneração.
A empresa Votorantim mantém uma infraestrutura para
pesquisadores interessados em conduzir projetos de conservação ambiental. Entre
eles se encontra a pesquisa sobre Conservação dos Carnívoros Neotropicais, que
contempla as onças-pintadas e pardas. Também são estudadas espécies da flora
nativa, que possibilitou a criação de um viveiro de mudas e avanços em estudos
sobre as orquídeas. Outro aspecto científico importante é o mapeamento genético
da biodiversidade local.
Além de ser o ambiente propício para a realização
de estudos e pesquisas permanentes sobre a fauna e a flora, essa reserva deve
ter ainda atividades nas áreas de educação ambiental, compensações florestais,
biotecnologia, turismo ecológico e científico.
A direção da reserva já colocou em prática os
primeiros ensaios sobre o potencial turístico da região, que busca estabelecer
uma estreita integração com as prefeituras dos municípios com territórios
integrados na área de reserva. Para essa proposta se concretizar, tem auxiliado
na aplicação de programas de melhoria da gestão pública e trabalhos com a
comunidade.
Em dezembro do ano passado foi revalidado o
protocolo de intenções assinado em 2012 com o governo de São Paulo. Entre as
novidades está o foco no viveiro de mudas, no qual serão multiplicadas espécies
a partir de matrizes selecionadas dentro da floresta da reserva.
Essa será a primeira experiência que envolverá as
comunidades locais. E um de seus objetivos é contribuir na eliminação da coleta
clandestina de espécies muito visadas comercialmente, como palmitos-juçara e
orquídeas.
Outra proposta no uso comercial da reserva com
incrementos no meio ambiente natural é o arrendamento de áreas para compensação
ambiental, atualmente prevista na nova composição do Código Florestal. A
proposta é oferecer 1 mil hectares da área da reserva para empresas com
demandas voltadas a compensação ambiental. Esse segmento ainda é insipiente no
país, mas tende a crescer e tornar-se um modelo para a conservação florestal.
Aporte de recursos
Em 2015, a Reserva Votorantim – Legado das Águas
recebeu investimentos na ordem de R$ 7 milhões. No entanto, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento no valor de R$
43 milhões à Votorantim S.A. para projeto pioneiro de gestão com
sustentabilidade econômica e ambiental.
O investimento total do projeto é de R$ 52 milhões,
o qual possibilitará desenvolver pesquisas científicas sobre a flora e a fauna
com universidades, implementar o Plano de Manejo da Reserva, criar
infraestrutura para visitação, gerar emprego e renda para a comunidade da
região e instalar uma Estação de Tratamento de Esgotos e outra de Tratamento de
Água.
Uma das principais atividades do projeto será a
restauração de áreas com espécies nativas em 810 hectares, com técnicas de
plantio total, de enriquecimento da flora e sistemas agroflorestais. Para o
fortalecimento desta nova cadeia produtiva, voltada para restauração do
ambiente natural, parte dos investimentos será voltada aos viveiros de mudas.
No financiamento concedido à Votorantim S.A. serão
utilizados recursos ordinários do Banco e do Fundo Nacional sobre Mudança do
Clima (FNMC), no âmbito do Programa Fundo Clima.
Na Reserva Votorantim – Legado das Águas foi
constatado a presença de animais como a jaguatirica, onça parda, anta-albina,
lagarto teiú, macacos muriquis do sul, diversas espécies de aves, todos considerados
raros e importantes para o equilíbrio ecológico local.
O projeto apoiado pelo BNDES i contribuirá tanto
para a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos, como na formação de
um corredor ecológico na Mata Atlântica entre parques estaduais e áreas de
proteção ambiental.
A direção da reserva espera que o projeto inove no
segmento de gestão de reservas ambientais, podendo ser adotado como modelo em
outros biomas existentes no território nacional.
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado,
pós-graduado em jornalismo científico com especializações em Águas
Atmosféricas, Geomagnetismo, Astrofísica e tem mais de 30 anos de profissão.
Fonte: ENVOLVERDE
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